OPINIÃO

PCO é uma seita? – Por Francisco Fernandes Ladeira

São características básicas de uma seita: 1) infalibilidade do líder; 2) exclusivismo (somente seu grupo é o portador da “verdade”); 3) divisão “nós e eles”; e 4) perseguição a ex-membros.

Emílio Surita, da Jovem Pan, com camiseta do PCO.Créditos: Reprodução/Youtube
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No cenário político brasileiro, constantemente o Partido da Causa Operária (PCO) é chamado de “seita” por seus críticos. Reinaldo Azevedo já se referiu ao partido como “seita bolsonarista de esquerda”. Guilherme Boulos, ao se defender das acusações do PCO, sobre ligações com o imperialismo estadunidense, afirmou: “O PCO é uma seita de gente lunática”. No início do ano passado, Emir Sader escreveu em seu perfil no Twitter: “PCO, aquela seita denunciada por tantos ex-militantes, faz o jogo da direita atacando o Boric [presidente do Chile]”.

Sendo assim, a partir das falas citadas acima, somos levados ao seguinte questionamento: chamar o PCO de seita é apenas falta de argumento ou o partido realmente opera como tal?

Para responder a esta pergunta, é fundamental identificarmos as principais características de uma seita. Quando ouvimos ou lemos esta palavra, logo nos vem à mente um grupo de fanáticos religiosos. Porém, a designação “seita” também pode ser aplicada a outras organizações sociais.

São características básicas de uma seita: 1) infalibilidade do líder; 2) exclusivismo (somente seu grupo é o portador da “verdade”); 3) divisão “nós e eles”; e 4) perseguição a ex-membros.

Segundo o conselheiro de saúde mental, especializado em cultos destrutivos, Steven Hassan, seitas são grupos que deixam seus membros psicologicamente esmagados e financeiramente arruinados, além de demolirem suas relações anteriores, com cônjuges, amigos e familiares.

Dito isso, é importante averiguar se as características listadas acima – infalibilidade do líder, exclusivismo, divisão “nós e eles” e perseguição a ex-membros – se aplicam ao PCO.

Infalibilidade do líder – Desde sua fundação, em meados dos anos 90, o PCO tem um único presidente: Rui Costa Pimenta. Quem acompanha minimamente as atividades públicas do partido, percebe, sem maiores dificuldades, que sua dinâmica opera da seguinte forma: aos sábados, na Causa Operária TV (COTV) – veículo de imprensa do partido –, Rui Costa Pimenta faz uma análise de conjuntura sobre os principais acontecimentos políticos e sociais do momento; na semana seguinte, os militantes repetem, de maneira fidedigna, todos os posicionamentos de Rui Costa Pimenta. Não há divergências. Todos têm exatamente as mesmas opiniões do líder (pelo menos demonstram em âmbito retórico).

De acordo com o documento intitulado “PCO: reflexões críticas de egressos do Partido”, assinado por ex-militantes do partido (portanto, escrito por quem já esteve dentro dessa organização política), “há apenas um núcleo pensante no partido – ou, verdade seja dita – um indivíduo autorizado a pensar: Rui Costa Pimenta. [...] Dentro do funcionamento interno do PCO, nada de importante é conduzido sem que seu presidente, Rui Costa Pimenta, tenha proposto ou autorizado. Tal fundamento está de tal maneira viciado que o partido se confunde com a pessoa de Rui Costa Pimenta e mesmo com sua família, numa relação extremamente personalista”.

Este tipo de imposição de ideias, que devem ser reverberadas acriticamente, ou seja, sem direito à contra-argumentação, provoca situações inusitadas para os militantes, como ter que idolatrar jogadores de futebol direitistas (principalmente Neymar), adotar posturas negacionistas (assim como no bolsonarismo), incentivar aglomerações em tempos de pandemia e, para as mulheres, ter que defender estupradores (como o caso do jogador de futebol Robinho) e grupos políticos nitidamente misóginos (Talibã, por exemplo).

No final de 2021, Rui Costa Pimenta participou do programa Pânico, da Jovem Pan (conhecido veículo ligado a extrema direita). Para justificar essa postura incoerente, todos os militantes do PCO repetiram, como papagaios, os mesmos mantras: um político de esquerda deve divulgar suas ideias para um público amplo, não pode ficar preso à sua bolha, etc.

No entanto, quando outros nomes da esquerda aparecem na grande imprensa, são achincalhados pelo PCO. Não por acaso, o youtuber Jones Manoel, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), escreveu em sua conta no Twitter: “Aquela seita conservadora e pseudo-marxista chamada PCO, passou meses me atacando por causa da participação em um documentário exibido na GNT. Agora os fãs de neymar estão se orgulhando de ser a 'esquerda’, oficial da Jovem Klan, os maskotes de Emílio Surita. Repare só”.

Exclusivismo (somente seu grupo é o portador da “verdade”) – Segundo os conteúdos divulgados na imprensa do PCO - a anteriormente citada COTV, o Diário Causa Operária (virtual) e o Jornal Causa Operária (impresso) - toda a esquerda brasileira está sempre “errada”; o PCO, em contrapartida, sempre “certo”, ou seja, é o portador da “verdade revolucionária”. Rui Costa Pimenta acertou todos os principais acontecimentos recentes da política brasileira: “previu” o golpe de 2016, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro.

Também há uma (falsa) premissa de que o partido (o menor do país) é capaz de influenciar a dinâmica da política nacional. Nesse sentido, a atuação do PCO teria sido fundamental para a liberdade de Lula e para as mobilizações populares contra o governo Bolsonaro. Tratam-se de alguns dos “dogmas” do partido e, como tais, não podem ser questionados por seus militantes.

Divisão “nós e eles” – Sendo o PCO portador da “verdade revolucionária”, é natural que seus militantes se sintam como “algo especial” dentro da esquerda brasileira. Geralmente, eles dedicam mais tempo para criticar outros partidos e nomes da esquerda do que propriamente para atacar a direita. Assim, os congêneres de espectro ideológico se constituem em principal alvo da alteridade negativa do PCO.

Nesse sectarismo, o partido (“nós”) é o único realmente revolucionárioQ quem não concorda (no caso, “eles”) está “equivocado”. É “politicamente atrasado”, “anda a reboque da direita” ou é “pequeno-burguês”. Assim, Rui Costa Pimenta seria uma espécie de “mente iluminada”, pronta para conduzir as massas.

Perseguição a ex-membros – Ao contrário das caraterísticas de seita presentes no PCO discutidas anteriormente, a perseguição a ex-membros não é perceptível a partir das atividades públicas do partido.

Entretanto, no texto já citado “PCO: reflexões críticas de egressos do Partido” encontramos relatos de ex-militantes sobre essa questão.

No próprio funcionamento do PCO, há um clima de vigilância constante entre os membros, para que não haja divergências e desvios sobre seu propósito principal: supostamente, a realização da revolução do proletariado.

No tocante às atividades externas dos membros do PCO, o documento com as reflexões críticas dos egressos aponta que, para Rui Costa Pimenta, o único trabalho digno é o de dirigente partidário ou militante profissional.

Todos aqueles ligados ao serviço público ou aos bancários, por exemplo, são sumariamente classificados como “parasitas” que vivem como serviçais da burguesia, que controla o estado. A Educação é concebida como algo fútil e pouco efetivo para melhorar o mundo, haja vista que somente a revolução trará a solução para todos os problemas. A universidade seria um antro de pequeno-burgueses preocupados apenas com suas disputas intelectuais, incapazes de construir um movimento verdadeiramente revolucionário.

Não obstante, as reuniões de “discussão política” do partido são longas e cansativas. Os militantes também são obrigados a vender exemplares do Jornal Causa Operária. A cota inicial é de 10 jornais por semana. Há militantes encarregados de vender 50 jornais por semana (ou pelo menos pagar por eles, caso não os tenha vendido).

Em entrevista para uma matéria da Revista Fórum, Mikke Nienow de Barros, ex-militante do PCO, afirmou sobre o tempo em que esteve no partido: “Havia um clima de policiamento constante sobre quem não estivesse ‘alinhado’ com a direção e sessões de tortura psicológica para forçar o militante a concordar com as exigências ou pular fora mediante pressão. Uma relação abusiva, daquele tipo que quem está próximo a você percebe melhor o buraco em que você se enfiou”.

Nessa mesma matéria, outro egresso, Kevin Drummond, disse ter sido proibido de ver a filha e perseguido junto com a esposa (também membro do partido). Militantes do PCO chegaram, inclusive, a criar perfis fakes para tentar desestabilizar a relação e atacá-lo nas redes profissionais (onde atua como professor de piano).

Desse modo, ao participar de atividades exaustivas, ser incentivado a se afastar da família, da profissão e da vida fora da organização, o membro do PCO é praticamente obrigado a “largar tudo” e “viver em função do partido”. “A cereja do bolo de tal quadro opressivo é o fato de que ex-funcionários são tratados do mesmo modo que ex-militantes: são difamados, intimidados com ameaças a não se manifestarem publicamente sobre o que ocorreu entre as paredes do PCO”, conclui o documento “PCO: reflexões críticas de egressos do Partido".

Qualquer semelhança com as palavras de Steven Hassan, descritas no início do texto, não é mera coincidência. Trata-se de um tipo de modus operandi que lembra bastante as Testemunhas de Jeová. Só falta um membro do PCO bater na porta de alguém, num domingo pela manhã, e perguntar: “tem um minuto para conhecer a palavra de Rui Costa Pimenta?”

Em suma, acatar incondicionalmente tudo o que o presidente do PCO diz (como os militantes do partido devem fazer), é abdicar do senso crítico, uma das principais qualidades do ser humano. O próprio Marx já aventava sobre a importância da dúvida na formação do indivíduo.

Podemos discordar de Reinaldo Azevedo, Guilherme Boulos, Emir Sader e Jones Manoel em muitos pontos, mas em uma questão específica eles têm razão: sim, o PCO é uma seita.

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