OPINIÃO

O modus operandi do capitalismo atual e os massacres nas escolas

"Enquanto o indivíduo realiza atos inconsequentes para ganhar visualizações, o capital lucra e incentiva esse processo, pois é nele que está a sua fonte de renda"

Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O geógrafo Elias Jabbour disse algumas vezes que o petróleo do século XXI são os dados. O capitalismo de plataforma é o principal aspecto do capitalismo improdutivo (modelo de lucro que vem se ampliando, principalmente com a alta dos juros), já que as empresas rentistas fornecem os dados para as outras sem produzir valor, apropriando-se "da mais-valia das empresas produtivas".1

Logo de cara, em sua obra sobre as Big Techs, Evgeny Morozov, afirma que "a tecnologia digital da atualidade (...) não é apenas ciência aplicada, como ainda sustentam as filosofias mais vulgares da tecnologia. Ela é, na verdade, um emaranhado confuso de geopolítica, finança global, consumismo desenfreado e acelerada apropriação corporativa dos nossos relacionamentos mais íntimos".2

E todo esse processo é feito pela lógica dos algoritmos. Através dos cookies "todas as grandes empresas de serviços da internet - incluindo Google, Yahoo, Facebook, Microsoft e Apple - constroem um quadro personalizado de nossos interesses e o utilizam para decidir que anúncios nos mostrar".3

Promove-se, assim, uma cultura da conexão em que predomina a mentalidade propagável. Conteúdos são produzidos com o objetivo de ser compartilhado de modo que grande parte das informações são moduladas "pelo forte desejo de contribuir para conversas contínuas com amigos, familiares e colegas de trabalho".4

Anúncios aparecem em nossas timelines apenas com ação de pessoas que temos conexão. De modo que "baixar um aplicativo pode fazer os amigos de um usuário do Facebook receberem doses de mensagens incentivando-os a aderir, ou comprar algum animal em Farmville pode disparar uma atualização para todos os amigos de um usuário do Facebook (ainda que estes não participem do jogo)".5

Os jovens estão fazendo uso deste mesmo mecanismo para propagar o ódio. As empresas lucram através do interesse do usuário em compartilhar uma ideia. Então criam algoritmos para que isto seja realizado. É lógico que o usuário não é um mero portador passivo do conteúdo. Ele também possui um papel ativo na propagação. Deste modo, fake news, teorias da conspiração e discursos de ódio também são propagados aproveitando-se de uma lógica que o capitalismo desenvolveu para ampliar os lucros.

A violência na escola não é um fato novo, mas não há como negar a multiplicação deste fenômeno nos últimos anos. Também é impossível negar a participação das redes sociais nesses eventos. Justamente porque foram elas que promoveram a "mentalidade propagável" como mostram os estudos de Henry Jenkins, Joshua Green e Sam Ford. As "redes sociais representam uma nova configuração de práticas que já existem há muito tempo".6 Assim como o colonialismo digital, a mais atual expressão do capitalismo, "intensifica ou atualiza as 'velhas' tendências da divisão racial e geográfica do trabalho"7, ele dissemina práticas estadunidenses pelo mundo, como os massacres em escolas.

Enquanto o indivíduo realiza atos inconsequentes para ganhar visualizações, o capital lucra e incentiva esse processo, pois é nele que está a sua fonte de renda.

Existem outros elementos que causam a violência nas escolas. Dos problemas familiares ao desaparecimento das utopias, da fé no futuro provocada por uma cultura presentista etc.. Mas o fato é que a forma atual que o capitalismo encontrou para ampliar seus lucros é causa direta da violência escolar. Hoje, até os que defendem a liberdade do mercado reivindicam a intervenção estatal para pôr um fim aos massacres nas escolas, mas eles precisam saber que é o modelo econômico que tanto prezam a origem de todos os males.

SRNICEK, N. Valor, renda e capitalismo de plataforma. Revista Fronteiras, vol.24, n. 1, janeiro/abril, 2022, p. 10.

2 MOROZOV, E. Big Techs: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu, 2018, p. 7.

3 SUMPTER, D. Dominados pelos números. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2019, p. 21.

4 JENKINS, H; GREEN, J; FORD, S. Cultura da conexão. São Paulo: Aleph, 2014, p. 36.

5 Idem, p. 47.

Idem, p. 65

7 LIPPOLD, W e FAUSTINO, D. Colonialismo digital, racismo e acumulação primitiva de dados. Germinal: marxismo e educação em debate, Salvador, v.14, n. 2, p. 56-78, ago. 2022, p. 63.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum