TECNOLOGIA

Inteligência Artificial: Brasil na retaguarda da disputa global por soberania computacional

Relatório internacional analisa como o controle de infraestrutura para inteligência artificial impacta a soberania dos países — e destaca a posição vulnerável brasileira na corrida tecnológica global

Créditos: Reprodução de arte feita por IA, CC BY
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Um novo estudo publicado na SSRN Electronic Journal acende um alerta sobre a crescente concentração do poder computacional de inteligência artificial (IA) nas mãos de poucos países e grandes corporações. 

Intitulado “AI Compute Sovereignty: Infrastructure Control Across Territories, Cloud Providers, and Accelerators” (“Soberania Computacional em IA: Controle de Infraestrutura entre Territórios, Provedores de Nuvem e Aceleradores”,, em tradução livre) e divulgado no último dia 20, o relatório mapeia a distribuição global de data centers, provedores de nuvem e aceleradores de IA, como GPUs e TPUs, e revela profundas assimetrias geopolíticas nessa nova era tecnológica.

Assinado por pesquisadores da Universidade de Amsterdã e da Universidade de Oxford, entre outros, o estudo aponta que o domínio dessas infraestruturas equivale, na prática, ao domínio sobre a inovação tecnológica, a defesa nacional e a capacidade regulatória de cada país.

Brasil: dependência crítica e riscos à soberania

O Brasil aparece como uma das nações do Sul Global mais dependentes de infraestrutura estrangeira para computação de alto desempenho. Sem data centers nacionais equipados com chips de última geração — como as GPUs H100 da Nvidia —, o país recorre a grandes corporações dos Estados Unidos, como Amazon Web Services, Microsoft Azure e Google Cloud.

Embora o governo tenha lançado um plano estratégico de R$ 23 bilhões (cerca de US$ 4 bilhões) para fomentar a IA até 2028 — com investimentos em inovação empresarial, supercomputação e até uma "nuvem soberana" —, o Brasil segue sem produção própria ou estoque estratégico de chips e aceleradores avançados.

Segundo o relatório, essa dependência tecnológica coloca o país em posição de fragilidade, limitando sua capacidade de desenvolver soluções próprias e regulá-las de forma soberana. Sem o domínio sobre a infraestrutura, o Brasil corre o risco de ser apenas consumidor de tecnologias desenvolvidas e controladas no exterior.

Citações sobre o Brasil

O estudo publicado no repositório SSRN, menciona diretamente o Brasil em duas passagens principais:

1. Brasil como exemplo de país do Sul Global com infraestrutura dependente:

“Vários países do Sul Global com grandes populações e indústrias tecnológicas ativas — incluindo Brasil, Nigéria e Indonésia — têm soberania computacional extremamente limitada.”

Os autores destacam que, apesar do tamanho populacional e da importância econômica, o Brasil mantém uma autonomia reduzida no controle de sua infraestrutura crítica para inteligência artificial, como data centers e aceleradores (como as GPUs), o que compromete sua capacidade de inovação tecnológica independente.

2. Dependência da nuvem pública no Brasil:

“Na América Latina, a nuvem pública é o modelo dominante de infraestrutura de computação para IA, e a maioria dos países, incluindo o Brasil, não possui infraestrutura de alto desempenho necessária para treinar modelos de ponta.”

O trecho reforça que o Brasil depende fortemente de provedores estrangeiros — como Amazon, Microsoft e Google — para acessar poder computacional, o que limita sua soberania e protagonismo na revolução tecnológica impulsionada pela IA.

Disputa global por chips e nuvens

Estados Unidos, China e União Europeia concentram mais da metade dos centros de dados voltados à IA no mundo. Apenas 32 países — cerca de 16% do total — possuem instalações com capacidade computacional para treinar modelos de IA avançados. América Latina e África praticamente não aparecem no mapa.

Enquanto o CEO da OpenAI, Sam Altman, visitava um mega data center em construção no Texas — um projeto de US$?60 bilhões —, pesquisadores argentinos operavam hubs de IA improvisados em salas com cabos expostos e chips obsoletos. A desigualdade já se traduz em perda de talentos, limites para inovação científica e dependência de acordos geopolíticos assimétricos.

Nos bastidores da disputa, chips da Nvidia se tornaram peça-chave da soberania digital. O governo dos EUA, por exemplo, impôs restrições ao envio dessas GPUs a certos países, como o Quênia. Já a China tenta expandir a venda de seus próprios chips da Huawei, oferecendo financiamento e infraestrutura em regiões estratégicas.

Caminhos possíveis para o Brasil

O estudo recomenda três estratégias para países como o Brasil reverterem essa vulnerabilidade:

  1. Criar consórcios regionais de computação com países latino-americanos para dividir custos e garantir acesso conjunto a aceleradores de IA.
     
  2. Estabelecer políticas públicas que exijam a instalação de infraestrutura local com compartilhamento de capacidade entre empresas, governos e universidades.
     
  3. Desenvolver mecanismos legais e técnicos para acesso soberano a dados e fluxos computacionais, mesmo quando operados por corporações estrangeiras.

A urgência de uma soberania digital

Em agosto de 2024, durante a abertura da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Goiana (PE), o presidente Lula questionou a dependência estrangeira do Brasil ao defender a criação de uma IA nacional.

“O Brasil tem capacidade suficiente para criar a sua própria inteligência artificial, sem esperar que venha da China, dos Estados Unidos, da Coreia do Sul, do Japão… por que não pode ter a nossa?” 

Essa provocação presidencial se alinhou ao lançamento do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), anunciado no final de julho de 2024, com um investimento de R$?23?bilhões (aproximadamente US$?4,07?bilhões) entre 2024 e 2028 para financiar inovação empresarial, infraestrutura, supercomputadores e formações.

Apesar do pacote robusto, especialistas alertam que, sem controle sobre chips, data centers e nuvens — cuja infraestrutura avançada é dominada por empresas dos EUA e da China —, a soberania digital do Brasil pode se limitar à retórica, mantendo o país como consumidor, e não protagonista, na revolução da inteligência artificial.

O mundo vive hoje uma nova corrida tecnológica, e quem controla os centros de processamento de dados, controla o futuro da inteligência artificial. O Brasil, se quiser participar como protagonista, precisará ir além do planejamento e encarar a disputa pela infraestrutura como uma questão de segurança nacional.

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