Em novembro de 2016, estreou na Netflix a primeira temporada de "The Crown", que se propôs a acompanhar as intimidades da Família Real do Reino Unido, com foco na história da ainda princesa Elizabeth, interpretada magistralmente nas duas primeiras temporadas pela deslumbrante Claire Foy.
Logo após a estreia, "The Crown" tornou-se um sucesso absoluto, isso motivado por diversos fatores: a curiosidade sobre a vida privada da Rainha Elizabeth, sempre extremamente reservada, e pela equipe por trás da produção, destacando o nome de Stephen Daldry, cineasta e produtor responsável por obras-primas como "Billy Elliot" (2000), "As Horas" (2002) e "O Leitor" (2008).
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À medida que as temporadas avançaram, a produção acumulando prêmios, uma questão ganhou cada vez mais força sobre como seria a abordagem de duas figuras da história recente do Reino Unido: a ultradireitista primeira-ministra Margaret Thatcher e a Princesa Diana.
Ambas entram na trama de "The Crown" a partir da 4ª temporada. Nesta, o foco será em Thatcher, com uma interpretação deslumbrante de Gillian Anderson, que incorporou magistralmente a ex-primeira-ministra. Curiosamente, será com a personagem de Thatcher que a série fará críticas mais pesadas sobre a Família Real em torno da seguinte questão: qual é a relevância desse quadro para a contemporaneidade?
Dois diálogos entre a Rainha Elizabeth, interpretada por Olivia Colman, e Thatcher destacam a crítica proposta pela série: animada com a eleição da primeira mulher primeira-ministra, a Rainha convida Thatcher para um chá no Palácio de Buckingham. Em determinado momento, Elizabeth diz: "Temos muito em comum." Recebe como resposta: "Acho que não. Eu batalhei para chegar até aqui".
Ainda confiante em se tornar próxima da primeira-ministra, a rainha a convida para passar um feriado em seu Castelo de Balmoral. Thatcher não suporta passar todos os dias com a Família Real e desabafa com seu marido, Denis Thatcher: "Como pode tanta futilidade?"
Princesa Diana e o enclausuramento Real
Se a história de Margaret Thatcher a série optou por uma inserção fulminante, ou seja, em apenas uma temporada, a abordagem da trama de Diana é diferente e isso faz sentido, uma vez que a narrativa de uma das pessoas mais queridas pelos britânicos merece ser contada com todos os detalhes possíveis.
Como mencionado, a trama de Diana se inicia na 4ª temporada. Sem pressa, "The Crown" toma como ponto de partida a história da futura princesa como o mais pleno conto de fadas: do seu primeiro encontro com Charles até o casamento. Posteriormente, o conto de fadas transforma-se em um filme de terror e abusos contra Diana.
Inveja e mesquinhez
Os motivos que geram as implicâncias contra a princesa confirmam as críticas de Thatcher: Diana incomodava porque hipnotizava o público, e os políticos a cortejavam para apoiar pautas. Mesquinhos e fúteis, a Família Real não consegue lidar com o brilho de uma pessoa que, para eles, sempre foi uma invasora, ou, nas palavras da Rainha, "aquela garota."
Com o sucesso estrondoso de Diana, a princesa passa a viver todo tipo de violência e assédio por parte de seu marido, Charles, que não suporta ser ofuscado por uma mulher - história semelhante vivida pela Rainha com seu marido, Philip - e por todos os outros membros do Palácio.
O que tudo isso resulta em Diana é retratado de forma dura, mas sincera pela série “The Crown”.
Quem matou a Princesa Diana?
Nas quarta e quinta temporadas, o roteiro de "The Crown" opta por focar nas violências da Família Real contra Diana. Na temporada final, o foco muda: a princesa, figura mais querida do Reino Unido, agora está fora da realeza e torna-se objeto de exploração dos tabloides.
O enclausuramento de Diana não termina ao deixar a Família Real; pelo contrário, ela passa a ser perseguida por uma horda de paparazzi para qualquer lugar que vá, em qualquer parte do mundo.
A maneira como a série retrata as últimas oito semanas de vida de Diana é profundamente claustrofóbica e violenta. Com uma direção precisa, acompanhamos de perto toda a falta de espaço vivenciada pela ex-membro da Família Real.
De maneira oportuna, o texto da série mostra que, com a perseguição dos tabloides contra Diana, estávamos diante de uma virada no jornalismo de celebridades, algo profundamente nocivo que nascia naquele momento histórico.
Com a morte de Diana, à época, um longo debate sobre os limites do jornalismo de celebridades foi discutido no mundo todo, mas não serviu para nada. A trágica morte dela foi apenas o primeiro capítulo de uma história que faria outras vítimas com o mesmo tipo de método: perseguir e cercar.
É impossível não lembrar dos momentos finais de vida da cantora Amy Winehouse, que não conseguia ir até a esquina de sua casa sem ser perseguida e cercada por dezenas de fotógrafos, que não acordava um dia sequer sem estampar capas de tabloides com as chamadas mais bizarras possíveis.
Sem qualquer tipo de filtro, "The Crown" mostra que personalidades como Diana e Amy Winehouse - ambas do Reino Unido - só tiveram paz quando morreram. Com Amy, perdemos uma das artistas mais talentosas do século XXI; com Diana, morreu a última relevância que passou pelo Palácio de Buckingham.
Dessa maneira, "The Crown" chega ao fim tão grandiosa quanto à sua estreia e, sem qualquer tipo de filtro, nos mostra os últimos passos daquela que foi a última pessoa relevante do Palácio de Buckingham; todo o resto é sombra e mofo.