PELÉ

Um ano sem Pelé: os tempos de alegria e glória que partiram junto com ele

Há um ano, a cidade de Santos e o país viviam um de seus dias mais tristes da história; um dia sem fim que parece querer se prolongar

Pelé no Santos.Créditos: Divulgação
Escrito en OPINIÃO el

Nasci em Santos. E, como dizia o poeta, principalmente vivi em Santos. E não lembro de ter visto um dia tão triste na minha cidade quanto o 29 de dezembro de 2022. Consternada, há um ano a população ia às ruas para se despedir de seu maior ídolo.

Pelé, para os santistas, não só foi o rei do futebol, mas um cidadão que as pessoas amavam. Difícil alguém que tenha vivido por essas bandas nas décadas de 60, 70 e até mesmo mais adiante, que não tenha uma história, mesmo que breve, com ele.

Quando era garoto jogava futebol nas ruas dos bairros do Boqueirão e Embaré. Vez ou outra, passava ele com sua Mercedez placa 1.000, referência aos seus mil gols feitos, parava e perguntava: “quanto tá o jogo?”

Anos e anos depois, vi com meus próprios olhos ele passar mais de uma hora na garagem de um edifício comercial dando autógrafos e tirando selfies com os funcionários mais humildes. Ele era assim. Cortava os cabelos sempre no mesmo lugar, visitava pessoas, se referia ao mito que construiu com seu talento extraordinário na terceira pessoa: “O Pelé disse, o Pelé fez, entende?”

Naquele dia a cidade viveu cenas comoventes. As ruas estavam lotadas pra ver seu cortejo passar. O entorno do Estádio Urbano Caldeira, no bairro da Vila Belmiro, ficou abarrotado. Uma fila quilométrica de gente em silêncio cortava a avenida Bernadino de Campos, conhecida como Canal 2, pra poder passar por alguns segundos pelo seu corpo.

Pelé, que já há muito havia deixado o mundo dos homens para virar lenda, partia de vez.

Da mesma maneira como a sua chegada à cidade, menino pobre vindo de Bauru para jogar no Santos, foi o maior símbolo de progresso e prosperidade para a região, sua partida fez o avesso. O clube de tantos títulos, bicampeão mundial, chegava ao fim daquele mesmo ano vergonhosamente rebaixado para a segunda divisão do campeonato brasileiro.

Muito se falou a respeito disso. Assim como preservou suas amizades e até mesmo seu barbeiro, Pelé manteve sua paixão e proximidade com o Santos. E, para o bem da sua memória, não viveu para vê-lo rebaixado. Se pudesse, como gostava tanto de brincar, entraria em campo com seus 82 anos para evitar o vexame.

Óbvio que não foi e nem jamais seria possível. Pelé já fazia parte da história há muitos e muitos anos. Uma história que, assim como todas as outras, nunca mais voltou e jamais voltará. Foi mesmo uma lenda, um sonho bom que deixou marcas definitivas na cidade, no país e no mundo.

Leio logo pela manhã que a quantidade de estrangeiros que visitou seu mausoléu no último ano é enorme, sobretudo alemães. Um tanto enciumado e ainda mais orgulhoso constato novamente e sempre o significado de sua vida para o planeta.

Volto para aquela calçada, no dia da sua morte, e tudo vem feito um filme, de maneira vertiginosa. Foi há cerca de cinquenta anos, na primeira vez em que vi o Santos entrar em campo e uma paixão fulminante e irreversível me varava o corpo. Meu pai, naquele dia, entre a algazarra e a explosão de cores da torcida, me tocou de leve no braço – um gesto que se repetiu muitas e muitas vezes – e disse: “olha ele ali”.

E foi a imagem daquele homem negro, todo de branco, com a camisa 10 às costas, que vi e vejo atravessar compassadamente a avenida da praia da minha cidade. E ainda menino, apesar dos anos, corro atrás, perseguindo inutilmente a sua perfeição.

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