Assim que tomou posse como presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei avisou que se iniciava um período de sacrifícios e arrochos para a classe trabalhadora.
O ilustrador Cris Vector resumiu em uma imagem a essência do primeiro discurso do autointitulado "anarcocapitalista".
Te podría interesar
Os sacrifícios que estão sendo impostos à população argentina, no entanto, não incluem os "amigos do rei". Por exemplo, a roupa que a namorada de Milei, Fátima Flórez, vestiu na posse custou 319 mil pesos argentinos, o que daria para comprar, em novembro, mais de cinco cestas básicas de alimentos.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC), entidade do governo argentino que acompanha os índices da economia do país, mostram que a cesta básica de alimentos de novembro custou 59.887 pesos argentinos (cerca de 360 reais).
Te podría interesar
A eventual futura esposa de Milei usou um terno de alfaiataria que incluía uma jaqueta e calça branca com detalhes de aplique de laço nas laterais. Este conjunto, conhecido como "Set Bella", é uma criação de Natalia Antolín e foi divulgado nas redes sociais da designer.
A virtual futura primeira-dama da Argentina é uma atriz e comediante argentina. Ela ficou famosa pelas imitações da ex-vice-presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Engatou em um relacionamento com Milei e apoia as críticas vazias à "casta política" argentina, especialmente ao kirchnerismo.
Caso de fato case com o atual presidente, Flórez pode se tornar a primeira-dama do país e residirá na casa presidencial de Olivos, onde Cristina Fernández de Kirchner viveu por 12 anos durante seu mandato como primeira-dama e depois como presidenta.
LEIA TAMBÉM: Cristina Kirchner: afrontosa e de vermelho
Aprendiz de Maria Antonieta
Essa discrepância entre o discurso de austeridade e de ataques à "casta política" proferido por Milei e o valor da roupa de sua futura companheira me remetem à uma frase que sintetiza a essência da luta de classes:
"Que comam brioches."
Essa citação é atribuída à rainha Maria Antonieta, mas não há registros confiáveis que comprovem sua autoria pela monarca francesa. A fala, que implica uma aparente indiferença com a fome dos camponeses, é mencionada pela primeira vez na obra "Confissões" de Jean-Jacques Rousseau.
Escrita em 1765, quando Maria Antonieta tinha apenas nove anos de idade, a autobiografia de Rousseau relata um episódio no qual ele próprio desejava pão para acompanhar seu vinho, mas sentia-se excessivamente elegante para ir a uma padaria comum.
Neste contexto, Rousseau lembra as palavras de uma "grande princesa", referindo-se ao brioche, um pão considerado luxuoso na época, enriquecido com manteiga e ovos.
A atribuição da frase à Maria Antonieta, portanto, parece ser um equívoco histórico, refletindo mais uma imagem construída de desdém pela nobreza do que um fato comprovado.
Independente da autoria da frase, o que importa, neste caso, é a ideia de que fazer sacrifícios seja apenas para o povo. A "casta política" está imune.
Estilo dramático e transparente
As revistas de moda da Argentina descrevem o estilo de Fátima Flórez como "singular". Suas escolhas, diz a imprensa "fashionista" do país vizinho, são marcadas por elementos "ousados e dramáticos" que frequentemente exploram brilhos e transparência.
Em geral, os "especialistas em moda" não dão refresco para Fátima, que frequentemente é criticada pelo que veste em aparições públicas.
Por exemplo, um dos programas da TV Argentina que destrincham os guarda-roupas das mulheres famosas, o "La jaula de la moda", da TV Ciudad Magazine, o estilista Laurencio Adot analisou o estilo de Fátima e sugeriu mudanças para que ela "desempenhe o seu novo papel".
Adot recomendou o uso de calças mais largas, considerando-as mais chiques e adequadas para uma primeira-dama. Ele elogiou a estatura e silhueta de Fátima, mas recomendou refinamentos em detalhes como postura e acessórios, para aprimorar sua apresentação pública.
LEIA TAMBÉM: O armário de Kamala Harris e o peso das roupas das mulheres na política
La Casta Fest
Sobre as tais críticas de Milei à "casta política", tudo da boca para fora. Dias após a posse em Buenos Aires e logo depois do anúncio do corte de vários benefícios, membros da equipe econômica do novo governo participaram de uma festa da elite argentina.
O evento foi apelidado por internautas de "La Casta Fest", em clara ironia com o slogan do novo presidente, que dizia que ia combater a casta.
Nas imagens, membros do governo ultraliberal aparecem sorrindo, bebendo champanhe e se empanturrando de comida. Destaque para a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, que surge sorrindo, bebendo e dançando. Outro rosto conhecido na gravação é o do ex-presidente Mauricio Macri, que foi peça fundamental na vitória de Milei.
Resta saber se a classe trabalhadora sobreviverá aos ataques contra os direitos disparados pelo ultraliberal. Independente dos trajes da primeira-dama, o fato é que entre as inúmeras medidas bizarras, uma delas chama a atenção pela crueldade: às vésperas do Natal, no dia 22 de dezembro, Milei decretou que os empregadores argentinos não são mais obrigados a pagar o salário de seus funcionários com o peso, a moeda oficial do país.
Agora está liberado pagar salário com bananas, carne, bitcoin ou, quem sabe, brioches?