MUDAR PARA NÃO MUDAR

Tudo normal, como sempre, no Oriente Médio

Com cobertura dos EUA, Israel faz o que quer. Os árabes se adaptam à realidade do terreno. Contém ironia

Nobel.Vem aí outra superprodução da pazCréditos: Wikipedia
Escrito en OPINIÃO el

A pergunta já não é se, mas quando Israel assumirá o controle total de Gaza, derrotando o Hamas.

O secretário de Estado Antony Blinken desta vez foi aceito em Ramallah, na Cisjordânia, para um encontro com Mahmoud Abbas.

Não se falou naquilo que 140 países das Nações Unidas aprovaram e milhões nas ruas endossaram: cessar-fogo ou trégua humanitária "duradoura" para conter a matança de civis.

Blinken vende miragens para ganhar tempo. Fala em "pausas humanitárias" genéricas, diversionismo puro.

Por trás da conversa oleosa dos diplomatas, a notícia é que Abbas embarcou no plano para incorporar Gaza à Autoridade Palestina, compartilhando os espólios da guerra.

Abbas tem tanta popularidade quanto aquele com o qual assumiu compromissos de garantir a segurança de uma força de ocupação: Benjamin Netanyahu.

Isso de deve ao fato de que, ao aceitar passivamente a degeneração dos acordos de Oslo, passou a espionar e reprimir seu próprio povo.

Blinken, em seu tour pelo Oriente Médio, fez uma visita-surpresa ao Iraque, onde foi recebido pelo primeiro-ministro Mohammed Shia' Al Sudani.

Foi na verdade levar uma mensagem ao Irã, país que hoje dá sustentação política à coalizão que governa Bagdá.

Não se sabe ao certo o conteúdo da mensagem. Tudo indica que seja conciliatória.

Horas antes chegou ao mar Mediterrâneo o submarino nuclear USS Florida, capaz de disparar 154 mísseis Tomahawk.

As versões mais modernas do Tomahawk tem alcance de 2.500 quilômetros.

A Gunboat Diplomacy dos Estados Unidos -- no popular, o porrete naval -- está viva e forte.

Teerã, depois de ter reatado relações diplomáticas com a Arábia Saudita e entrado na Organização de Cooperação de Xangai, patrocinada por China e Rússia, tem todos os motivos para dar ao Hezbollah um papel retórico no conflito.

Escaramuças e discursos inflamados contra a "entidade sionista", sim.

Guerra total, só em caso extremo.

Blinken fala em seus discursos num futuro estado palestino para adoçar paladares, enquanto Israel submete milhões de pessoas a punição coletiva e viola em escala industrial os códigos de guerra.

Os "danos colaterais" que o jargão militar dos EUA popularizou em guerras anteriores -- Iraque, Líbia e Síria -- estão de volta em novo estilo.

Agora são precedidos por entrevistas coletivas em que Israel apresenta "provas", jamais contestadas pela mídia ocidental, de que o Hamas tem suas "armas de destruição em massa".

A ONU e a lei internacional estão desmoralizadas.

Washington desenha o futuro e isso vai levar o diretor da CIA, um peso-pesado do governo Biden, a fazer um périplo pelo Oriente Médio, começando por Israel e possivelmente Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita.

Ele certamente passará por Amã, depois que o rei da Jordânia tentou convencer os súditos de que sua força aérea jogou de paraquedas insumos médicos de emergência sobre Gaza.

Um óbvio jogo de cena, certamente combinado com Israel, para "esfriar" a temperatura de 2 milhões de palestinos que vivem na Jordânia.

Ou alguém acha que um avião militar da Jordânia sobrevoaria Gaza impune?

William Burns, o diretor da CIA, vai "vender" aos aliados locais dos EUA uma força de paz composta por países árabes para tomar conta de Gaza depois da derrota militar do Hamas. Trabalhariam obedecendo a regras definidas por Israel.

Seria o hiato necessário para "rejuvenescer" a Autoridade Palestina, que assumiria Gaza com a perspectiva de um estado palestino capenga.

Na prática, esse estado teria de abrir mão de Jerusalém como sua capital, do direito de retorno de milhões de palestinos e, como já faz hoje a Autoridade Palestina, buscar acomodação subalterna com uma força de ocupação.

Teria uma "soberania" supervisionada por drones, checkpoints, tecnologia de reconhecimento facial -- a mesma, aliás, que Israel já exporta a parceiros árabes com os quais reatou relações diplomáticas, como o Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Bahrain.

Regimes frágeis, acossados por riscos internos e externos, são ótimos clientes para a indústria de armas e de tecnologias de controle social. O mundo multipolar, instável, convida ao fortalecimento de arsenais.

O complexo industrial militar saliva.

Os acordos de paz de Oslo, assinados em 1993 e 1995, foram anunciados como o começo do fim da causa palestina.

O diabo mora nos detalhes.

Trinta anos se passaram e a realidade em solo viu Israel se apropriar de Jerusalém, colocar 700 mil colonos em território ocupado da Cisjordânia e agora pulverizar a casa de 2,3 milhões de palestinos.

Os tratados de Oslo deveriam ser rebatizados de tratados de guerra.

Na prática, a causa palestina será mais uma vez rebaixada.

Israel alega que foi pega de surpresa pelo ataque do Hamas em 7 de outubro. Um suposto "apagão" de inteligência.

É difícil conciliar isso com o que se viu em seguida.

Um mês depois, Israel manda mensagens para milhares de números de telefone em Gaza sugerindo retirada, apresenta interceptações telefônicas como provas, já sabe onde ficam os túneis do Hamas, sustenta que o centro de controle e comando do inimigo está sob o hospital Shifa -- em resumo, revela detalhes de inteligência incompatíveis com quem estava em sono profundo.

Não seria surpresa se esta fase terminasse com Benjamin Netanyahu e Mahmoud Abbas caminhando em direção ao ostracismo político com estatuetas do Prêmio Nobel da Paz, depois de gerenciar a morte de 10 mil bebês e crianças.

Aos palestinos, cabe reescrever a frase "pobre México, tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos".