CESSAR-FOGO

Apesar da "sede de sangue" do Estadão, Hamas amarrou Israel

Tel Aviv pode ter vitória militar, mas derrota política

A base.Os Estados Unidos abastecem Israel diretamente na base aérea de Nevatim; cercado, o Hamas não tem como se reabastecerCréditos: Google
Escrito en OPINIÃO el

A Federação Árabe Palestina do Brasil, desde o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, passou a dedicar sua conta no X a sublinhar a hipocrisia da mídia comercial brasileira na cobertura do conflito.

Em resumo grosseiro, as vítimas do Hamas são mais vítimas do que as vítimas de Israel. Nenhuma palavra sobre apartheid, genocídio ou crimes contra a Humanidade cometidos por Tel Aviv.

"Hamas usa a trégua para reorganizar força militar e preparar segunda fase do ataque", publicou o tabloide reacionário Estadão, baseado em entrevista com o jornalista Henrique Cymerman.

O texto nota que Cymerman já foi alvo de homenagem do papa Francisco, mas se "esquece" de dizer que o mesmo papa, referindo-se ao conflito, disse que "isto não é mais guerra, é terrorismo".

Na versão apresentada pelo Estadão, é como se Gaza estivesse aberta ao mundo e o Hamas fosse receber reforços militares da mesma forma que Israel recebe dos Estados Unidos: através de uma ponte-aérea que garante munição e interceptadores para o sistema de defesa anti-mísseis.

Reagindo, a FEPAL criticou: 

O mundo inteiro pressionou por um cessar-fogo, mesmo que temporário. O mundo voltou a debater uma solução política para a questão palestina. Já o Estadão continua sedento por sangue palestino e faz rufar os tambores da guerra, disfarçando de 'análise'

O fato de que a mídia comercial brasileira se empresta a fazer lobby para Israel deixa os ouvintes, leitores e telespectadores dela confusos em relação aos acontecimentos.

Não há nenhuma dúvida de que Israel dispõe de força militar suficiente para apagar Gaza -- e o Hamas -- do mapa. 

Só entre 7 e 12 de outubro, Israel divulgou ter jogado 6 mil bombas em Gaza, contra 7.423 que os Estados Unidos atiraram no Afeganistão durante todo o ano de 2019.

Gaza tem 365 quilômetros quadrados de extensão; o Afeganistão, 652 mil quilômetros quadrados.

Até 2 de novembro, de acordo com o Monitor de Direitos Humanos Euro-Med, Israel atirou 10 quilos de explosivos por morador de Gaza.

Tel Aviv atacou hospitais, mesquitas, padarias, centros comerciais, campos de refugiados e escolas transformadas pela ONU em dormitórios.

HAMAS NÃO FOI DERROTADO

Mesmo assim, quando a trégua teve início, o Hamas continuava atirando foguetes em direção a Israel e, ao soltar os reféns de maneira organizada, demonstrou que ainda tem comando e controle em Gaza.

Isso vai de encontro à teoria de Israel, amplamente disseminada pela mídia, de que o comando e controle do Hamas estava sob o hospital Shifa. Era invadir o hospital e o grupo palestino seria derrotado, o que não aconteceu.

Agora, as imagens de reféns e presos palestinos libertos e festejados por suas famílias e comunidades trabalha contra uma retomada dos bombardeios de Israel a Gaza, apesar do que a FEPAL chama de "sede de sangue" do Estadão.

A pausa nos ataques está expondo ao mundo o grau de destruição já existente em Gaza, a extensão da crise humanitária e a aberração que seria Israel promover uma segunda ofensiva justamente na região para a qual centenas de milhares de refugiados se concentraram.

É justamente por isso que a mídia comercial, quando noticia a libertação de prisioneiros palestinos, faz questão de qualificá-los como criminosos, reproduzindo decisões de cortes militares de uma força de ocupação que impõe apartheid contra os palestinos -- como fez a Globo, acusada de racismo pela FEPAL.

Se a guerra era apenas contra o Hamas e não contra os palestinos, o que justifica as prisões, bombardeios e repressão feroz na Cisjordânia, governada pela Autoridade Palestina?

É preciso continuar na mídia o processo de desumanização dos palestinos, para justificar mais guerra, morte de crianças e limpeza étnica. Não se trata de atacar apenas o Hamas, mas de punir coletivamente o povo palestino por não aceitar a ocupação e o roubo de terras e recursos.