Na noite de 8 de janeiro de 2023, câmeras de segurança do Palácio do Planalto registraram a chegada do ministro da Justiça, Flávio Dino, para se encontrar com o presidente Lula, que voltara de viagem ao interior de São Paulo.
Os prédios da Praça dos Três Poderes estavam recém-depredados.
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O interventor Ricardo Cappelli, homem de confiança de Dino -- e indicado para comandar interinamente a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal --, estava a caminho do acampamento montado por bolsonaristas diante do QG do Exército.
Foi acompanhado por oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal.
Na antessala do gabinete de Lula já estavam a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues.
Os dois e o deputado Lindbergh Farias haviam se encontrado mais cedo, no restaurante Fuego, Alma e Vino.
O 8 de janeiro era para ter sido um domingo qualquer, para quem não prestou atenção nos alertas feitos por bolsonaristas nas redes sociais.
Quando o trio chegou ao restaurante, encontrou o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Os parlamentares ouviram dele o primeiro relato do quebra-quebra em Brasília.
Ao relembrar o momento, em seu gabinete, Randolfe me contou que Múcio queria acionar a Polícia do Exército.
Talvez por ingenuidade, o desinformado ministro pretendia entregar o controle da rebelião a soldados que durante semanas haviam acoitado o acampamento golpista em Brasília.
Seria uma espécie de GLO.
MÚCIO E OS GOLPISTAS
Depois de tomar posse no Ministério da Defesa, no 2 de janeiro, Múcio havia dito a jornalistas, sobre os acampamentos:
Eu falo com autoridade porque tenho parentes lá. No de Recife, tenho alguns amigos aqui [Brasília]. É uma manifestação da democracia. A gente tem que entender que nem todos os adversários são inimigos, a gente tem até inimigos correligionários. Eu acho que daqui um pouquinho aquilo vai se esvair e chegar a um lugar que todos nós queremos.
Não foi o que se viu.
O ministro da Defesa disse, em seu discurso de posse, que a tentativa de explodir uma bomba no aeroporto de Brasília, na véspera do Natal, era um "caso isolado".
Flávio Dino, por sua vez, ao me receber em seu gabinete, tinha uma visão completamente distinta da sequência de eventos que precederam e sucederam a derrota de Jair Bolsonaro, inclusive o quebra-quebra em Brasília na noite da diplomação de Lula, a bomba no aeroporto na véspera do Natal e o 8 de janeiro de 2023.
Pessoalmente, fiquei espantado depois de assistir à integra da reunião que Bolsonaro promoveu com apoiadores no 12 de dezembro, no Palácio da Alvorada, enquanto Lula e Alckmin eram diplomados no TSE.
Bolsonaro não deu um pio no encontro com apoiadores, mas escolheu como porta-voz o padre Genésio, da Diocese de Anápolis, que fez um discurso incendiário pregando rebelião das Forças Armadas e golpe.
Quando Flávio Dino desceu do elevador no Palácio do Planalto, na noite do 8 de janeiro, deu de cara com Múcio, que estava ao telefone.
Os dois andaram juntos e exatamente às 21:46:55 Dino parece exaltado, com o dedo em riste.
As imagens não têm áudio.
Perguntei ao ministro, ao visitá-lo, se havia se alterado com Múcio. Flávio Dino disse que não, que apenas insistia que era preciso "prender todos".
Prender todos, nesse caso, referia-se aos acampados diante do QG do Exército, de onde saiu a bomba que, dias antes, quase foi detonada numa avenida de acesso ao aeroporto de Brasília.
Não houve diálogo áspero entre Múcio e Dino. O ministro da Defesa jamais saiu do telefone. Dino, sim, exaltou-se pedindo cadeia para os golpistas.
Foi o comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, quem moveu blindados e tropas para impedir que a Polícia Militar fizesse prisões no acampamento, enquanto Dino e Múcio se encontravam no Planalto.
O interventor Ricardo Cappelli, diante do impasse, foi obrigado a negociar.
Uma fonte da Polícia Federal, ouvida pela Fórum, disse que foi ao entorno do QG de Brasília e descobriu que a avenida bloqueada pelas tropas do Exército estava aberta do outro lado do acampamento.
Ou seja, quem quis ir embora foi. Quem sabe, até os amigos que Múcio tinha no acampamento.
O bloqueio do Exército permitiu que se mexesse na cena do crime.
Se havia explosivos, celulares com mensagens comprometedoras ou pessoas que não podiam ser vistas no acampamento, tiveram algumas horas para fugir.
Só ficaram os que não tinham nenhuma condição financeira para ir embora.
Foi o segundo golpe do 8 de janeiro: o apagamento de provas.
Quando pedi a Flávio Dino que narrasse sua conversa com o ministro Múcio, na noite de 8 de janeiro, ele não se esquivou: "Tem de prender todo mundo", foi a mensagem básica.
O dedo em riste de Dino, às 21:46:55, é o momento exato em que o bolsonarismo, mesmo em retrospectiva, passou a odiar o ministro da Justiça.
Ele não aceitava acordo de bastidores, tão comum em Brasília, para tudo terminar em pizza.
É parte da História do Brasil: os conchavos sempre se superpõem ao desejo majoritário das ruas.
A origem política de José Múcio Monteiro é a Aliança Renovadora Nacional, a Arena, partido de sustentação da ditadura militar.
Ele é integrante de uma família da oligarquia pernambucana que teve o prazer de perder duas vezes o governo estadual para Miguel Arraes -- 1962 e 1986.
Dino, por sua vez, é filho de um político cassado e preso pela ditadura militar.
No 8 de janeiro, tinha clareza de que o bolsonarismo pretendia implantar uma nova ditadura no Brasil.
Naquela noite, Dino perdeu para Múcio: as baionetas se impuseram e as prisões pretendidas pelo ministro da Justiça só aconteceram na manhã do dia 9.
No Ministério da Justiça e, portanto, no comando da Polícia Federal, Dino não deu trégua aos golpistas.
No STF, é voto certo pela condenação deles, inclusive de Jair Bolsonaro.
Resta saber se seu substituto no Ministério da Justiça será tão dedicado a evitar que o 8 de janeiro seja varrido para debaixo do tapete, em nome da governabilidade.
ASSISTA ABAIXO AOS EPISÓDIOS 1 E 2 DO DOCUMENTÁRIO ATO 18 - O GOLPE CONTRA LULA, PRODUZIDO PELA FÓRUM FILMES: