A trama da série espanhola “Intimidade”, recém lançada na Netflix, se revela logo de saída. Itziar Ituño Martinez, a Lisboa de “La Casa de Papel”, desta vez é Malen Zubiri, a vice-prefeita de Bilbao, que lidera as pesquisas para sua eleição. Ela chega ao trabalho e percebe olhares estranhos de todos. Descobre que foi filmada em um caso extraconjugal e o filme, é claro, viraliza nas redes.
Muito mais do que sobre o que hoje é chamado de pornografia da vingança, a série trata, tanto em detalhes quanto diretamente, do machismo estrutural. A solidão a que Zubiri é submetida após a divulgação do vídeo chega a sufocar o espectador. Da noite para o dia, ela perde direito ao respeito de todos, a começar pelo marido, a filha, seu pai, o prefeito – que até então era seu amigo e confidente, até os eleitores.
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A série tem o sutil mérito de mostrar situações vividas pela sua personagem central no dia a dia que jamais ocorreriam se fosse um homem heterossexual em seu lugar. Cochichos, olhares de rabo de olho, risinhos e, sobretudo, o mais absoluto desprezo pelo que ela pretende, sua opinião e atitudes.
Importante destacar a atuação de Itziar. Em um papel que caminha sob o fio da navalha, em que qualquer deslize é muito fácil, ela conduz sua personagem com delicadeza entre o irresistível vitimismo e a potente possibilidade de reação.
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O caso dela corre em paralelo com outro, de uma operária (Verónica Echegui) que pela mesma razão – a divulgação de uma foto íntima – é levada ao suicídio, após ser feita de gato e sapato por seus colegas.
Vale ressaltar a diferença entre o comportamento dos trabalhadores da fábrica e os políticos do pomposo ambiente da prefeitura. Para além do verniz de uns e a grosseria explicita de outros, tudo o que se percebe é a mesma intolerância para com as mulheres, o mesmo desprezo, enfim, a mesma misoginia.
“Intimidade” é daquelas séries que ficam nos perseguindo com suas cenas tempos depois de assistida. Uma cena qualquer, que em um determinado momento pode parecer gratuita, logo adiante passa a fazer todo o sentido. As duas mulheres que nunca se encontram, caminham juntas durante todo o tempo, divididas pela moral dos homens entre carregar a culpa da moral cristã e a obviedade de ser vítima, de ter tido a intimidade devassada.
Uma série eletrizante do começo a fim, que pergunta ao espectador, lá no fundo de seu íntimo – sobretudo ao do sexo masculino – se ele teria coragem suficiente para, no final das contas, votar em Zubiri.