CHILE

Maya, a querida Ministra da Defesa do Chile - Por Emir Sader

Com grande alegria a vejo nomeada Ministra da Defesa do governo chileno passar em revista as tropas e depois ir homenagear seu avô, Salvador Allende

Maya Allende chega ao Ministério da Defesa no Chile.Créditos: Governo do Chile
Escrito en OPINIÃO el

Cercado no Palacio de La Moneda, Allende recebeu um ultimato dos militares golpistas: que saísse, seria levado por um helicóptero para o exterior.

Allende havia jurado publicamente que só sairia do palácio morto ou no final do mandato. Nunca iria aceitar aquele ultimato. Ele conhecia casos de ex-presidentes latino-americanos, vítimas de golpes militares, que terminaram suas vidas no exterior (João Goulart era um caso).

Eu vivia a duas quadras do Palácio de La Moneda. Muitas vezes cruzei com Allende circulando pelo centro de Santiago do Chile. Mas esta vez, depois de ser despertado, de novo – havia acontecido na primeira tentativa de golpe, em junho de 1973 -, com o ruído dos aviões.

Chegando à Praça da Constituição, pude ver Allende na janelinha do Palácio de La Moneda, de onde fazia seus discursos, cercado pelos militares golpistas. Allende disparava com seu fuzil AK, que Fidel lhe havia dado de presente, e estava com o capacete que os mineiros lhe haviam dado.

Allende recusou o ultimato, fez sair as mulheres e as crianças – entre as quais estava Beatriz Allende, conhecida como Tati, a grande interlocutora do Allende entre suas filhas, grávida – e seguiu resistindo.

Até que os caças britânicos bombardearam o Palácio de La Moneda. A fumaça que saia dos bombardeios era a imagem do fim do doloroso fim da democracia no Chile.

Beatriz foi para Havana, com seus dois filhos, entre eles Maya. Foi ali que eu, de passagem por Cuba para tarefas da resistência chilena, conheci e me tornei amigo da Tati. Foi ali que eu conheci a Maya, que tinha sete anos.

Tati, sempre problematizada pela morte do pai, culpabilizada por ter saído do Palácio de La Moneda, terminou se suicidando no dia da morte do seu pai, quatro anos depois do golpe de 1973. Deu um disparo da mesma forma como Allende tinha se suicidado.

Eu passei a passear com a Maya, especialmente pela praia mais próxima de Alamar, o bairro em que ela morava, assim como grande parte das colônias latino-americanas – chilena, uruguaia, argentina, brasileira.

Me lembro de num desses passeios pela praia de Santa Maria del Mar, brincando com Maya no mar, ela puxou uma correntinha de prata que eu tinha, que caiu ao mar e não consegui recuperar.

Era uma corrente que Maria Regina, minha companheira, tinha me dado. Ela ficou em Buenos Aires, enquanto eu viajava para cumprir tarefas da resistência chilena em Cuba (a quem eu nunca voltei a ver, porque ela foi sequestrada pela ditadura argentina e ficou desaparecida para sempre, junto com Edgardo Enriquez, dirigente do MIR chileno).

Saí de Cuba e deixei de ter contato com Maya. Voltei algumas vezes ao Chile, a última em 2019, quando conheci Gabriel Boric e alguns dos seus companheiros que agora dirigem o Chile democrático. Mas nunca pude reencontrar Maya. Me correspondi com ela por WhatsApp.

Agora, com grande alegria a vejo nomeada Ministra da Defesa do governo chileno passar em revista as tropas e depois ir homenagear seu avô, Salvador Allende, também conhecido como Chicho, antes de ingressar, pela primeira vez, ao Ministério.

Da próxima vez que voltar ao Chile, eu a buscarei no Ministério da Defesa. Pelo menos para recordar-lhe pessoalmente dessas vivências e dar um abraço na querida Maya, filha da Tati e Ministra da Defesa do governo democrático do Chile.