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Por Yuri Soares*
Dia 14 de junho começa a Copa de Mundo de Futebol na Rússia. No entanto, a pouco mais de duas semanas do maior espetáculo da Terra, o povo brasileiro não parece nada empolgado com o evento: as ruas não estão sendo pintadas, o comércio patina e são poucos os comentários nas mesas de bar e reuniões familiares.
Há alguns motivos para esse desânimo. O primeiro e mais óbvio foi o fiasco da Seleção Brasileira em casa na Copa do Mundo de 2014. É difícil superar aquele ridículo 7x1.
Mas há também outros fatores, como a falta de identificação dos torcedores com os jogadores selecionados. Quase todo o elenco joga em clubes de fora do país. De clubes brasileiros, somente 3 jogadores de 2 equipes, os outros 20 jogadores atuam em times estrangeiros. Isso é somente mais um sintoma da crise que vive o futebol brasileiro, que necessita de uma ampla reformulação em sua legislação, financiamento, estrutura e relação com a mídia.
Para piorar a situação da falta de identidade entre jogadores e a população, a maioria dos jogadores, quando não silenciam sobre os problemas do povo e do Brasil, se posicionam de forma deprimente, como o apoio de Neymar a Aécio Neves em 2014.
No último domingo a seleção embarcou para a Europa quase escondida, sem realizar nenhum jogo de despedida com preços acessíveis ou treino aberto em um grande estádio.
O cenário de aprofundamento da crise econômica, social e política do país também é um problema. Há uma descrença generalizada sobre o presente e o futuro do país, e isso afeta também o ânimo do torcedor em relação à sua seleção. Tanto aqueles que desde o início sabiam que era golpe, quanto aqueles que foram ou ainda são manipulados, mas que sentem na pele a sua vida piorar e a situação geral deteriorar-se a cada dia.
O futebol em nosso país é mais que um mero evento esportivo ou espetáculo. É parte da nossa cultura e sociabilidade quando nos encontramos e, além de assistir aos jogos, também discutimos os mais variados temas.
Em diversos momentos da história, dentro e fora de campo, foram realizados protestos sobre várias pautas, seja o Vasco combatendo o racismo na década de 20, a Democracia Corinthiana defendendo as eleições diretas dentro de campo e nas manifestações de rua durante a ditadura militar, ou mesmo as manifestações de torcedores contra Temer nas arquibancadas.
Em seus embates por um futebol mais democrático, por muitas vezes, setores populares se confrontam tanto com o oligopólio midiático da Globo e demais veículos, como os cartolas mafiosos dos clubes, federações e CBF, o que não deixa de ser uma forma de politização.
Muita gente confunde o apoio à seleção com o apoio ao governo em questão, o que não condiz com a realidade. Na Copa de 1970, a ditadura militar tentou captar para si a euforia do momento. Alguns militantes progressistas se viram na encruzilhada de torcer ou não a favor do escrete. No entanto, a popularidade do regime se devia muito mais ao crescimento econômico do período do que ao futebol.
Observando as Copas mais recentes, em 1998, a seleção perdeu a copa e FHC foi reeleito; em 2002, a seleção venceu e o candidato eleito foi o oposicionista Lula; em 2006, a seleção perdeu e Lula foi reeleito; em 2010, novamente a seleção perdeu e foi eleita a governista Dilma; em 2014, mesmo com o fiasco histórico da seleção, Dilma foi reeleita. Isso demonstra que não há ligação direta entre o resultado na competição e o resultado eleitoral.
Provavelmente o torcedor esteja esperando ver para crer e, a depender dos primeiros resultados, sua postura em relação à Copa pode mudar.
Já virou febre o fenômeno das camisetas vermelhas alternativas. Muita gente quer torcer para a seleção brasileira sem vestir a mesma camisa verde e amarela utilizada pelos patos que bateram panela a favor do golpe. É um fenômeno interessante e bonito, mas não devemos identificar de forma automática quem utilizar a camisa tradicional durante a Copa como golpista. Vai ter gente de todo tipo vestindo a camiseta canarinho.
Por fim, deixemos o papel de torcer contra o Brasil para aqueles que o fazem sempre, seja no futebol, na política, na cultura e na sociedade. Aqueles que preferem ver nosso país derrotado e de joelhos. Vamos não só torcer pelo Brasil na Copa, como dialogar com nossos amigos e familiares sobre a necessidade de lutarmos coletivamente para tirá-lo do atoleiro em que estamos. Inclusive com aqueles que estiveram em lados opostos ou se calaram até agora. Tirar o Brasil do buraco e reconstruir a democracia será tarefa para os brasileiros e mais ninguém.
*Yuri Soares é professor de História no Distrito Federal