O direito ao aborto no Brasil ainda é regido por uma lei de 1940 e, mesmo nos casos já garantidos, sofre grandes obstáculos. É inegável que o mundo evoluiu de muitas formas nesse período, mas a discussão de um tema com impactos tão importantes para a saúde física e mental das mulheres e para a saúde pública ainda está muito distante da realidade atual.
Por isso, a ONG Cepia realiza uma ação de “artivismo” em edifícios no Centro do Recife, em Pernambuco. Além de projeções de imagens e mensagens em prédios na Avenida Conde da Boa Vista e na Torre Malakoff, nesta quinta (27) e na noite desta sexta-feira (28), foram distribuídos lenços e postais explicativos. A campanha ganhou espaço em busdoors e outdoors pela cidade.
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Coordenadora da Cepia, a socióloga Jacqueline Pitanguy explica a importância da ação: “O Brasil é um dos países mais atrasados neste tema. Enquanto grande parte do mundo avança suas legislações em torno da saúde feminina, garantindo direitos, nosso país busca retroceder. As brasileiras veem a violência crescer dia a dia, estimulada pela impunidade. O exercício da liberdade passa por ampliar o direito às mulheres de decidirem pelo próprio corpo”, afirma.
Recife foi palco de um dos mais polêmicos casos envolvendo o aborto legal no país. Em 2020, uma menina capixaba de 10 anos, estuprada por um tio, teve que enfrentar a pressão violenta de grupos conservadores para ter direito ao procedimento médico previsto em lei, na rede pública da capital pernambucana.
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Saúde pública
No Brasil, cerca de 800 mil mulheres passam por abortos inseguros todos os anos. Dessas, 200 mil recorrem ao SUS para tratar as sequelas desses procedimentos.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que já cobrou ações do governo brasileiro, o número de abortos desse tipo pode ultrapassar um milhão de mulheres. Essa é a quinta causa de mortes maternas no Brasil.
Em 2024, o Congresso tentou discutir o “PL do Estupro” (Projeto de Lei N.º 1904/2024), que equipara o aborto legal em idade gestacional acima de 22 semanas, inclusive em casos de estupro, ao crime de homicídio simples.
O retrocesso da proposta reacendeu o debate sobre o aborto legal no país e se transformou em uma grande oportunidade para conscientizar a sociedade brasileira quanto à necessidade de evoluir as políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva.
Desde 2017, surgem em todo o país projetos de lei inconstitucionais sobre direitos reprodutivos, propostos por vereadores de extrema direita.
Nesses oito anos, foram apresentados 103 propostas nas câmaras municipais sobre os temas aborto ou nascituro nas capitais, incluindo Recife.
Propõem, por exemplo, a obrigação de que pessoas que buscam realizar aborto legal sejam obrigadas a ouvir os batimentos cardíacos do feto, a receber informações falsas sobre supostos efeitos colaterais e psíquicos de um aborto ou a se submeter a demonstrações de como um feto é extraído do ventre da mãe.
Para Jacqueline Pitanguy, a questão da justiça reprodutiva fala sobre diferentes formas de opressão às mulheres, como racismo, pobreza e sexismo, que impactam a autonomia delas de tomar decisões livres e informadas sobre suas vidas.
“Desde a aprovação da legislação brasileira sobre o tema, tanta coisa mudou. Aprovamos a Lei do Divórcio, o homem foi ao espaço, inventamos os smartfones, as mulheres puderam ter conta em banco sem permissão dos maridos (que naquela época até podiam devolvê-las aos pais, caso não fossem virgens ao se casarem...)”, relata Jacqueline.
Para a advogada, fundadora e coordenadora executiva da Cepia, Leila Barsted, “finalmente temos a oportunidade de evoluir e mudar essa realidade do aborto inseguro, salvando a vida de milhares de brasileiras. Crime é não falar”.
Mais informações sobre a campanha estão disponíveis no site.