A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou nesta sexta-feira (28) favoravelmente à concessão de prisão domiciliar para Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira ré por ter participado dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
"Débora do batom”, como foi apelidada, foi flagrada pichando com batom vermelho a estátua “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), e está atualmente presa preventivamente.
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Embora tenha se oposto à soltura da ré, a PGR entende que, diante do encerramento das investigações da Polícia Federal e do fato de Débora ser mãe de filhos menores de 12 anos, a prisão domiciliar é uma medida adequada até a conclusão do julgamento.
Em depoimento, Débora reconheceu a ilegalidade do seu ato, afirmou ter “ferido” o Estado Democrático de Direito e pediu perdão.
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A PGR sustenta que ela participou ativamente da tentativa de golpe e que acampou em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, na véspera da invasão — um dos locais que, segundo a Justiça, serviram de base para a mobilização de apoiadores da intervenção militar.
Divergência no STF sobre a pena
O julgamento do caso começou na semana passada na Primeira Turma do STF. O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou por uma pena de 14 anos de prisão, sendo acompanhado pelo ministro Flávio Dino.
No entanto, o ministro Luiz Fux pediu vista e indicou que revisará a dosimetria sugerida.
“Tenho que fazer uma revisão dessa dosimetria, porque se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado”, afirmou Fux.
Débora responde por cinco crimes:
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado;
- Deterioração de patrimônio tombado;
- Associação criminosa armada.
Ainda não há data para a retomada do julgamento.
Encarceramento feminino no Brasil: um panorama alarmante
A professora Elenira Vilela, do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), usou as redes sociais para propor uma reflexão sobre o caso de Débora Rodrigues e o de outras milhares de mulheres seguem invisíveis nas prisões do país — muitas delas grávidas, lactantes ou mães de crianças pequenas, presas por crimes não violentos e, muitas vezes, sem condenação.
“Há uma parcela do Brasil que parece ter descoberto agora que a prisão de uma mãe é uma tragédia social, mas essa tragédia é antiga e cresceu em quase 7x nos últimos anos”, escreveu.
Elenira comenta que a população carcerária feminina é de mais de 40 mil mulheres encarceradas no país. Dessas, cerca de 80% são mães. Muitas são presas grávidas.
“Há inclusive o absurdo de mulheres que são encarceradas gestantes e que ao parirem seguem encarceradas e para poderem ter acesso ao direito básico de ser alimentados por leite materno, as crianças permanecem encarceradas com suas mães por meses e, às vezes, anos”, relata.
Estima-se que entre 900 e mil bebês estejam vivendo hoje em presídios brasileiros com suas mães. A separação precoce também é uma realidade: a maioria das crianças permanece até seis meses com a mãe e depois é entregue a algum familiar. O sistema não oferece suporte psicológico adequado, nem estrutura para que essas famílias reconstruam os vínculos mais básicos.
“Há várias denúncias de mulheres que fizeram o trabalho de parto algemadas a camas de hospitais, o que é absolutamente ilegal e inimaginavelmente violento”, diz.
O STF já determinou que mulheres gestantes ou com filhos menores de 12 anos, e que respondam por crimes sem violência, tenham direito à prisão domiciliar. Na prática, essa decisão é ignorada com frequência. As exceções viram regra.
Elenira desenha o perfil das mulheres presas, que segue um padrão alarmante: negras, pobres, com baixa escolaridade e vítimas de estruturas patriarcais que as empurram para o crime.
Quase sempre envolvidas com o tráfico de drogas por influência de companheiros ou familiares, essas mulheres raramente recebem visitas e muitas sequer foram condenadas. Ainda assim, são privadas da liberdade.
A prisão de uma mãe desestrutura lares inteiros. Em regiões periféricas e comunidades vulneráveis, até 90% das famílias são monoparentais femininas — compostas apenas por mulheres e crianças.
A ausência da figura materna é devastadora para essas estruturas frágeis, e o Estado falha duplamente ao não garantir alternativas humanizadas ao encarceramento.
Elenira pondera que o caso de Débora Rodrigues tem sido usado para provocar comoção e levantar o debate sobre anistia. Mas é importante lembrar que 70% dos 497 condenados por participação nos ataques golpistas são homens.
“Ela não cometeu crime menor quando se juntou à horda que pretendia acabar com a democracia, mas se for pra se comover com mães, quero anistia não para golpistas, mas para mães encarceradas. Se não anistia, no mínimo a aplicação da norma que cumpram suas penas em prisão domiciliar e junto com seus filhos”, encerra.
Encarceramento feminino em números
Para além do caso de Débora vários dados evidenciam a necessidade urgente de políticas públicas que considerem as especificidades de gênero no sistema prisional brasileiro para garantir os direitos das mulheres encarceradas e promover sua reintegração social.
1. World Female Imprisonment List (6ª edição, dezembro de 2024):
- População carcerária feminina mundial: Mais de 733 mil mulheres e meninas estão detidas em instituições penais ao redor do mundo.
- Ranking global: O Brasil ocupa a terceira posição em número absoluto de mulheres encarceradas, com 50.441 detentas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (aproximadamente 174.607) e da China (145.000).
- Crescimento desde 2000: O número de mulheres e meninas presas no Brasil aumentou significativamente desde 2000, refletindo uma tendência global de crescimento no encarceramento feminino.
Leia aqui o relatório completo em inglês.
2. Relatório do Instituto AzMina:
Perfil socioeconômico:
- 62% das mulheres presas são negras (pretas ou pardas).
- 66% não concluíram o ensino fundamental.
- 59% têm até 29 anos.
Motivação para o crime:
- 56% das detentas foram condenadas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, geralmente sem violência ou grave ameaça.
- 7 em cada 10 mulheres afirmam que ingressaram no crime influenciadas por seus companheiros.
Direitos das mães presas:
- Apesar do Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.º 13.257/2016) ampliar as possibilidades de prisão domiciliar para mães gestantes ou com filhos de até 12 anos, muitas mulheres ainda têm esse direito negado.
- Pesquisas indicam que 30% das brasileiras que deveriam ter a prisão preventiva substituída pela domiciliar tiveram o direito negado, e 43% das que cumprem pena definitiva também não obtiveram esse benefício.
Acesse as matérias do coletivo AzMina aqui e aqui.