Em 1925, uma tese de doutorado introduzia, de maneira vanguardista, a ideia — não consensual à época — de que as estrelas eram compostas majoritariamente por hidrogênio e hélio.
Hoje, sabe-se que, no núcleo de uma estrela, átomos de hidrogênio se fundem para formar hélio, num processo que libera grandes cargas de energia.
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Apesar de descobertas datadas de 1868 já apontarem a presença de um elemento desconhecido, que correspondia ao hélio (embora não se soubesse ainda, já que o elemento só seria classificado dali a alguns anos, em 1895) na linha espectral de um eclipse solar, em que elementos químicos são detectados na luz do sol quando a lua está bloqueando parte de sua emissão direta, a primeira tese a sugerir, de maneira estruturada, a composição correta das estrelas foi aquela apresentada em 1925 por Cecilia Payne-Gaposchkin, não sem objeções.
Cecilia Payne em 1900, na Inglaterra. Ela estudou química, física e botânica na Universidade de Cambridge, e logo se interessou pela astronomia. O interesse nasceu depois de Payne ter estudado pela primeira vez um eclipse solar total, que comprova elementos da teoria da relatividade geral de Einstein.
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Por ser mulher, no entanto, a Inglaterra não lhe oferecia grandes prospectos no campo da astronomia, e Payne então migrou para os Estados Unidos.
Por lá, Harvard estava empregando mulheres na função de "computadores" — elas eram as analistas responsáveis por catalogar placas de vidros que continham uma série de dados astronômicos.
Esse foi o trabalho exercido por Payne durante sua estadia nos EUA. Essa experiência, junto aos seus estudos posteriores, quando ela retornou à Inglaterra e passou a ter lições acerca da natureza da matéria — auxiliada pelos cursos de Ernest Rutherford e Niels Bohr, os mais proeminentes químicos da época —, foi o que propiciou a Payne o desenvolvimento de sua teoria inovadora sobre as estrelas, conta a revista Smithsonian.
Os estudos sobre a matéria eram, essencialmente, mecânica quântica. Ao se aprofundar no entendimento de como funcionavam os átomos, Payne se dedicou à observação dos "espectros estelares", gráficos que mostram a distribuição emitida por uma estrela de acordo com seus diferentes comprimentos de onda, e que permitem identificar a composição química dos astros, além de sua temperatura, densidade e movimento.
Ela, então, procurou entender as diferentes intensidades apresentadas nas linhas espectrais de diferentes estrelas, cujos dados estavam disponíveis nos arquivos de Harvard a que tivera acesso. Assim, "relacionando as linhas às temperaturas e à abundância dos elementos nas estrelas", ela conseguiu "refinar e explicar as estimativas de temperatura para diferentes classificações de estrelas", narra a revista.
Tudo isso ocorreu antes da invenção das calculadoras mecânicas, isto é, todos os cálculos foram feitos à mão.
Payne foi a responsável pelos primeiros resultados inovadores a mostrar a abundância de hidrogênio nas estrelas, que ela acreditava ser, junto ao hélio, o elemento mais presente na sua formação — uma das descobertas mais fundamentais da astrofísica moderna, julgam especialistas.
O primeiro a duvidar da teoria de Payne foi um astrônomo da Universidade de Princeton, Henry Norris Russell, que também era conselheiro externo do Observatório de Harvard. Ao ler sua tese, Russell escreveu para ela dizendo que as chances de haver, nas estrelas, uma abundância de hidrogênio — em quantidade maior do que a de elementos pesados — era "claramente impossível". Isso fez com que Payne escrevesse, nos seus primeiros artigos a respeito do assunto, que a avaliação feita por ela era "quase certamente falsa".
Apesar disso, a conclusão a que ela chegara anteriormente foi mantida na sua tese, o que a marcou para a posteridade.
Mesmo após a tese de Payne ter sido provada verdadeira, ela continuou a sofrer das dificuldades enfrentadas pelas mulheres no campo da ciência e da astronomia de sua época.
Apesar de ter atuado em Harvard como professora de graduação, por exemplo, ela era paga com um salário de "assistente técnica"; e, durante as suas pesquisas, ela tinha dificuldade para acessar os telescópios, já que era considerado inapropriado "ter mulheres observando sozinhas" ou "na companhia de homens à noite".
Três anos antes de sua morte, em 1979, Payne recebeu um prêmio por sua descoberta acerca da composição das estrelas, que lhe foi entregue justamente por Henry Norris Russell, aquele que havia julgado suas conclusões "altamente inviáveis".