DESIGUALDADE DE GÊNERO

Entenda o que é “pobreza de tempo”, que afeta principalmente mulheres, e confira dados para o Brasil

A pobreza de tempo evidencia os custos de oportunidade do trabalho não remunerado, exercido principalmente por mulheres e mais dispendioso em recortes de classe e raça; veja dados

Mulher realiza atividade doméstica.Créditos: Volha Flaxeco via Unsplash
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"Pobreza de tempo" é o conceito relacionado à dedicação a trabalhos não remunerados, sobretudo aquelas atividades domésticas necessárias à reprodução da vida — que garantem as boas condições de sobrevivência e possibilitam a continuidade das atividades produtivas. 

Essas funções envolvem tanto o cuidado de pessoas — como a criação dos filhos — como a organização, a alimentação e outras atividades do âmbito privado/doméstico que promovem o bem-estar social. 

Em sua maioria realizadas por mulheres, as atividades de trabalho não remunerado e reprodutivo não são enquadradas em políticas públicas de renda, e nem mesmo reconhecidas socialmente como atividades produtivas, na medida em que não são "vistas" ou passam despercebidas de sua importância material para a continuidade de funções, da existência e do bem-estar do todo social.

Nesse sentido, a pobreza do tempo está relacionada sobretudo à má distribuição de funções, à falta de remuneração e à "perda" do tempo de vida das pessoas que exercem funções "invisíveis". 

Esse tipo de pobreza evidencia os custos de oportunidade do trabalho não remunerado — como a impossibilidade de exercer outras funções com garantias sociais de renda —, e afeta principalmente "mulheres pobres e negras", afirmam dados da Secretaria Nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (SNCF/MDS).

Estudos conduzidos pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (MAD) da FEA (Faculdade de Economia e Administração da USP) também evidenciam os recortes de gênero, raça e classe da pobreza de tempo: a disparidade entre o tempo gasto para o trabalho doméstico de reprodução é maior entre mulheres negras, que despendem nessas funções cerca de 24,1 horas semanais — enquanto mulheres brancas gastam 22,3 horas, e homens negros e brancos, cerca de 12,5 horas.

Um outro recorte apontado pelos especialistas é o da renda per capita, nota o Jornal da USP: pessoas com renda familiar per capita mais baixa gastam mais tempo — cerca de 28 horas semanais — com os trabalhos não remunerados. 

Já os mais ricos, cuja renda familiar é maior do que 3.936 reais, costumam gastar cerca de 17 horas.

Créditos: Nota de Política Econômica - Centro de Pesquisa em macroeconomia das desigualdades (FEA - USP)

Em 2024, foi sancionada, pelo presidente Lula, a Política Nacional de Cuidados (Lei 15.069/2024), a fim de promover a inclusão social, o trabalho decente e a integração de políticas públicas em áreas dedicadas ao cuidado — na saúde, na assistência social, na educação e no trabalho doméstico não remunerado.

Entre suas atribuições, a lei previa a elaboração de um "plano nacional de cuidados", com metas e indicadores acerca de como se organiza socialmente a prática do cuidado e do trabalho de cuidado não remunerado, que é assumido principalmente por mulheres.

Algumas das iniciativas do plano incluíam a redução da sobrecarga de trabalho doméstico, a fim de combater a pobreza de tempo, com a instituição de serviços públicos de apoio — como creches, escolas em tempo integral e centros de atendimento para idosos e pessoas com deficiência —, além de iniciativas de formação e qualificação para os "cuidadores não remunerados".

Apesar disso, pesquisas realizadas pelo FEA - USP mostram que "os dados [sobre pobreza de tempo] costumam ser raros e, muitas vezes, incorretos". 

"Muitos países ainda não implementaram pesquisas independentes de uso do tempo, e este é também o caso do Brasil", diz o relatório do FEA.

Alguns empecilhos em que as pesquisas esbarram são o analfabetismo dos entrevistados — bem como a falta de treinamento dos entrevistadores —, a falta de tempo ou de disposição, e a inexistência de um relatório metodológico sobre as pesquisas domiciliares que pautam o uso do tempo.

Além disso, o cuidado de pessoas enfermas, idosos e pessoas com deficiência não costuma ser levado em consideração nessas pesquisas, nem outras atividades domésticas relevantes, como reparos e manutenção, organização do domicílio, compras e atividades não remuneradas em outros domicílios, afirma o documento. 

De acordo com dados da PNADc (Pesquisa Nacional de Domicílios), 38,8% das mulheres não procuram trabalho ou não estão disponíveis para trabalhar por pobreza de tempo: por dedicar-se a afazeres domésticos e a atividades de cuidado de pessoas.

Créditos: Nota de Política Econômica - Centro de Pesquisa em macroeconomia das desigualdades (FEA - USP)

"Embora contenha informações valiosas a respeito do tempo despendido em atividades de cuidado em um sentido amplo (isto é, considerando o cuidado de pessoas e os afazeres domésticos), a PNADc ainda é insuficiente para atender às demandas por um maior nível de detalhamento", prossegue o relatório, “[que] não só capaz de identificar o tempo gasto em cada atividade específica, como lavar a roupa, cuidar das crianças, cozinhar, entre outras, mas também capaz de fornecer estatísticas mais precisas a respeito do volume total de horas despendidas com essas atividades".

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