A violência contra a mulher é um tema que envolve pessoas de todos os gêneros, classe sociais, etnias, orientação sexual ou opções políticas. É uma questão que diz respeito à toda a sociedade brasileira. Para abordar vários aspectos desse tema, a Fórum publica uma série especial de reportagens que será veiculada ao longo deste mês.
Entrevistas com autoridades, parlamentares, ativistas, pesquisadores e estudiosos sobre as diversas facetas da violência contra a mulher: doméstica, sexual, obstétrica, política, patrimonial, psicológica e moral; dicas de livros, séries e filmes; pesquisas, estudos e levantamentos.
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Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006) completa 17 anos nesta segunda-feira (7) e é considerada uma ação afirmativa de enfrentamento a uma condição histórica de violência, discriminação e opressão das mulheres somente pelo fato de serem mulheres.
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A lei por si só não basta, mesmo no caso da Lei Maria da Penha, que é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das três legislações mais avançadas do mundo no que diz respeito ao combate e enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
O primeiro passo para uma mulher dar um ponto final a uma relação abusiva é compreendê-la. Embora tenha várias faces e especificidades, esse tipo de agressão segue um ciclo que é constantemente repetido (leia abaixo sobre o 'Ciclo do Abuso').
Como sair de uma relação abusiva
Para contribuir com mulheres que precisam de ajuda e para quem precisa ajudar quem está passando por relações abusivas, a terapeuta Thaís Santesi lança neste mês de agosto o livro “O Guia da Liberdade – Guia completo sobre relacionamentos abusivos" (Editora Literando).
O lançamento da obra de Thaís faz parte das celebrações do aniversário de 17 anos da Lei Maria da Penha, que inclui diversas atividades Brasil afora (leia abaixo sobre a campanha 'Agosto Lilás').
Ela conversou com exclusividade com a Fórum sobre, entre outros temas, de que forma ela transformou a própria dor em solidariedade. Thaís vivenciou um relacionamento destrutivo que durou cinco anos e resultou, inclusive, em violência doméstica.
Junto à terapia especializada, Thaís - que raspou o cabelo na máquina zero após sair do relacionamento tóxico para não ver aquela velha pessoa no espelho - também destaca a importância de investir em novos hábitos para superar um relacionamento abusivo.
Antes de escrever o livro, Thaís transformou a dor em trabalho para acolher outras mulheres, fundou o Projeto Bastê - União Contra Relações Abusivas e especializou-se em terapia complementar focada em relações abusivas.
Confira a entrevista
Fórum - Você usou a própria vivência para ajudar outras mulheres imersas no ciclo de violência doméstica e familiar. De que forma você avalia a transformação da experiência pessoal em um processo coletivo? Como foi esse processo?
Thaís - A mulher que está em situação de relação abusiva se vê imersa em um cárcere emocional, então é muito comum nos isolarmos do mundo, dos amigos, dos familiares. Nos sentimos trancadas dentro de uma bolha. Perdemos nossa identidade e passamos a acreditar que aquela será nossa realidade para sempre.
Quando após muito esforço conseguimos detectar que precisamos de ajuda e após um longo processo de abstinência e luto (a vítima de relação abusiva passa por estes processos, infelizmente) e após muito trabalho conseguimos de fato superar, nossa vontade é na maioria das vezes sair e voar pelo mundo, como se a porta de uma gaiola de sofrimento fosse finalmente escancarada. E por conta disso, voltamos a ter contato com o mundo externo na ânsia de alertar outras mulheres e informá-las sobre a possibilidade da superação. Foi exatamente isso que aconteceu comigo.
Quando me vi liberta, meu primeiro impulso foi querer mostrar às mulheres que sair daquele cárcere é possível, que é possível voltar a ser feliz, superar os traumas e voltar a ter uma vida próspera e saudável tanto emocionalmente, quanto psicologicamente.
Fórum - A partir da sua história você criou uma iniciativa para atender mulheres vítimas de violência, o Projeto Bastê. Como funciona o projeto? Qual o percurso para mulheres que querem participar?
Thaís - O Projeto Bastê é composto por um grupo de pessoas que se uniram em prol da causa da violência de gênero no intuito de amparar e orientar da melhor forma possível quem passa ou passou por isso. No Projeto trabalhamos com a terapia complementar especializada em relacionamentos abusivos (no caso, eu mesma atendo as pacientes) onde trabalho com a escuta ativa e conversa humanizada, orientando e acolhendo as pacientes e também receito homeopatia e florais de Bach, que tem tido um excelente resultado ao longo do processo de cura, trabalhando a depressão, crises de ansiedade e estresse pós-traumático (lembrando que a homeopatia também trabalha questões físicas).
Também oferecemos assessoria financeira a valor social, promovemos palestras e fazemos campanhas de prevenção à violência doméstica, muitas vezes com o apoio de prefeituras e secretarias. E apesar de nosso público ser majoritariamente feminino, também atendemos homens, apesar de nestes casos, eles revelarem um perfil mais arredio para buscar algum tipo de ajuda.
A pessoa que estiver interessada em conhecer um pouco mais o Projeto Bastê pode entrar em nosso site projetobaste.com ou em nossas redes sociais. No instagram e no facebook basta procurar @projetobaste. Caso a pessoa queira acompanhar meu trabalho como terapeuta e escritora, pode me encontrar no instagram @thaissantesi
Fórum - A partir da sua experiência, você escreveu o livro “O Guia da Liberdade – Guia completo sobre relacionamentos abusivos", que lança agora em agosto. Como a obra contribui para romper o ciclo de violência?
Thaís - A partir da minha experiência pessoal e de longos anos de estudos sobre o tema, me vi na necessidade de criar um guia completo que aborda de uma forma ampla e potente tudo o que envolve um relacionamento abusivo, desde os primeiros sinais até por exemplo, a necessidade do pedido de uma medida protetiva.
No guia, é possível encontrar tudo sobre as nove fases do relacionamento abusivo, dúvidas sobre como lidar com as recaídas, como lidar com a dependência emocional, co-dependência e dependência sexual, como passar pela fase da abstinência e processo de luto, quais os métodos de sobrevivência que devem ser utilizados dentro da relação, como se dá o processo de cura e terapias alternativas para ajudar a fortalecer a vítima e até mesmo como podemos ajudar quem passa por isso.
São 25 capítulos que elucidam e abordam diversas dúvidas e questões sobre o tema e que tem como objetivo auxiliar a mulher a superar da melhor forma possível.
Fórum - Qual o conselho você dá para mulheres imersas no ciclo de violência? Como romper esse ciclo?
É importante que a mulher compreenda que é um processo onde ela precisará ter paciência com ela mesma. Costumo dizer às minhas pacientes que esse processo é como uma escada. Às vezes vamos subir dois degraus e descer um. Às vezes, descer dois e subir três. Mas o mais importante é que ela continue tentando e compreenda que dificilmente ela vai conseguir superar sem ajuda, sem uma rede de apoio que não a julgue, porque a sociedade infelizmente ainda julga e culpa muito a mulher que permanece ali, sem saber que a primeira pessoa que a julga o tempo todo é ela mesma, afinal só ela sabe o efeito das agruras da dependência emocional e muitas vezes até financeira.
A dependência emocional não é um processo que se resolve do dia para a noite, o processo de cura é trabalho e é necessário tomar a decisão de se manter firme em seu propósito.
Lembrando que agressão à mulher não deve ser tolerada em hipótese alguma e nestes casos é de extrema importância que a denúncia seja feita de forma imediata e que ela tire todas as dúvidas possíveis com o servidor público que irá atendê-la.
É possível superar, pode ter absoluta certeza. Mas existe um caminho a ser percorrido para isso é o principal é: busque ajuda!
Ciclo do abuso
O ciclo do abuso da violência doméstica foi identificado e documentado pela primeira vez pela psicóloga estadunidense Lenore Edna Walker, fundadora do Instituto de Violência Doméstica, de Denver, no Colorado. Em 1979 ela lançou o livro The Battered Woman (sem tradução em português).
A obra de Walker se baseou na experiência dela como especialista que testemunhou julgamentos envolvendo abuso doméstico, desenvolveu programas de treinamento em violência doméstica e redigiu reformas legislativas.
A partir de entrevistas com 1.500 mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, Leonora encontrou um padrão semelhante de abuso, chamado de "ciclo de abuso".
Fase 1 - Aumento da tensão
- O agressor mostra tensão e irritação por coisas insignificantes e chega a ter acessos de raiva, além de humilhar a vítima, fazer ameaças e destruir objetos.
- A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.
- Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo.
- Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.
Fase 2 - Ato de violência
- Corresponde à explosão do agressor, quando ele perde o controle e parte para o ato violento. Toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.
- Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação.
- A vítima sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.
- Nesse momento, a vítima também pode tomar decisões - as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.
Fase 3 - Arrependimento e comportamento carinhoso
- Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.
- Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.
- Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.
Fonte: Instituto Maria da Penha
Agosto Lilás
Para celebrar o aniversário desse marco na luta do enfrentamento à violência contra a mulher é realizada anualmente, desde o ano passado, a campanha Agosto Lilás, que dedica todo o mês para debater a importância da proteção à mulher.
Instituído pela Lei 14.448/22, a campanha nacional é realizada pelo Distrito Federal, estados e municípios, que promovem ao longo de agosto ações e atividades para conscientizar e esclarecer sobre as diferentes formas de violência contra a mulher.