SEGURANÇA NA BALADA

Como vai funcionar o Protocolo 'Não é Não', inspirado na lei aplicada no caso Daniel Alves

Câmara aprovou proposta que estabelece procedimentos para proteger mulheres em lugares de entretenimento, como casas noturnas, boates, shows e competições esportivas, baseado na experiência da Espanha

Créditos: Câmara dos Deputados (Bruno Spada) - Deputadas celebram aprovação do PL Não é Não
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Um passo importante foi dado pela Câmara Federal para ampliar os mecanismos de proteção às mulheres contra a violência com avanço do Projeto de Lei "Não É Não", que estabelece um protocolo de combate e prevenção à violência contra mulheres em ambientes de entretenimento, como casas noturnas, boates, shows em locais fechados, eventos com venda de bebida alcoólica e competições esportivas.

PL 03/2023, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), foi aprovado pelo Plenário da Casa nesta terça-feira (1º) e pretende assegurar a segurança e dignidade das mulheres nesses locais. Após a aprovação, a parlamentar enfatizou a importância do projeto e destacou que a segurança dos ambientes é responsabilidade tanto do setor público quanto do privado. 

"Acreditamos que a segurança dos ambientes é uma responsabilidade compartilhada por todos, tanto no setor público quanto no privado. Nosso objetivo é assegurar que nenhuma mulher ou menina, nem qualquer indivíduo em busca do seu direito de viver sem violência e com alegria sofra qualquer tipo de violência", afirmou.

 Pelas redes sociais, Maria do Rosário falou sobre a importância da aprovação da matéria.

O que diz o Protocolo Não é Não

Caso o Protocolo Não é Não entre em vigor, ele determina que os estabelecimentos terão a responsabilidade de monitorar possíveis situações de constrangimento e violência, agindo prontamente para proteger as vítimas e colaborando com as autoridades competentes.

Por isso, o texto estabelece medidas essenciais para o funcionamento do protocolo, incluindo a capacitação das equipes para sua execução, a disponibilização de informações sobre como acioná-lo e o fácil acesso aos contatos da Polícia Militar e da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180).

A proposta também prevê campanhas educativas sobre o protocolo e ações de formação periódica para conscientização e implementação, além da criação do selo "Não é Não - Mulheres Seguras" para estabelecimentos que adotarem o protocolo.

Direitos da mulher vítima de assédio ou violência sexual

  • Ter suas decisões respeitadas

  • Ser prontamente atendida por funcionárias e funcionários do estabelecimento para relatar a agressão, resguardar provas ou qualquer evidência que possa servir a responsabilização do agressor
     
  • Ser acompanhada por pessoa de sua escolha
     
  • Ser imediatamente protegida do agressor
     
  • Acionar os órgãos de segurança pública competentes com auxílio do estabelecimento
     
  • Não ser atendida com preconceito

Deveres dos estabelecimentos

  • Manter funcionários e funcionárias capacitados e treinados para agir em caso de denúncia de violência ou assédio a mulher

  • Disponibilizar recursos para que a denunciante possa se dirigir aos órgãos de segurança pública, serviços de assistência social, atendimento médico ou mesmo o regresso seguro ao lar
     
  • Manter serviço de filmagem interna e externa ao estabelecimento ou evento, preservando as filmagens que tenham flagrado a violência para disponibilizar aos órgãos de segurança pública competentes
     
  • Criar um código próprio para que as mulheres e outras pessoas possam alertar as funcionárias e os funcionários sobre a situação de violência para que possam tomar as providências necessárias sem conhecimento do agressor
     
  • Manter em locais visíveis, nas áreas principais e sanitários, informações sobre o “Protocolo Não é Não”, com telefones e outras informações para acesso imediato pelas vítimas
     
  • Manter um ambiente onde a denunciante possa ficar protegida e afastada, inclusive visualmente, do agressor
     
  • Conduzir a denunciante a local tranquilo e procurar amigos presentes no local para que possam acompanhá-la
     
  • Preservar qualquer prova que possa contribuir para a identificação e responsabilização do agressor.

Inspiração catalã

A iniciativa do Protocolo Não é Não foi inspirada no Protocolo “No Callem”, de Barcelona, na Espanha, fruto de uma parceria entre a Prefeitura da cidade catalã e movimentos de mulheres. Foi criado em 2018 com o objetivo de combater agressões sexuais e violência machista em espaços de lazer da cidade, como discotecas e bares.

Aproximadamente 40 estabelecimentos na capital catalã aderiram ao protocolo, que foi reativado no final de 2022 após um período de paralisação das atividades privadas de lazer devido à pandemia de Covid-19.

Os locais que aderem ao protocolo recebem treinamento e acompanhamento e devem implementar medidas específicas para combater a violência machista.

Barcelona não é uma exceção. Existe um protocolo semelhante em toda a Catalunha e também em cidades como Madri e Pamplona.

Os criadores do protocolo "No Callem" afirmam que ele trouxe uma inovação ao envolver o setor privado de entretenimento na luta contra a violência de gênero. Em 2019, uma pesquisa revelou que, na Catalunha, uma em cada dez agressões sexuais acontece em bares e casas noturnas.

Caso Daniel Alves

O caso do jogador de futebol Daniel Alves teve como base a lei catalã que instituiu o Protocolo "No Callem" e inspirou a proposta brasileira do "Protocolo Não é Não" que foi aprovada pelo Plenário da Câmara e agora segue para o Senado.

A boate Sutton, onde teria ocorrido o caso, aplicou rigorosamente o protocolo No Callem.

Alves foi acusado por uma jovem de 23 anos de tê-la estuprado em uma boate em Barcelona no final do ano passado, no dia 30 de dezembro de 2022. Desde o dia 20 de janeiro deste ano, ele está detido, e em fevereiro, o Tribunal de Barcelona realizou uma audiência para decidir sobre o pedido de liberdade provisória do jogador. No entanto, a sessão decidiu pela manutenção da prisão do jogador.

O Ministério Público da Espanha havia solicitado à Audiência de Barcelona que o jogador permanecesse preso, devido às diversas provas que o incriminavam por violência sexual. De acordo com a decisão do Tribunal, havia também um alto risco de o brasileiro fugir para o Brasil, onde, segundo os magistrados responsáveis pelo caso, é o local onde ele reside permanentemente. É importante lembrar que o Brasil não extraditaria Daniel Alves para que ele cumprisse a pena na Espanha, onde o crime foi cometido.

Assédio em bares e baladas

A pesquisa "Bares Sem Assédio" realizada a pedido pelo Instituto da Johnnie Walker/Studio Ideias em março de 2022 revelou dados alarmantes sobre o assédio em bares e baladas. O estudo mostrou que dois terços das brasileiras relatam já terem sofrido algum tipo de assédio em bares, restaurantes e casas noturnas. Entre as mulheres que trabalham ou já trabalharam nesses ambientes, este número sobe para 78%.

Segundo o levantamento, 53% das entrevistadas admitiram ter deixado de frequentar esses locais por medo de assédio, enquanto apenas 8% costumam ir regularmente sozinhas. A sensação de insegurança também é expressiva, com 13% afirmando que nunca se sentem seguras nesses ambientes e 41% declarando que se sentem mais confortáveis na presença de um grupo de amigos.

Entre as mulheres que relataram ter sofrido assédio, 40% afirmaram ter sido tocadas em alguma parte do corpo por não terem dado atenção ao agressor. Sentimentos de raiva e impotência foram relatados por 63% e 49% das vítimas, respectivamente. Surpreendentemente, apesar desses números preocupantes, 89% das mulheres nunca chegaram a denunciar as agressões, seja por não saberem como fazê-lo (24%), por medo (18%) ou vergonha (17%).

O estudo ouviu 2.221 mulheres maiores de 18 anos no país em um questionário disponibilizado pela internet durante os dias 18/fevereiro a 25/fevereiro deste ano. A margem de erro é de 2,1 pp.

Agosto Lilás

O avanço da tramitação do PL do Não é Não ocorre em meio à campanha Agosto Lilás, iniciativa que reforça a importância da Lei Maria da Pena (Lei 11.340/2006), instituída em 2006 para amparar as mulheres vítimas de violência. No texto estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. 

O Agosto Lilás foi instituído pela Lei 14.448/2022 como mês de proteção à mulher, ganhando projeção em todo o território nacional. De acordo com a legislação, o Distrito Federal, os estados e os municípios devem promover ao longo de agosto ações e atividades para conscientizar e esclarecer sobre as diferentes formas de violência contra a mulher.