VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES

Feminicídio duplo: Justiça decide se anulará decisão injusta e arbitrária

Alessandra Vaz e Daniela Mousinho foram assassinadas por Rodrigo Marotti, mas o feminicida foi condenado por incêndio sem intenção de matar; acusação recorreu da decisão

Créditos: Acervo dos amigos - Daniela Mousinho e Alessandra Vaz
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Em outubro de 2019, no distrito de Lumiar, em Novo Friburgo, Rio de Janeiro, Rodrigo Alves Marotti assassinou a ex-namorada Alessandra Vaz e a amiga dela, Daniela Mousinho, ambas com 47 anos à época. 

Apesar dele ter confessado o duplo feminicídio, ter relatado que trancou as duas vítimas em um dos cômodos da casa de Daniela e ateou fogo em um colchão, o que provocou a mortes das duas, ele foi absolvido pelo júri popular. A sentença controversa foi lida pela juíza Simone Dalila Nacif no dia 9 de fevereiro de 2022. 

Essa situação revoltante pode mudar. Por meio de audiência online, a 3ª Câmara Criminal do Estado do Rio decidirá se irá anular, ou não, o primeiro julgamento. A princípio agendada para o próximo dia 2 de maio, a sessão virtual foi reagendada para o dia 9.

"Nós não aceitamos a decisão completamente injusta e arbitrária. Não tem como a gente apresentar à sociedade uma decisão dessa", declara a irmã de Alessandra, Andressa Vaz.

Ela conversou com a Revista Fórum e relembrou que, no primeiro julgamento, o assassino, Rodrigo, foi condenado por incêndio que resultou nas duas mortes, sem intenção de matar. Para ela, esse veredito vai contra as provas que constam nos autos do processo. 

"É vergonhoso apresentar uma condenação dessa para um assassino que cometeu um crime com duas mulheres, que ateou fogo em um colchão e é réu confesso, preso em flagrante e mediante julgamento que tinha provas. Não é admissível uma condenação dessas", desabafa. 

A advogada Aline Spinelli, que representa a família de Alessandra Vaz, explicou à Revista Fórum os próximos passos. 

O julgamento analisará o recurso da acusação, liderada pelo Ministério Público e que tem Aline como assistente depois de ser contratada pela família de Alessandra. A advogada entrou no caso depois do tribunal do júri que decidiu pela sentença controversa e que está em contestação.

"Nós recorremos da decisão dos jurados com o fundamento de que essa decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. O que de fato foi", atesta a advogada.

Mas como pode um assassino confesso de duas mulheres receber uma pena tão branda diante da gravidade do duplo feminicídio?

Aline explica que, de acordo com a lei brasileira, crimes dolosos (com intenção) contra a vida são submetidos a um tribunal do júri, formado por pessoas que são um espelho da sociedade e que são movidas pela emoção e pela empatia.

No caso desse duplo feminicídio, o mérito da sentença considerada branda pode ser atribuído à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Com um defensor público competente e experiente, foi possível convencer os jurados de que o réu não teve intenção de assassinar as duas vítimas.

O que pode acontecer agora

A Justiça vai decidir, na nova audiência, se irá reabrir o caso para que seja realizado um novo julgamento. A acusação alega que a decisão dos jurados pela absolvição do réu por duplo feminicídio e premeditação do crime não se justifica, em razão das provas apresentadas.

Uma eventual vitória da acusação provocará outro julgamento, com novos jurados. Se o réu for condenado por duplo homicídio doloso, desta vez, os jurados ainda analisarão as causas qualificadoras, que são motivo fútil, emprego de fogo, meio que impossibilite a defesa da vítima e feminicídio, o que pode aumentar ainda mais a pena definitiva.

Na hipótese de Marotti ser condenado, ele poderá pegar 60 anos de prisão pelo crime de duplo homicídio qualificado.

Regime semiaberto

Por enquanto, a despeito do crime hediondo, Marotti conseguiu progredir para o regime semiaberto desde janeiro. A irmã da vítima, Andressa, conta que ouviu boatos sobre a nova condição do feminicida e confirmou a nova situação.

"Eu estou arrasada, devastada, não dormi, já chorei demais, mas nós temos a esperança do dia 2 conseguir a justiça e sigo com a luta", desabafa.

Além de estar em regime semiaberto, desde março deste ano a Defensoria Pública deu início a um processo para que o assassino tenha direito à Visita Periódica ao Lar. Esse benefício por autorizar que Rodrigo visite a família, estude e participe de atividades sociais, como uma pessoa livre, sem vigilância.

Como foi o caso

Alessandra, além de ex-namorada, era também sócia de Marotti em uma empresa de roupas. Em 2019, durante uma discussão, que aconteceu na casa de Daniela Mousinho, amiga de Alessandra, o feminicida trancou as duas em um banheiro e colocou fogo na casa.

De acordo com depoimentos, as duas amigas estavam escondidas para tentar fugir das agressões do homem. Alessandra e Daniela chegaram a ser resgatadas com vida, mas não resistiram aos ferimentos - ambas sofreram queimaduras em mais de 80% do corpo.