DIREITO À MORADIA

Mulheres sem-teto ocupam imóveis abandonados: "Nenhuma mulher sem casa, nenhuma família nas ruas"

Frente de Luta por Moradia (FLM) enviou carta às autoridades pedindo a desapropriação de imóveis abandonados para garantir o direito à moradia a famílias sem-teto

Mulheres sem-teto ocupam imóveis abandonados em São Paulo.Créditos: Jane Tanan/FLM
Escrito en MOVIMENTOS el

Mulheres sem-teto organizadas na Frente de Luta por Moradia (FLM) realizaram na noite desta sexta-feira (1) a ocupação de imóveis abandonados em São Paulo na jornada de mobilização “nenhuma mulher sem casa”, contra os despejos.

A mobilização aconteceu na mesma semana que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que proíbe reintegração de posse até junho de 2022.

Em carta aberta divulgada junto às ocupações, as mulheres sem teto reforçaram a luta pelo fim dos despejos e por políticas públicas habitacionais. "Sabemos que no papel a legislação assegura o nosso Direito a uma moradia digna. Por isso, ocupamos este imóvel abandonado sem função social, para ser nossa casa. Pleiteamos a sua desapropriação, sem indenização ao injusto possuidor e adequá-lo para a morada de nossas famílias. No lugar de ratos, dengue, pulgas e todo tipo de pragas urbanas que trazem doenças para a região; vamos limpar e colocar gente", afirmam.

Josélia Martins, coordenadora do Movimento Sem Teto Região Norte (MSTRN), foi uma das lideranças que participou do ato e disse à Fórum que o ato é uma resposta aos despejos que tem aumentado em razão da grave crise social que o país enfrenta. "Na verdade, não é bem motivação, mas uma resposta aos desesperados de tantas famílias que aparecem batendo na porta das ocupações, desempregadas e sendo despejadas. Com a pandemia, o número de famílias que nos pede ajuda tem crescido diariamente e, sabendo que na cidade de São Paulo tem tantos imóveis abandonados, sem cumprir a função social da propriedade, nos organizamos e viemos ás ruas ocupar esses prédios", declarou Josélia.

Segundo ela, essa mobilização é também uma denúncia ao descaso do poder público. "Essas famílias já estão organizando mutirões, cozinhas comunitária, e vamos ficar porque, ENQUANTO MORAR FOR PRIVILÉGIO, OCUPAR É UM DIREITO", declarou.

"Nossas ocupações são em grande maioria formadas por mulheres negras, chefes de família. Nossa bandeira de luta é "nenhuma mulher sem casa, nenhuma família nas ruas", completou.

Enquanto no Brasil mais de 132 mil famílias estão sob o risco de despejos, o estado de São Paulo ocupa o primeiro lugar no ranking nacional, com 47 mil famílias

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) se colocou ao lado da luta das mulheres sem-teto. "Ninguém aguenta mais tanta insensibilidade e paralisia diante de milhões de famílias, na grande maioria chefiadas por mulheres. Sou um dos autores da lei que impede  despejo neste nomento da pandemia. As mulheres resolveram agir para garantir um lugar seguro para as famílias”, disse à Fórum.

Confira a Carta Aberta divulgada pelas mulheres do FLM

Excelências:

Do executivo, do legislativo, do judiciário, das forças de segurança e toda vizinhança do entorno deste imóvel abandonado, homens e mulheres de bem

Nós, mulheres sem-teto, trabalhamos duro para o sustento de nossos filhos e de nós mesmas. Trabalhamos como: cozinheira, costureira, gari, doméstica, arrumadeira, nos serviços de limpeza, nos hospitais, comércio, nas escolas, cuidadoras, motorista, metalúrgicos, têxteis. Estamos dando duro em uma infinidade de produção e serviços para manter de pé toda sociedade. Além disso, cuidamos de nossas moradias, de nossos idosos e criamos nossos filhos.

Com toda essa labuta diária, que consome nossa vida, não somos reconhecidas, não somos valorizadas. E apesar desse trabalho duro, enfrentamos dupla jornada de trabalho, desrespeito em longos trajetos no transporte público, não ganhamos o suficiente para suprir as nossas necessidades e de nossos filhos. Sofremos a violência diária dos baixos salários, insuficientes para nossas necessidades e incompatível com a importância de nosso trabalho. Executamos a mesma função e recebemos salários inferiores. Em qualquer desarranjo do sistema capitalista somos as primeiras a perder o emprego.

Somos humilhadas diariamente, pois não conseguimos nos alimentar de maneira adequada, tratar da saúde, ter lazer, nem tempo para estudar. E combinado com esses infortúnios, devido à precariedade de nossas vidas, não conseguimos assegurar um futuro diferente para nossos filhos. Percebemos claramente, que o sofrimento que nossos antepassados viveram e que nós estamos enfrentando, estão reservados para nossos filhos e netos. São gerações sucessivas condenadas violentamente pelo trabalho humilhante e salários abaixo de nossas necessidades. Somos enclausuradas em territórios e moradias inóspitas para a vida humana.

Sentimos e acompanhamos, em nosso dia a dia, que as pessoas que utilizam nosso trabalho e se apropriam das riquezas por nós produzidas, são preguiçosas e irresponsáveis. São totalmente inúteis e danosas para nossa vida e de nossos filhos. São delinquentes, criminosos de sangue frio executando políticas econômica e social que os enriquecem sem trabalho e não se importam com a miséria e a morte das trabalhadoras. São desumanos e anticristãos.

Frente a este cenário catastrófico para nossas vidas e de nossos filhos, resolvemos correr atrás de nossos DIREITOS. Sabemos que no papel a legislação assegura o nosso Direito a uma moradia digna.

Por isso, ocupamos este imóvel abandonado sem função social, para ser nossa casa. Pleiteamos a sua desapropriação, sem indenização ao injusto possuidor e adequá-lo para a morada de nossas famílias. No lugar de ratos, dengue, pulgas e todo tipo de pragas urbanas que trazem doenças para a região; vamos limpar e colocar gente.

Aceitamos o apoio de toda vizinhança. Precisamos de móveis, utensílios domésticos, material de construção, roupas e alimentos.

Paz e bem. Venha nos visitar e conhecer nossas famílias. Vamos construir um ambiente de harmonia nesta comunidade.”

São Paulo, 01 de abril de 2022