A migalha é ter que pressionar pra gente continuar sendo preso na gaiola “di maior” depois dos 18. Enquanto a mulecada continua indo, desde os 12 pra FEBEM, que hoje recebe o lençol aveludado de Fundação C.A.S.A, mas mantém a base do depósito de bichos. Por Michel Yakini, no Brasil de Fato Tá, não vamo ser inocentes em acreditar que barrar a diminuição da maioridade penal vai impedir que jovens negros de quebrada continuem engaiolados e debruçados (no atacado) pela covardia do capuz. Sem dúvida, não dá pra se calar diante de tamanho retrocesso, mas a nossa história demonstra bem como cada avanço traz consigo uma estratégia de manutenção. Sobra! Definitivamente, só nos resta reclamar da migalha. A gente se desdobra e se expõe pra evitar que a explosão não estilhace na nossa cara. O Pálido-Poder separa, discrimina, desiguala e esconde a sujeira, o chorume escorre, inflama, e quem viver no lixo que se vire pra apagar, e sair ileso das queimaduras. Enquanto o Pálido-Poder permanece intacto protegido por suas ilhas anti-inflamáveis. Avanço seria se a pauta fosse a desmilitarização da polícia. Melhor: o fim da polícia. Melhor: o fim do sistema prisional. Melhor: o fim da polícia e do sistema prisional. Porque essa dupla garante a prioridade do nosso atendimento. A migalha é ter que pressionar pra gente continuar sendo preso na gaiola “di maior” depois dos 18. Enquanto a mulecada continua indo, desde os 12 pra FEBEM, que hoje recebe o lençol aveludado de Fundação C.A.S.A, mas mantém a basedo depósito de bichos. Me diz: Você acredita que a C.A.S.A é um local socioeducativo ou um rito de passagem pro Cadeião? Quantas e quantas vezes vi pedagogo da C.A.S.A trocar ideia nesse nível comigo: “Boa tarde, professor! É o senhor que veio dar aula pra esses “lixinhos”? “Tudo psicopata, viu?” (Detalhe: a tremedeira dos braços e dos olhos me davam mais receio que as palavras proferidas). Várias mão entrei na sala de aula e topei com os muleque, muitos conterrâneos, babando na contenção da tarja preta, nem o nome falava direito, mas sentadinho na aula de literatura, preenchendo as estatísticas do atendimento “pardo-masculino”, como mostra os registros da C.A.S.A. Fora o monte de braços quebrados, porque “caí jogando bola, professor...” e as marcas da eficaz “correção socioeducativa” inspirada nos porões da Força Pública do século XIX. Aliás, situação comum na C.A.S.A é ver jovem fora da sala de aula por estar cumprindo uns dias de “tranca”, a prisão da prisão, a masmorra juvenil dos nossos dias. Essa é a C.A.S.A, no seu papel exemplar de prisão e manicômio funcional, mas e se essa bomba explodisse de vez e não só na nossa cara? Como seria? Beleza, prender só na cadeia juvenil, na outra não pode. C.A.S.A ou Cadeião? Mas matar pode, né? Atacado ou varejo? É garantido que o choro da família há de se misturar com o chorume escorrido pra ninguém perceber. Afinal, o inverno tá aí, mês de maio, e as vendas de capuz, infelizmente, só aumentam nessa época, nessa sina de chacinas. E barrando lei ou não, o rap alerta de milianos que “... quando o dia escurece, só quem é de lá sabe o que acontece...”. E isso me dá calafrios, pra não dizer pânico... Michel Yakini é escritor e produtor cultural.
Foto de capa: Cida Souza e Mario Rodrigues