O incêndio na fábrica de fantasias para o carnaval do Rio causou a morte de Rodrigo de Oliveira neste domingo (16). Ele foi ferido enquanto trabalhava na produção de trajes carnavalescos no bairro de Ramos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ele estava internado em estado grave no Hospital Estadual Getúlio Vargas.
Outro ferido segue em estado crítico no Hospital Municipal Souza Aguiar. Ao todo, 21 pessoas foram resgatadas do incêndio, das quais 12 já receberam alta e seis permanecem internadas — cinco no Getúlio Vargas e uma no Souza Aguiar.
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A fábrica foi interditada devido ao risco de desabamento, enquanto as investigações apontam que um curto-circuito causado por ligações clandestinas de energia pode ter sido a origem do incêndio.
Irregularidades na fábrica e suspeita de sobrecarga elétrica
Na primeira vistoria, realizada pela polícia no dia do incêndio, foram identificadas diversas irregularidades elétricas, conhecidas como “gatos”, que alimentavam as máquinas utilizadas pelos trabalhadores.
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A principal hipótese dos peritos é que um problema elétrico gerado por sobrecarga e instalações precárias, agravado pelo uso excessivo de energia devido ao carnaval, tenha provocado as chamas.
Além disso, auditores fiscais do Ministério do Trabalho estiveram no local para investigar possíveis violações trabalhistas. Há indícios de que funcionários dormiam dentro da fábrica, o que teria contribuído para agravar a tragédia.
Escolas de samba afetadas e impacto no carnaval
Três escolas de samba da Série Ouro, diretamente impactadas pelo incêndio, terão um desfile especial sem concorrer a uma vaga no Grupo Especial. A decisão da Liga RJ beneficia Império Serrano, Unidos de Bangu e Unidos da Ponte, que não serão rebaixadas, mas também não terão chance de ascender à elite do carnaval carioca.
As demais 13 escolas da divisão seguem sob o regulamento normal, com duas sendo rebaixadas e apenas uma garantindo vaga no Grupo Especial em 2026.
Resgate dramático e cenas de desespero
O incêndio foi registrado ao vivo pela TV Globo e expôs cenas dramáticas de resgate. Quatro trabalhadores foram vistos encurralados pelo fogo, pedindo socorro da janela dos fundos da fábrica, enquanto uma espessa nuvem de fumaça negra tomava conta do prédio.
O acesso ao local foi um dos maiores desafios para os bombeiros, já que o terreno possuía passagens estreitas, impossibilitando a aproximação de caminhões com escadas magirus. Os profissionais precisaram correr com escadas portáteis para salvar os trabalhadores, que foram resgatados minutos antes das chamas consumirem o andar onde estavam.
As investigações continuam para determinar as responsabilidades pelo incêndio, enquanto as famílias das vítimas aguardam respostas e medidas para evitar novas tragédias.
Tragédias anunciadas
A tragédia de Ramos é mais uma árvore na floresta que é o setor têxtil, um dos maiores exemplos da exploração neoliberal na economia globalizada. A busca incessante por redução de custos e maximização dos lucros levou à terceirização extrema da produção e à precarização do trabalho.
O desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh, em 2013, virou um símbolo dessa realidade. A tragédia, que matou 1.132 trabalhadores e feriu mais de 2.500, revelou as condições precárias e perigosas impostas a funcionários que fabricavam roupas para gigantes do varejo ocidental, como Zara, Gucci, Benetton e Walmart.
Apesar dos avisos sobre as falhas estruturais no prédio, os donos das fábricas forçaram os trabalhadores a comparecer ao serviço, priorizando cumprir prazos de entrega para manter os contratos com multinacionais.
O modelo neoliberal permitiu que grandes marcas se isentassem de responsabilidade, jogando a culpa nos pequenos proprietários locais, enquanto continuavam lucrando com salários miseráveis, jornadas abusivas e total falta de segurança nas fábricas.
Essa lógica, baseada na terceirização e na ausência de fiscalização eficaz, reproduz tragédias constantemente.
Além do incêndio em Ramos e da tragédia do Rana Plaza, outras catástrofes recentes na indústria têxtil incluem Incêndio na fábrica Tazreen Fashion, Bangladesh (2012), 124 mortos; desabamento de fábrica em Dhaka, Bangladesh (2005), 79 mortos; incêndio na Ali Enterprises, Paquistão (2012), com 289 mortos.
Fantasias valem vidas?
Sob o neoliberalismo, os trabalhadores da indústria têxtil são tratados como peças descartáveis da cadeia de suprimentos global, expostos a perigos extremos sem amparo estatal ou direito à organização sindical.
O modelo de produção just-in-time, no qual o espetáculo não pode parar, exige entregas rápidas a qualquer custo. Todos os anos o Carnaval tem data marcada, mas as condições de trabalho das pessoas que costuram as fantasias não entram no planejamento.
Às vésperas do prazo, acionam o modo “Deus nos acuda” e despejam freelancers para dar conta da demanda. Os trabalhadores não estão no planejamento porque a prioridade é a margem de lucro, e não as vidas humanas.
O resultado são tragédias evitáveis, como a de Rodrigo de Oliveira, que perdeu a vida costurando fantasias. O chão de fábrica da moda é um recorte do jeitinho neoliberal de promover a desigualdade, onde trabalhadores arriscam e perdem suas vidas para que o espetáculo continue.