Abu Mohammad al-Julani, o suposto nome do líder do grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS) que agora lidera a Síria, passou por uma radical transformação na aparência ao longo dos anos.
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Inicialmente, ele era frequentemente visto com trajes tradicionais jihadistas, incluindo turbante e vestimentas islâmicas.
Mas em um esforço para projetar uma imagem mais moderada e política, al-Julani começou a adotar roupas civis e militares.
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Em aparições públicas recentes, ele tem sido visto usando uniformes militares ou trajes civis ocidentais, como ternos, sem o tradicional turbante.
Essa mudança de estilo parece ser uma tentativa de distanciar-se de sua imagem jihadista anterior e apresentar-se como um líder mais pragmático e aceitável tanto para a população local quanto para a comunidade internacional.
Trajes do HTS
O Hayat Tahrir al-Sham (HTS), um grupo jihadista ativo na Síria liderado por al-Julani, pode ser traduzido como Organização para a Libertação do Levante Sírio.
O HTS adota vestimentas que misturam elementos tradicionais islâmicos com equipamentos práticos para combate.
A escolha das roupas tem como objetivo combinar a identidade religiosa e ideológica do grupo com a funcionalidade militar necessária para o ambiente em que atuam.
Jalabiya ou Thobe
Túnicas longas de cores neutras, como branco, cinza, bege ou preto. São usadas em contextos cerimoniais, religiosos ou como sinal de adesão à cultura islâmica tradicional.
Shemagh ou Keffiyeh (Lenço de cabeça)
Lenços quadriculados, geralmente em vermelho e branco ou preto e branco, frequentemente enrolados ao redor da cabeça ou pescoço. Além de proteção contra poeira e sol, simboliza identidade árabe e resistência.
Barba longa
Barba cheia, um dos símbolos de observância religiosa. Reflete a adesão a normas salafistas e uma aparência "sunnah" (prática tradicional do Profeta Maomé).
Uniformes camuflados ou militares
Roupas militares padrão, muitas vezes camufladas, com tons de verde, marrom ou cinza. Comuns durante operações de combate, indicando a natureza militarizada do grupo.
Colete tático
Usado para carregar munições, armas leves e outros equipamentos. Representa prontidão militar e é um símbolo visual da guerrilha.
Calçados práticos
Botas de combate ou, em áreas mais informais, sandálias robustas. Adaptados ao terreno montanhoso e árido da Síria.
Cores e estilo
As roupas tendem a evitar cores chamativas, preferindo tons neutros ou escuros para dificultar a detecção no campo de batalha. Em vídeos de propaganda ou aparições públicas, os líderes podem adotar trajes mais tradicionais (jalabiya, turbantes) para enfatizar sua autoridade religiosa e ideológica.
Símbolos e insígnias
Alguns membros podem usar braçadeiras ou patches representando a bandeira ou logotipo do HTS. Muitos membros são fotografados ou filmados com armas, que fazem parte do "uniforme" simbólico.
Vestimentas de líderes
Os líderes do HTS, como Abu Mohammad al-Julani, frequentemente adotam um visual mais sofisticado e calculado para passar uma imagem de autoridade política e legitimidade, especialmente em encontros com delegações internacionais ou em discursos. Em situações formais, podem usar jalabiyas refinadas, enquanto no campo, aderem ao estilo militar.
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Essas vestimentas refletem uma tentativa do HTS de equilibrar o pragmatismo militar com a manutenção de sua identidade cultural e religiosa, criando um visual que combina funcionalidade e propaganda visual.
Outros grupos jihadistas
O traje tradicional associado a jihadistas varia com base em contexto geográfico, cultural e ideológico. No entanto, certos elementos são comumente vistos e simbolicamente associados a grupos jihadistas, especialmente em regiões do Oriente Médio, Ásia Central e Norte da África.
- Al-Qaeda e Estado Islâmico (ISIS): Frequentemente utilizam a jalabiya e o shemagh, associados a mensagens visuais de austeridade e adesão à tradição.
- Talibã (Afeganistão): O uso do turbante - um tecido enrolado ao redor da cabeça, tradicional em várias culturas islâmicas, que simboliza dignidade e aderência à tradição profética em muitos contextos - mais comum, com cores que podem representar afiliação a clãs ou funções específicas.
- Grupos no Norte da África: Podem misturar trajes locais, como o djellaba marroquino, com elementos de combate.
A escolha do traje busca transmitir mensagens de identidade, autoridade religiosa e resistência, ao mesmo tempo em que se adapta às condições ambientais e culturais.
O poder da roupa na política
A escolha de vestimentas por líderes políticos transcende a estética e funciona como uma ferramenta poderosa de comunicação. Mais do que um mero acessório, a roupa influencia percepções, reforça ideologias e transmite mensagens sutis sobre identidade e posicionamento.
Para líderes políticos, o vestuário é uma forma estratégica de se conectar com diferentes públicos. Cores, estilos e cortes não são meramente escolhas pessoais, mas carregam significados profundos. Trajes tradicionais podem sinalizar raízes culturais ou alinhamentos políticos, enquanto roupas modernas ou casuais buscam aproximar o político do cidadão comum.
Uniformes, por sua vez, reforçam autoridade e hierarquia. Comumente associados a instituições militares ou oficiais, seu uso transmite disciplina e pertencimento organizacional. No entanto, a padronização promovida pelos uniformes também pode apagar traços individuais, simbolizando homogeneização e submissão a uma estrutura maior.
Moda como expressão política
A moda historicamente atuou como um meio de expressão política e resistência. Movimentos como o punk e o hippie adotaram estilos marcantes para desafiar normas sociais e protestar contra estruturas de poder estabelecidas. O vestuário foi usado como um grito visual de oposição e identidade coletiva.
Além disso, peças específicas de roupas marcaram lutas sociais. No século 19, mulheres que adotaram roupas tradicionalmente masculinas desafiavam os padrões de gênero e reivindicavam igualdade intelectual e política. Essas escolhas estilísticas transcenderam o armário, tornando-se símbolos de emancipação.
De líderes políticos a movimentos sociais, o uso da roupa sempre esteve interligado à narrativa de mudança e resistência. Seja para construir uma imagem pública, reforçar ideologias ou desafiar normas, o vestuário permanece um instrumento essencial na arena política e nos campos de batalha sociais.
Camaleões da política
A transformação na aparência de líderes insurgentes ao ingressarem na política institucional é uma prática recorrente. Essa estratégia busca transmitir mudanças de postura e objetivos e projetar uma imagem mais moderada e aceitável para a sociedade e a comunidade internacional.
Abu Mohammad al-Julani não está sozinho nessa trajetória. A história registra outras figuras que, ao adotar um novo guarda-roupa, comunicaram transições significativas em suas trajetórias políticas, embora com ideologias e políticas bem diferentes das do líder sírio.
Nelson Mandela
À frente do braço armado do Congresso Nacional Africano (ANC), Nelson Mandela era frequentemente visto com trajes militares ou roupas simples, condizentes com sua luta contra o apartheid. Após sua libertação e ao assumir a presidência da África do Sul, adotou ternos formais, simbolizando sua transição de combatente a estadista, em um esforço para unir um país dividido.
Yasser Arafat
Conhecido por seu uniforme militar e o keffiyeh, Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), tornou-se um símbolo da resistência palestina. No entanto, em negociações diplomáticas e eventos oficiais, Arafat começou a usar ternos formais, buscando transmitir um papel político mais convencional e reforçar sua legitimidade em fóruns internacionais.
Gerry Adams
Como figura central do Sinn Féin, partido associado ao Exército Republicano Irlandês (IRA, da sigla em inglês), Gerry Adams frequentemente aparecia em roupas casuais ou militares. Ao se dedicar à política formal, adotou ternos, sinalizando um compromisso com processos pacíficos e com a institucionalização de sua luta.
Fidel Castro
Durante a Revolução Cubana, Fidel Castro consolidou sua imagem de líder revolucionário com a farda militar e a icônica boina. Mesmo após assumir o governo, manteve a farda como marca registrada, mas, em ocasiões diplomáticas, optava por trajes civis, ajustando sua imagem às exigências do cenário internacional.
Dilma Rousseff
Integrante da resistência durante a ditadura militar brasileira, Dilma Rousseff usava roupas práticas e simples, adequadas à militância clandestina. Como ministra e, posteriormente, presidenta — a primeira mulher a ocupar o cargo no Brasil —, adotou trajes formais e elegantes, refletindo sua posição institucional e reforçando sua autoridade.
Essas mudanças de vestimenta não apenas representam adaptações às exigências de novos papéis políticos, mas também configuram estratégias de comunicação sofisticadas.
Trajes formais, casuais ou tradicionais carregam mensagens que alinham a imagem pessoal às expectativas da esfera política institucional, ajudando a moldar narrativas que conciliam passado e presente. A transição visual é, portanto, uma linguagem silenciosa, mas poderosa, de poder e transformação.
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