MODA E POLÍTICA

Coletes cafonas dos 'faria limers' e laranjas de políticos picaretas têm tudo a ver; entenda

Como a vestimenta adotada por operadores do mercado financeiro e por gestores públicos, em especial de direita e extrema direita, funciona como ferramenta de comunicação

Créditos: Fotomontagem (Redes sociais) - Eduardo Leite, Cláudio Castro, Arthurito da Faria Lima, Sebastião Melo e Ricardo Nunes
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O uso de coletes, tanto pelos "faria limers" no mercado financeiro quanto pelos políticos picaretas em situações de emergência, vai além da simples vestimenta. Em ambos os casos, a peça funciona como um símbolo de poder, ação e pertencimento a um grupo ou função específica.

Os "faria limers" usam coletes esportivos para representar eficiência, modernidade e flexibilidade em um ambiente de negócios dinâmico. Já os gestores públicos adotam coletes laranja para comunicar prontidão, liderança e proximidade com a população em momentos de crise.

No final das contas, a opção por essas peças pode ser traduzida simplesmente como uma forma de desviar a atenção para ganância e descolamento da realidade dos "faria limers" e a incompetência e o descaso com a população pelos políticos.

Não é estilo, é uniforme

Em conversa com a Fórum, o jornalista especializado em moda e consultor de estilo masculino André do Val explica o que diferencia a adoção de coletes por "faria limers" e por políticos.

Reprodução Instagram - André do Val, jornalista de moda e consultor de estilo masculino

No caso dos profissionais do mercado financeiro, essa tendência começou como uma alternativa aos ternos em um movimento de tornar mais casual o guarda-roupas masculino que começou antes da quarentena e prática home-office disseminados durante a pandemia da covid-19.

"É realmente mais prático, o colete aquece ao mesmo tempo que permite movimento dos braços. Mas acabou virando um uniforme. Não é usado como elemento de diferenciação, de estilo pessoal, é um código de padronização de estilo coletivo, para se adequar ao conjunto", observa.

No caso dos coletes que remetem à Defesa Civil adotados por políticos, Val explica que essa peça, ao contrário da adotada pelo "faria limers", serve para se destacar e sinalizar uma situação de emergência.

"É um uniforme também, mas um uniforme de identificação, não de padronização...", diferencia o consultor. 

Tanto os profissionais do mercado financeiro na Avenida Faria Lima da capital paulista, que usam coletes em estilo esportivo, quanto gestores públicos que optam pela peça na cor laranja (associadas a equipes de Defesa Civil), estão, de certa forma, vestindo essas roupas para transmitir mensagens específicas que não necessariamente têm ecos com a realidade.

Uniforme informal do mercado financeiro

O tradicional uniforme do mercado financeiro passou por uma revolução silenciosa. Os "faria limers", profissionais que atuam na Avenida Faria Lima, em São Paulo, abandonaram o traje clássico dos executivos para adotar um look mais prático e moderno. 

O colete esportivo, feito de materiais como náilon ou poliéster, tornou-se a peça-chave dessa mudança. Mais do que uma escolha estética, ele reflete a necessidade de mobilidade e adaptação rápida em um ambiente financeiro dinâmico e volátil.

Combinado com calças de sarja e tênis de marcas caras, o colete equilibra o tradicional com o descontraído. 

Essa vestimenta sinaliza uma conexão com o universo das fintechs e startups para transmitir a mensagem de que esses profissionais estão prontos para ação, sem abrir mão de um estilo sofisticado e alinhado com as tendências globais. E totalmente separados da população em geral.

Embora o colete represente uma postura moderna, ele também reforça o pertencimento a uma elite econômica, simbolizando sucesso financeiro e um estilo de vida acelerado.

Arthurito da Faria Lima

Arthurito da Faria Lima é uma figura fictícia e satírica, popular nas redes sociais, que representa uma caricatura dos jovens profissionais que trabalham no mercado financeiro da Avenida Faria Lima, em São Paulo.

O personagem é frequentemente associado ao estereótipo do "faria limer" e é descrito como um jovem executivo de classe alta, que ostenta seu sucesso, vida luxuosa e comportamento ligado ao mundo das fintechs, startups e investimentos.

Arthurito é um símbolo exagerado de certos aspectos da cultura corporativa desse ambiente: ambicioso, bem-sucedido, focado em resultados financeiros e conectado às tendências globais, mas, ao mesmo tempo, superficial e muitas vezes descolado da realidade econômica da maioria da população brasileira.

O personagem é usado para criticar de forma bem-humorada a ostentação e o estilo de vida associado a esses executivos, especialmente sua aparente desconexão com as desigualdades sociais e as dificuldades do país.

Uniforme de crise dos políticos

Reprodução X - Meme tira sarro de uso de coletes laranjas por políticos em momentos de crise

Em momentos de crise, como desastres naturais ou grandes emergências, o colete laranja tem sido adotado por políticos como um uniforme de gestão, em especial pelos representantes da direita e da extrema direita, embora haja casos de uso por representante de esquerda também. 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), durante o apagão mais recente da cidade, seguiu essa tendência.

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O mesmo foi observado no governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e no prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), durante a tragédia climática que atingiu o estado gaúcho em maio deste ano. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), também aderiu ao colete laranja nas intensas chuvas de janeiro.

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O colete laranja, visualmente associado à emergência, busca comunicar prontidão e ação direta. Políticos o utilizam para demonstrar que estão "no campo", liderando as operações de forma prática, lado a lado com os trabalhadores da Defesa Civil. 

No entanto, o colete também serve mais como uma fachada do que como sinal de eficiência, como apontam as críticas à ineficácia de Nunes durante o apagão de São Paulo.

Do formalismo à casualidade no mercado financeiro

Reprodução El Hombre - Vestes com cartola de homens ricos do mercado financeiro no final do século 19

O mercado financeiro, historicamente conhecido por seu rígido código de vestimenta, passou por uma significativa transformação desde o final do século 19 até os dias atuais, que reflete as mudanças culturais e o surgimento de novas dinâmicas de trabalho.

No século 19 e início do século 20, o traje formal era indispensável para os homens das classes altas, especialmente para aqueles que atuavam no setor financeiro. A cartola, por exemplo, era um item essencial para demonstrar poder, riqueza e status.

Nos grandes centros financeiros, como a City de Londres e Wall Street, em Nova York, os homens de negócios e banqueiros eram vistos com ternos completos, casacas ou fraques, sempre acompanhados de suas cartolas.

A cartola, com seu formato alto e cilíndrico, simbolizava sofisticação e autoridade e reforçava a ideia de que o mercado financeiro era um espaço reservado para a elite econômica. Assim como o terno escuro e a gravata, a cartola ajudava a distinguir esses profissionais dos trabalhadores comuns, garantindo um visual imponente e respeitável.

Com o passar das décadas, o formalismo começou a dar espaço a uma maior flexibilidade no estilo. A partir dos anos 2000, impulsionada pela cultura descontraída do Vale do Silício, a moda corporativa começou a se transformar. 

O ambiente mais descontraído chegou também ao setor financeiro e promoveu um visual mais prático e menos rígido, especialmente nos segmentos ligados à tecnologia e inovação, como startups e fintechs.

No Brasil, os chamados "faria limers" adotaram essa tendência global. Coletes esportivos, calças de sarja e tênis de marca tornaram-se elementos-chave do guarda-roupa desses executivos. Esse estilo reflete a flexibilidade e a inovação que são marcas do ambiente de trabalho moderno, equilibrando o casual e o sofisticado.

Embora o terno ainda prevaleça em mercados mais tradicionais, como o de Londres, a Faria Lima é um exemplo de como o setor financeiro brasileiro abraçou a informalidade sem abrir mão da seriedade, alinhando-se à cultura de "trabalho duro e diversão" que define a nova geração de profissionais.

Apesar da mudança dos trajes ao longo das décadas, que deixou de lado as cartolas e adotou os coletes esportivos, a ostentação do estilo dos profissionais do mercado financeiro não mudou.

Ontem e hoje, os trajes dos "faria limers"contrastam fortemente com a realidade da maioria da população brasileira. Enquanto esses executivos adotam um visual que transmite sucesso, inovação e modernidade, grande parte dos brasileiros enfrenta uma rotina de insegurança econômica, precarização do trabalho e dificuldades no acesso a serviços básicos como saúde e educação. 

O uso de roupas de luxo, mesmo em um estilo mais casual, pelos "faria limers" reflete uma desconexão com as desigualdades estruturais do país, onde o símbolo de flexibilidade e status no mercado financeiro está longe das preocupações diárias de milhões de trabalhadores que lutam para sobreviver com empregos informais ou salários baixos. 

Essa disparidade entre o estilo de vida e a vestimenta dos executivos e a realidade da maioria dos brasileiros aponta para uma elitização crescente, que pode alienar ainda mais a população das discussões sobre os rumos da economia nacional.

Roupa como ferramenta política durante crises

Ao longo da história, líderes políticos têm utilizado suas vestimentas como uma poderosa ferramenta de comunicação, especialmente em tempos de crise. A escolha do que vestir em situações de emergência vai além da estética: ela transmite mensagens de resiliência, solidariedade e proximidade com a população.

Wikipedia - Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial

Durante a Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill consolidou sua imagem de autoridade e liderança com seu característico terno com colete e chapéu-coco. Em momentos de maior informalidade, Churchill adotava um macacão militar, como símbolo de sua conexão com os soldados na linha de frente para reforçar sua imagem de líder em tempos de adversidade.

Wikipedia - Rudy Giuliani em Nova York após os ataques contra as Torres Gêmeas.

Nos EUA, após os ataques de 11 de setembro de 2001, o então prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, foi visto caminhando pelos escombros das Torres Gêmeas vestindo um uniforme dos bombeiros da cidade. O visual despojado, distante do formalismo habitual, representava a proximidade com os nova-iorquinos em meio à tragédia, destacando-se como um gesto de empatia.

Nos Estados Unidos, após o furacão Sandy em 2012, a então primeira-dama Michelle Obama optou por um casaco vermelho vibrante ao participar de eventos de assistência às vítimas. A escolha da cor foi vista como um símbolo de esperança e solidariedade em meio à devastação causada pelo desastre.

Na Europa, a chanceler alemã Angela Merkel ficou conhecida pela simplicidade de seus blazers de cor sólida, que marcaram sua imagem durante a crise da dívida na Zona do Euro. Cores como azul, verde e vermelho, combinadas com a consistência de sua vestimenta, refletiam sua abordagem firme e estável, transmitindo confiança em tempos de incerteza econômica.

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Durante a pandemia de Covid-19, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, destacou-se pela escolha de suéteres casuais durante suas aparições públicas e transmissões ao vivo de casa. Essa informalidade ajudou a criar uma conexão mais próxima e pessoal com os neozelandeses que gerou um senso de unidade em um momento de isolamento global.

Mais recentemente, durante a invasão russa à Ucrânia, o presidente Volodymyr Zelensky abandonou os trajes formais e adotou o estilo militar com camisetas verdes e roupas simples. Essa escolha visual passou a imagem de um líder pronto para a batalha.

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Esses exemplos mostram que, em momentos de crise, a escolha das roupas vai muito além do estilo. Para os políticos, as vestimentas se tornam uma ferramenta poderosa de comunicação, capaz de transmitir liderança, empatia e proximidade com o público. E, em muitos casos, disfarçar a realidade.

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