LIBERDADE DE IMPRENSA

Alvos de investigação, jornalistas denunciam perseguição do governador de Mato Grosso

Os jornalistas Enock Cavalcanti e Alexandre Apra foram alvos de operação de busca e apreensão da Polícia Civil em investigação que apura suposto esquema de fake news; Entidades denunciam abuso e irregularidades

Enock Cavalcanti em vídeo gravado diante da delegacia.Créditos: Reprodução /Redes Sociais
Escrito en MÍDIA el

A Polícia Civil do Mato Grosso cumpriu três mandados de busca e apreensão contra jornalistas no âmbito de uma investigação que apura suposto esquema de divulgação de fake news com o objetivo de prejudicar Mauro Mendes (União Brasil), o governador do Estado. Para Enock Cavalcanti, um dos alvos da operação, a ação policial expressa uma verdadeira perseguição aos profissionais e à liberdade de imprensa.

Além dele, o jornalista Alexandre Apra – que no ano passado gravou imagens de um suposto detetive particular que o seguia – também foi confirmado como um dos alvos da operação. Outro possível alvo, conforme relatado pela imprensa mato-grossense, seria o jornalista Marco Pinheiro, o Popó, que também é irmão de Emanuel Pinheiro (MDB), o prefeito de Cuiabá.

Em vídeo nas redes sociais, Enock descreveu a ação da polícia na sua residência. A chamada Operação Fake News já está em sua terceira fase e é realizada pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos. Celulares e computadores foram apreendidos com os jornalistas.

“Não eram nem 6 da manhã, e fui acordado no meu apartamento por seis agentes da Polícia Civil, que vieram cumprir o mandado determinado pelo juiz João Bosco. Os policiais tiveram uma postura civilizada, e até elogio um detalhe da operação: um dos policiais tinha uma câmera na sua farda, registrando toda a operação. E uma das coisas que tenho defendido no meu blog é que os policiais do Mato Grosso usem câmeras, ao contrário do que o governador tem pregado”, relatou Enock Cavalcanti.

O depoimento foi gravado bem em frente à delegacia e o jornalista afirmava que naquele momento ainda não sabia quem era o denunciante. Sem acesso ao processo, ele comparou sua situação a de Josef K., personagem de Franz Kafka na obra “O Processo”. A história trata justamente de um homem denunciado na Justiça do seu país, a República Tcheca, que nunca soube a razão ou a raiz da denúncia.

A investigação acusa os jornalistas de veicularem informações falsas com o objetivo de prejudicar a imagem do governador. Entre os crimes apurados estão “calúnia majorada”, “perseguição majorada” e “associação criminosa”. De acordo com apuração do portal Metrópoles, um dos investigados – que teve o nome mantido sob sigilo – já foi condenado por crime contra a honra de um senador. Para Enock, tudo indica que o denunciante é o próprio Mauro Mendes.

“Segundo já se especulou aqui mas não é oficial, a iniciativa da denúncia seria do governador Mauro Mendes. Ou seja, a se confirmar, será mais uma denúncia do governador Mauro Mendes contra jornalistas de Mato Grosso. Mais uma ação truculenta desse governo contra a imprensa e os profissionais que exercem o seu direito à crítica. Então, numa sociedade civilizada, um governador como o Mauro Mendes não pode ser criticado? Eu acho que pode, e a legislação mostra que isso é possível”, questionou.

Enock alega não ser o único a criticar o governador Mauro Mendes pela perseguição a jornalistas. Diz que outros colegas também o fazem e cita algumas associações profissionais como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso (SindJor-MT) como algumas das que já fizeram críticas públicas ao mandatário.

“Trata-se do exercício da liberdade de imprensa e se o Mauro Mendes se utiliza da estrutura policial para perseguir jornalistas, tenho certeza que a mobilização da sociedade contra essa atitude há de ser forte”, comentou.

Em nota divulgada logo após a operação que atingiu Enock Cavalcanti e Alexandre Apra, o SindJor-MT repudiou a operação e a perseguição promovida pelo governador. O sindicato elaborou uma nota com um caráter de reportagem. Entrevistou André Luiz de Carvalho Matheus, advogado e especialista em direito e liberdade de imprensa.Para ela, os crimes apurados justificam ações de busca e apreensão. O jurista avalia que há uma estratégia de imputar o crime de organização criminosa à atividade jornalística, com o fim de amparar a existência do inquérito e das operações abusivas.

“Nos últimos anos a gente tem visto uma crescente de perseguições a jornalistas e comunicadores no país. Pelo que me foi relatado e tudo que eu levantei até agora, foram imputadas calúnia majorada, perseguição e Organização Criminosa para possibilitar abertura de inquérito e ações de busca e apreensão contra jornalistas. Ter um inquérito em relação a esses crimes é absurdo, e ao que parece o Estado de Mato Grosso tem usando esse instituto (organização criminosa) com essa finalidade. Já tem se tornado comum a abertura de inquérito contra jornalistas e comunicadores em Mato Grosso e isso tem chamado atenção de organizações nacionais e internacionais, que estão notando a existência de uma perseguição contra a liberdade de imprensa e expressão no Mato Grosso”, disse o advogado.

De acordo com a Fenaj e com o SindJor-MT, que pediram o afastamento do governador à Procuradoria-Geral da República em novembro passado, pelo menos 15 jornalistas já foram processados por publicarem reportagens sobre o governo, o governador e seus familiares.

Em nota enviada à imprensa, o governo do Mato Grosso se defendeu: “Esse argumento é totalmente descabido e demonstra total desconhecimento dos fatos que acontecem em Mato Grosso. Essa operação de hoje, realizada pela Polícia Civil, trata-se de um desdobramento de uma operação policial, que foi desencadeada em setembro de 2022, em pleno período eleitoral, ou seja, sem nenhuma ligação com esses fatos. Eles são investigados por participarem de um esquema que espalhava fake News. Além disso, essa fase não tem qualquer ligação com fatos ou pessoas do governo. O Governo do Estado reforça que em Mato Grosso as instituições públicas, como é o caso da Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário, trabalham de forma independente e com autonomia”.

Leia a nota do SindJor-MT na íntegra

O SINDJOR/MT repudia qualquer tipo de perseguição a jornalistas, em especial as que vêm sendo recorrentes no bojo da operação Fake News deflagrada pela Polícia Civil em Cuiabá, inquérito que tramita perante a Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI). Hoje, na 3.º fase da operação, foram alvos de busca e apreensão de celulares e computadores os jornalistas Enock Cavalcante e Alexandre Aprá.

O SINDJOR/MT conversou com o especialista em direito das prerrogativas e liberdade de imprensa André Luiz de Carvalho Matheus. Advogado no Flora, Matheus & Mangabeira Sociedade de Advogados.

Para André, os crimes apurados em si não ensejariam ações de busca e apreensão, entretanto, tem havido uma estratégia de imputar o crime de organização criminosa à atividade jornalística, com o fim de amparar a existência de um inquérito e a possibilidade de ações como busca e apreensão.

“Nos últimos anos a gente tem visto uma crescente de perseguições a jornalistas e comunicadores no país. Pelo que me foi relatado e tudo que eu levantei até agora, foram imputadas calúnia majorada, perseguição e Organização Criminosa para possibilitar abertura de inquérito e ações de busca e apreensão contra jornalistas. Ter um inquérito em relação a esses crimes é absurdo, e ao que parece o Estado de Mato Grosso tem usando esse instituto ( Organização Criminosa) com essa finalidade. Já tem se tornado comum a abertura de inquérito contra jornalistas e comunicadores em Mato Grosso e isso tem chamado atenção de organizações nacionais e internacionais, que estão notando a existência de uma perseguição contra a liberdade de imprensa e expressão no Mato Grosso, concluiu.

Cuiabá, 06/02/2024.

Itamar Perenha

Presidente SINDJOR/MT

Rogério Florentino

Vice- Presidente SINDJOR/MT