Um artigo publicado no periódico Acta Palaeontologica Polonica narra a descoberta de um fóssil do tamanho de um dedo no Deserto de Gobi, na Mongólia, cujas características apontam para uma nova espécie de mamífero que teria existido há cerca de 70 milhões de anos, no período Cretáceo, quando os dinossauros ainda dominavam a Terra.
Os pesquisadores afirmam que seu esqueleto é diferente de tudo que se conhecia até então, o que motivou a criação de um novo nome científico (um táxon) para catalogá-lo.
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O fóssil foi encontrado em 2019, durante uma expedição realizada por cientistas da Academia de Ciências da Mongólia e da Universidade de Ciências de Okayama, do Japão. Ele estava enterrado na Formação Bayanshiree, uma área rochosa conhecida por preservar antigos leitos de rios no sul e leste do Deserto de Gobi em que há inúmeros registros fósseis de animais e plantas.
O que possibilita esse acúmulo de material fóssil na região de Bayanshiree é a existência do chamado meandro fluvial, uma área composta por rios sinuosos que depositam sedimentos em curvas suaves. Da camada onde estava o novo fóssil encontrado, os pesquisadores também já extraíram restos pré-históricos de peixes, sapos, lagartos, tartarugas, crocodilos e dinossauros — a exemplo do Duonychus tsogtbaatari, espécie de dinossauro terópode descoberta em 2012 na região e descrita pela primeira vez em 2025.
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O esqueleto do novo fóssil de mamífero foi encontrado bem próximo à superfície, com ossos praticamente intactos. E, apesar de ter sido levemente transportado pela água antes de ser enterrado, a falta de desgaste ósseo indica que não foi arrastado por longas distâncias.
Esse pequeno mamífero era um euteriano, ou seja, fazia parte do grupo dos mamíferos placentários, de que também são parte os humanos, os cães e os elefantes — embora, no caso dele, remeta a um estágio ainda muito primitivo do grupo.
Ele pertencia, além disso, a um grupo extinto, o dos chamados zhelestídeos, distribuídos principalmente pela Ásia e pela Europa, e que, segundo os cientistas, tinham hábitos herbívoros (ou seja, comiam plantas) e viviam em ambientes úmidos.
Apesar de ser um adulto, o fóssil da nova espécie, batizada de Ravjaa ishiii, tinha uma mandíbula muito pequena, o que o coloca entre os menores zhelestídeos já encontrados. Ele só é comparável, em tamanho, a duas espécies já conhecidas: Sheikhdzheilia rezvyii e Aspanlestes aptap.
Essas duas espécies também viveram na Ásia Central no mesmo período e ajudam os cientistas a entender como os mamíferos estavam evoluindo em diferentes regiões. Ambas pertencem ao grupo dos zhelestídeos e têm características semelhantes, mas o Ravjaa ishiii se destaca por apresentar um conjunto muito específico de características morfológicas.
O que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a mandíbula do animal. Diferente dos outros zhelestídeos, ele tem uma crista coronoide muito discreta, isto é, a parte da mandíbula que se projeta para cima e serve de apoio para os músculos da mastigação é pouco pronunciada.
Além disso, a parte de cima de sua arcada dentária (chamada de margem alveolar dorsal) é côncava, com uma leve curva para dentro, e ele não tem o forame mandibular lateral, uma pequena abertura comum em outros mamíferos por onde passam nervos e vasos sanguíneos.
Seu segundo molar é muito alto, atingindo quase 70% da altura da parte inferior da mandíbula — algo bem incomum entre mamíferos desse tipo.
Essas diferenças anatômicas foram suficientes para a criação de um novo táxon.
O nome com que a espécie foi batizada, Ravjaa ishiii, foi escolhido para homenagear Dulduityn Danzanravjaa, um famoso monge budista do século XIX, respeitado por sua sabedoria e influência cultural na região de Dornogobi, onde o fóssil foi encontrado; e o paleontólogo japonês Shigeru Ishii, um dos líderes da expedição que levou à sua descoberta.
Esta é a primeira vez que um zhelestídeo é encontrado na Formação Bayanshiree, afirmam os autores, o que mostra que os mamíferos do Cretáceo na Mongólia eram mais diversos do que se pensava.
Os zhelestídeos podem estar ligados, ademais, a um momento importante da evolução: a Revolução Terrestre do Cretáceo (KTR), quando as plantas com flores se espalharam e mudaram radicalmente os ecossistemas — o que pode ter influenciado também os hábitos alimentares dos mamíferos e sua formação mandibular.
São necessárias, no entanto, mais pesquisas geológicas e análises do novo fóssil a fim de confirmar essas hipóteses, dizem os pesquisadores.