Como o Saara ficou verde há 14 mil anos — e como voltou a ser um deserto

Há aproximadamente seis mil anos, os ciclos orbitais da Terra começaram a mudar de direção, e o Saara verde se tornou o maior e mais quente deserto do mundo

Deserto do Saara - pintura de Jan Ciaglinski.Créditos: National Museum Kraków
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Entre 14 mil e 6 mil anos atrás, durante um período em que a Terra passava pelos chamados ciclos de Milankovitch — que determinavam variações periódicas na inclinação do eixo terrestre e na excentricidade da órbita do planeta —, a distribuição da radiação solar nos trópicos terrestres favorecia o fortalecimento das chuvas de monções vindas do Oceano Atlântico para o norte da África.

A umidade que marcou o período conhecido como Máximo do Holoceno Úmido, capítulo que durou cerca de cinco mil anos na história da Terra (sustentado pelas alterações naturais da órbita terrestre que intensificavam as estações chuvosas), tornou o Saara uma região "verde", coberta por vegetação densa que incluía árvores, gramíneas e até lagos permanentes.

Durante esse período, diversas espécies animais prosperaram ali, e populações humanas que habitavam a região deixaram seus registros, como cenas capturadas em arte rupestre que retratam hábitos de caça, criação de gado e a vida cotidiana dos saarianos antigos.

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A desertificação do Saara

Abaixo, imagens de rochas massivas erguidas sobre dunas de areia sugerem que a região do Saara já foi úmida durante a última Era Glacial da Terra. Nas rochas, arqueólogos encontraram um grande número de pinturas rupestres e traços das civilizações mais antigas do mundo, datadas de até 12 mil anos atrás e formadas por caçadores-coletores que se especializaram na domesticação de búfalos e cabras. Há cerca de 5 mil anos, as condições que levaram ao declínio das civilizações e à aridificação do Saara se iniciaram.

Região do Deserto do Saara capturada por imagens de satélite da NASA. 

Há aproximadamente seis mil anos, os ciclos orbitais começaram a mudar de direção. A Terra passou a receber menos radiação solar nas suas latitudes tropicais e, como consequência, as chuvas de monções no continente africano se enfraqueceram. A água, conforme se tornava mais rara, também começava a desertificar a outrora rica vegetação do Saara, que mais refletia do que absorvia a luz solar.

Com a diminuição gradual das chuvas, lagos começaram a secar, a vegetação morreu e iniciou-se o processo de ressecamento da região. A perda de cobertura vegetal reduziu a evapotranspiração e, por consequência, o aporte de umidade à atmosfera — acelerando o colapso ecológico do Saara em um efeito de "retroalimentação".

Há cerca de 20 milhões de anos, além disso, um levantamento tectônico alterou profundamente a circulação atmosférica da região, bloqueando parte da umidade que vinha do Oceano Índico em direção ao norte da África.

Esse evento geológico marcou a elevação da Península Arábica — situada sobre a Placa Arábica, uma placa tectônica independente que se separou da Placa Africana e deu origem ao Mar Vermelho —, e foi também responsável pela formação de uma espécie de "ponte terrestre" no planalto etíope, que conectava fisicamente os continentes africano e asiático.

O soerguimento tectônico e a elevação de formações geológicas motivada por ele formaram, então, cadeias montanhosas que agiam como barreiras geológicas a interferir na circulação atmosférica da região.

O fenômeno dificultava a entrada de ventos úmidos vindos do Oceano Índico em direção ao norte da África, contribuindo para a progressiva aridificação do Saara.

Esse conjunto de fatores — as mudanças orbitais, a perda de vegetação verde e as profundas alterações na circulação atmosférica advindas das novas barreiras topográficas — transformou o Saara no maior e mais quente deserto do mundo, e motivou as populações humanas da região a deixá-lo em sucessivos movimentos migratórios, tornados possíveis pelos corredores de terra formados pela elevação mais antiga da Placa Arábica.

 Muitos desses movimentos resultaram no povoamento de áreas mais férteis e de clima mais estável, como o vale do rio Nilo, onde surgiram algumas das primeiras civilizações complexas da humanidade.

 

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