Apesar de as condenações por desmatamento ilegal na Amazônia terem crescido nos últimos anos, principalmente em 2023, a cobrança para que o pagamento de multas seja realmente realizado ainda é um desafio para a Justiça brasileira. Isso é o que mostrou um novo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que revelou que apenas 5% das condenações foram devidamente cumpridas pelos infratores.
Ao todo, foram analisadas mais de 3,5 mil ações civis públicas (ACPs) do Ministério Público Federal (MPF) entre 2017 e 2020, durante as primeiras três fases do Programa Amazônia Protege. As ações pedem a responsabilização por desmatamento ilegal no bioma na esfera cível, que prevê a cobrança de indenizações por danos materiais e morais e ainda a recuperação da área degradada.
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As ações se referem a 265 mil hectares desmatados e pedem mais de R$ 4,6 bilhões em indenizações. Até dezembro de 2023, 57% (2.028) do total tinham sentença, sendo 695 com algum tipo de responsabilização - dessas, 640 ações foram julgadas procedentes e 55 decorreram de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao MPF. Somadas, as condenações e os TACs correspondem a 20% do total de processos e 34% das ações com sentenças.
O Imazon constatou, porém, que do total de 695 ações, apenas 37 tiveram as indenizações quitadas, ou seja, somente 5%. As dívidas pagas somam R$ 652,3 mil (0,5%) e se referem a três sentenças e a 34 TACs. Se considerar os casos que estão em fase de pagamento, com bloqueio em contas bancárias dos réus ou pagamento parcelado, esse percentual sobe para 8%. O Instituto destaca que esse cenário ocorreu mesmo após os juízos terem reduzido, em média, o valor solicitado pelo MPF. Nos processos em que foi possível acessar os valores iniciais e finais, houve redução de 34% nas indenizações por danos materiais (de R$ 11.304 para R$ 7.515 por hectare desmatado) e de 59% por danos morais coletivos (de R$ 5.616 para R$ 2.280 por hectare desmatado).
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“O Protocolo para Julgamento de Ações Ambientais de 2024 do CNJ pode resolver esse problema, pois traz uma metodologia para quantificação do dano climático decorrente do desmatamento. Por isso, recomendamos no estudo que o órgão dissemine essa orientação e organize treinamentos sobre ela”, sugere Hannah Farias, pesquisadora do Imazon.
Indenizações não garantem aplicação na Amazônia
Além de corresponderem a uma porcentagem extremamente pequena, as indenizações também não garantem a aplicação na Amazônia para a recuperação do bioma desmatado. O Imazon aponta que, apesar do MPF solicitar a destinação dos valores aos órgãos ambientais na maioria das ações, os fundos públicos foram o destino principal das sentenças, como o Fundo de Direitos Difusos e o Fundo Nacional de Meio Ambiente.
“Resoluções e recomendações do CNJ já permitem direcionar esses valores para atividades na Amazônia, o que seria o ideal. Por exemplo, com repasses para instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos que realizem projetos de recuperação de vegetação nativa ou para o combate às queimadas. Para isso, os tribunais e o MPF precisam publicar editais de convocação para cadastro e análise de projetos”, informa Brenda.
Por outro lado, responsabilizações aumentam
Apesar de as condenações não corresponderem à maioria das decisões, o Imazon aponta que, por outro lado, o dado representa um aumento nas responsabilizações. Em comparação a um estudo anterior, apenas 650 processos de um total de 3.551 tinham sentenças até outubro de 2020, e 51 delas foram procedentes. Ou seja, as condenações correspondiam a 1% das ações e a 8% da sentenças.
Mais da metade das condenações ocorreram em 2023, quando houve 241 sentenças procedentes de um total de 449 casos. O Instituto aponta que a melhora na situação se deve não só por decisões em primeira instância, mas também ao julgamento de recursos. Conforme o estudo, tanto o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm sido majoritariamente favoráveis aos pedidos de responsabilização do MPF.
“É positivo ver o aumento de casos procedentes para responsabilização de desmatadores e que os tribunais têm mantido entendimento favorável à condenação nessas ações que utilizam provas obtidas de forma remota, com imagens de satélite e uso de banco de dados. O desafio agora é obter o efetivo pagamento das indenizações e a recuperação das áreas que foram desmatadas”, afirma Brenda Brito, a pesquisadora do Imazon.
Medidas para agilizar condenações
Os pesquisadores do Instituto, após analisarem os argumentos do MPF e dos juízes e tribunais, recomendam uma série de medidas para aumentar e agilizar as condenações. Uma das propostas é acabar com as sentenças improcedentes pela não aceitação de imagens de satélite ou de informações de bancos de dados públicos como provas, que continuaram mesmo após jurisprudência favorável do STJ. Para isso, o Instituto indica que o CNJ intensifique a disseminação dessa orientação e realize treinamentos nas comarcas que mais recebem esses processos.
“Um ponto importante é não vincular mais os Projetos de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADs) exigidos nas sentenças à necessidade de validação dos Cadastros Ambientais Rurais (CARs), o que além de atrasar a restauração pode favorecer a grilagem caso CARs ilegais sejam aprovados”, alerta Brenda.
Em relação à fiscalização da recuperação de áreas degradada, o Imazon recomenda que o CNJ organize e disponibilize os dados georreferenciados das áreas, para permitir seu monitoramento por sensoriamento remoto por diferentes organizações. Além disso, o Instituto também pede que os TACs sejam celebrados em documentos separados das atas de audiência, com descrição de todas as obrigações, prazos e previsão de multa em caso de descumprimento.
“Além disso, é importante que o MPF vincule em seu portal de transparência o número do processo judicial ao procedimento interno de acompanhamento do TAC, para que o cumprimento dos acordos possa ser acompanhado pela sociedade civil”, ressalta Hannah.
A íntegra do estudo pode ser acessada por este link.
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