Baleias, tartarugas, peixes e outras espécies de animais marinhos estão contaminados pelos metais pesados provenientes do crime ambiental ocorrido em Mariana (MG), em 2015. A presença das substâncias foi constatada pela primeira vez por pesquisadores.
LEIA TAMBÉM: Atingidos por desastre em Mariana denunciam fornecimento de água contaminada
Te podría interesar
O resultado da análise foi divulgado no 5° relatório anual dos ambientes dulcícola, costeiro e marinho, do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), ao qual o G1 teve acesso.
Os animais analisados estão localizados na foz do Rio Doce e na costa marinha do Espírito Santo e Sul da Bahia. Nos estudos anteriores, os pesquisadores conseguiram detectar a presença dos metais tóxicos apenas em animais microscópicos e da base da cadeia alimentar.
Te podría interesar
Os resultados demonstram que mesmo após nove anos do crime ambiental provocado pela Samarco, as consequências continuam sendo graves ao meio ambiente e à saúde animal e humana. A contaminação da vida marinha tem gerado o nascimento de espécies com anomalias e deformações, alem de casos de tumores em animais.
LEIA TAMBÉM: Vítimas de barragens estão doentes e morrendo à espera de justiça, denuncia MAB
Em relação às baleias, as análises foram feitas através de biópsia realizada com animais que encalharam na costa do Espírito Santo. O resultado mostrou contaminação sanguínea.
O relatório anual é publicado pelo Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), do qual fazem parte 37 instituições de ensino públicas e privadas do país.
Toda a cadeia alimentar está contaminada
Os relatórios anteriores já haviam detectado a presença dos metais pesados em organismo de base da cadeia alimentar, como fitoplânctons e zooplânctons, chegando aos crustáceos. Em seguida, foram contaminados peixes, aves e animais maiores, como cetáceos.
Entre os mais de 15 metais detectados, estão ferro, níquel, arsênio, cádmio e alumínio.
Para Frederico Drummond Martins, biólogo, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenador da Câmara Técnica de Diversidade (CTBio), a presença dos metais nos animais marinhos consolida o impacto e a relação demonstrada com o rompimento da barragem.
O biólogo destaca dois pontos do relatório, um negativo e um positivo. Se por um lado a água e os sedimentos demonstram tendências de melhora na qualidade, por outro, o último resultado demonstra que há acumulação de metais, principalmente nos organismos superiores.
O dado de contaminação de aves neste último relatório é bem grave, chama a atenção. Então, parece que está havendo aí uma bioacumulação e uma biomagnificação de metais, passando dos organismos da base da cadeia alimentar para os superiores", afirma Frederico, ao g1.
O oceanógrafo do ICMBio, João Carlos Tomé, explicou o processo de bioacumulação. Os animais de vida curta morrem rapidamente, vão para o fundo, e o sedimento depois se redisponibiliza para a cadeia. É um processo já conhecido que a gente só está constatando. Os animais de vida longa, a cada ano que passa, vão reacumulando e aumentando a absorção desses metais", disse.
Impactos nos animais
Em relação às tartarugas, os principais impactos são as deficiências sanitárias, como conjuntivite, e a perda de diversidade genética. Nos peixes, o aparelho digestivo foi o mais afetado.
As toninhas, animais que se assemelham aos golfinhos e que têm sua população mais ameaçada do Brasil localizada na foz do Rio Doce, o maior impacto foi na diminuição da comunicação. Por se comunicarem por som, a alta turbidez do ambiente dificulta que machos, fêmeas e crias se encontrem”, afirma o oceanógrafo João Carlos Tomé.
O cenário não é animador, uma vez que os estudos demonstram que mesmo após nove anos, os níveis de presença dos metais não diminuem aos níveis pré-desastre.
“Inequivocamente, os estudos estão nos mostrando que os níveis dos elementos não voltaram ao período pré-desastre, alguns mais, outros menos. [...] O desastre continua acontecendo, há uma quantidade significativa na calha do rio, que a cada grande período chuvoso é redisponibilizado para a biota, e também presente no mar, ficando mais aparente quando ocorrem as frente frias”, explicou
É possível reverter o cenário?
No documento, que será apresentado para Ministério Público Federal, Ministério da Saúde, atingidos, entre outras instituições no dia 27 de setembro, os pesquisadores apontam que há possibilidade dos impactos serem revertidos, porém é preciso que medidas adequadas sejam adotadas.
"A maioria dos impactos (com exceção aos genéticos) identificados apresenta a possibilidade de ser revertido ao longo do tempo, desde que sejam adotadas medidas adequadas de mitigação, reparação e conservação das condições abióticas e bióticas dos ecossistemas afetados, visando a obtenção de condições semelhantes ou melhores àquelas observadas no período pré-rompimento da barragem de Fundão”, diz a publicação.
Siga o perfil da Revista Fórum e da jornalista Júlia Motta no Bluesky.