EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

Trump enterra reunião da ONU em Baku em nome de "fura, baby, fura"

Presidente Lula terá Biden e Xi em "despedida" de mundo multipolar

Demora.O repórter demorou para entender o significado das torres: a chama do petróleoCréditos: Luiz Carlos Azenha
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

De Baku, Azerbaijão -- Hospedado em um apartamento que fica entre três prédios de formato exótico, só durante a noite eu entendo o significado das torres onde brilham as cores da bandeira do Azerbaijão.

São as Flame Towers, em forma de chama, como aquela que queima gás sobre os poços de petróleo.

O chamado gas flaring emite carbono negro, metano e compostos orgânicos voláteis. Os dois primeiros estão na lista de gases mais perigosos para a mudança climática e os VOC (sigla em inglês para os compostos orgânicos) são considerados perigosos poluentes do ar.

Rússia, Iraque, Irã, Argélia, Venezuela, Estados Unidos, México, Líbia, Nigéria e China estão entre os maiores responsáveis pelo gas flaring no planeta, de acordo com um estudo de 2023 patrocinado pelo Banco Mundial.

Um país que celebra gases venenosos em prédios de arquitetura supostamente arrojada foi escolhido pelas Nações Unidas para sediar a 29ª sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, mais conhecida como COP29.

A proposta foi justamente esta: é possível afastar um país cuja riqueza depende 90% das exportações de petróleo e gás da completa dependência da indústria acusada de promover boa parte do aquecimento global?

O presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acredita que sim:

Ter sido eleito por decisão unânime como o país anfitrião da COP29 é realmente uma grande honra para nós. Consideramos isso um sinal de respeito da comunidade internacional ao Azerbaijão e ao que estamos fazendo, em particular, na área de energia verde.

"Em solidariedade por um mundo verde" é o tema do encontro, em que o Azerbaijão pretende expor ao planeta mudanças que vem fazendo em sua matriz energética.

Banhada pelo mar Cáspio, Baku foi uma das primeiras cidades do planeta a sobreviver da exploração do petróleo, ainda no tempo em que ele era fonte de querosene e de remédios "milagrosos" para dor de dente.

Aqui foi construída em parte a fortuna da família Rothschild, originalmente de Frankfurt, na Alemanha, que travou imensas batalhas contra os estadunidenses Rockefeller, da Standart Oil, pela exploração e controle de mercados do petróleo.

Também foi em Baku que parte da família Nobel, originária da Suécia, fez fortuna.

Futuro verde?

Críticos à esquerda da COP costumam dizer que trata-se de "capitalismo verde", usando para isso a longa lista de grandes empresas que usam o evento para se apresentar à opinião pública como banhados pelo ambientalismo.

Mas, do ponto-de-vista das Nações Unidas, "é o que temos".

O principal objetivo do encontro em Baku é encontrar financiamento para que os países possam cumprir as metas para reduzir o aquecimento global.

O Instituto Real para Assuntos Internacionais, do Reino Unido (mais conhecido como Chatham House) é um dos think tanks mais profundamente crentes no evento de Baku.

Ele define:

O financiamento climático é uma das questões mais espinhosas nas negociações. A meta anterior de financiamento climático, de U$ 100 bilhões por ano dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, entre 2020-25, foi simbólico (sendo uma fração do montante realmente necessário) e controverso (os países desenvolvidos não cumpriram a meta até 2022). Um Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG), a ser acordado na COP29, terá de refletir as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento.

Donald Trump eleito

Porém, a sombra de Donald Trump, eleito nos Estados Unidos de forma esmagadora, agora reflete sobre Baku.

As promessas eventualmente feitas pela delegação enviada pelo governo Biden correm o risco de ser desconsideradas.

Trump se elegeu prometendo "furar, baby, furar" o solo estadunidense em busca de petróleo. Também disse que vai "frack, frack, frack", ou seja, usar a técnica ambientalmente condenada do fracking para arrancar óleo e gás das profundezas do território estadunidense.

O republicano denunciou o projeto de transição energética de Joe Biden como "fraude", disse que os cataventos da energia eólica são poluição visual e matam baleias e que as fazendas de energia solar nos EUA matam coelhos.

Independentemente das fake news, Trump não investirá na transição energética que governos como o do Brasil esperam que seja financiada pelos países mais ricos, como os EUA, sob a alegação de que eles foram os grandes poluidores que levaram o planeta à beira do colapso climático.

Postura de Lula em xeque

O presidente Lula receberá nas próximas semanas o seu colega Joe Biden na reunião do G20 sediada pelo Brasil. Biden é o que se chama de "pato manco", que só aguarda para entregar o poder em 20 de janeiro. 

O líder brasileiro se apresentou como campeão dos países em desenvolvimento, cobrando dinheiro das grandes capitais, como Washington, para bancar a transição energética.

Provavelmente, Lula apoiou a eleição de Kamala Harris e vetou a Venezuela nos BRICS na expectativa de que os democratas vencessem a eleição nos EUA e Biden prestigiasse como vencedor o encontro do G20, previsto para os dias 18 e 19 próximos, no Rio de Janeiro.

É possível que o Planalto tenha sido pego de surpresa pela vitória esmagadora de Trump -- a Fórum não foi.

É pouco provável que Vladimir Putin compareça ao encontro do G20, mas o líder chinês Xi Jinping virá.

Será a salvação da lavoura, uma vez que Donald Trump, uma vez empossado, deve enterrar qualquer agenda vinda do G20 ou da reunião de Baku que começa na próxima segunda-feira.

Em nome do ultranacionalismo, Trump deve desconhecer qualquer demanda emanada do Azerbaijão, especialmente porque os EUA, explorando petróleo e gás como nunca, devem avançar no ranking de quem promove o gas flaring.