Estudos científicos estão alertando há anos sobre o risco de colapso ambiental provocado pelas mudanças climáticas, que ameaçam a existência de toda a população global. Um novo trabalho, feito pela The Earth League com 80 pesquisadores de destaque de 45 países diferentes, faz novos alertas sobre como a crise climática já é uma ameaça para a nova geração.
No estudo, intitulado "10 Novos Insights em Ciência Climática" e divulgado nesta segunda-feira (28) pela Agência Bori, os pesquisadores mostram que o aumento das temperaturas globais está tornando o planeta cada vez mais inabitável, perturbando processos vitais nos oceanos, levando a Amazônia ao limite de um colapso em grande escala e até mesmo colocando em risco uma geração ainda não nascida ao aumentar as chances de complicações na gravidez, inclusive, com perdas gestacionais.
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As dez percepções apontadas pelo estudo foram baseadas em uma gama de pesquisas científicas sobre diferentes impactos ambientais, econômicos e sociais causados pela crise climática. “O relatório revela o alcance dos impactos da mudança do clima em diferentes sistemas ecológicos, econômicos e sociais. Com menos ambientes habitáveis, a migração de populações pode se intensificar. Também existe um impacto importante na saúde materna, que pode perdurar por gerações”, afirma Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e membro do conselho editorial da publicação.
Ao chamar atenção para o colapso ambiental, os pesquisadores destacam a devastação da Amazônia, um dos mais importantes sumidouros naturais de carbono. Em 2021, um estudo publicado na revista Nature mostrou que a Amazônia começou a emitir mais gás carbônico (CO2) do que absorve devido ao desmatamento e às queimadas.
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“O relatório confirma que o mundo enfrenta desafios em escala planetária, desde o aumento das emissões de metano até a vulnerabilidade de infraestruturas críticas. Ele mostra que o aumento do calor, a instabilidade dos oceanos e a possível virada da Amazônia podem empurrar partes do nosso planeta além dos limites habitáveis", afirma Johan Rockström, co-presidente da The Earth League e diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático, na Alemanha.
Rockström acrescenta que o documento também oferece caminhos claros e soluções, "demonstrando que, com ação urgente e decisiva, ainda podemos evitar resultados incontroláveis", diz ele.
Mercedes também reforça que, no Brasil, há uma articulação entre as ações do país para reduzir o desmatamento e a degradação da Amazônia e as iniciativas internacionais para diminuir as emissões de gases de efeito estufa, que afetam o bioma de forma sinérgica. Apesar dos desafios globais em intensificação, ela ressaltou que há um conjunto de políticas e soluções que podem ser implementadas para enfrentar as mudanças climáticas de maneira eficaz. Diante das ameaças à saúde materna, essas soluções integram, por exemplo, ações de equidade de gênero e justiça climática.
As informações científicas sintetizadas no relatório têm o objetivo destacar implicações políticas que podem orientar as negociações na COP29, que ocorre em novembro, no Azerbaijão, e direcionar as políticas nacionais e internacionais.
Risco à nova geração
Em relação à ameaça a mulheres gestantes e à nova geração, o relatório juntou pesquisas que mostram que as mudanças climáticas podem reverter décadas de progresso em saúde materna e reprodutiva. Aumento de perdas gestacionais, parto prematuro, doenças maternas graves e impactos cognitivos estão entre os principais riscos.
"Abordar os efeitos das mudanças climáticas na saúde materna e reprodutiva (MRH) é um elemento importante para lidar com os impactos de gênero das mudanças climáticas. Mudanças nos padrões climáticos têm efeitos diretos e indiretos em mulheres grávidas, com impactos mais severos em regiões vulneráveis ao clima, onde há acesso limitado a recursos", diz um trecho do estudo.
De acordo com o relatório, apenas 27 de 119 Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) fazem referências à saúde materna e neonatal e à saúde sexual reprodutiva. Também há lacunas no ensino superior e treinamento sobre mudanças climáticas e saúde, com preparação limitada em serviços de saúde e redes de segurança social para lidar com esses desafios. "Embora a pesquisa atual mostre fortes ligações entre mudanças climáticas e MRH, os caminhos exatos ainda não estão claros e a pesquisa das regiões mais vulneráveis é sub-representada", afirmam os autores do trabalho.
O relatório destacou algumas pesquisas realizadas para analisar e alertar os risco do aquecimento global sobre mulheres grávidas e seus bebês. Um estudo realizado na Índia com mulheres grávidas trabalhadoras expostas ao estresse térmico descobriu que elas tinham o dobro de risco de aborto espotâneo. Os pesquisadores afirmam que esse resultado "tem implicações significativas para as nações tropicais, onde milhões de mulheres correm o risco de exposição ao estresse térmico ocupacional".
Já no sul da Califórnia, pesquisadores encontraram associações significativas entre exposição ao calor a longo prazo e aumentos em complicações de parto (por exemplo, natimorto e parto prematuro), com risco aumentado em mulheres com menor nível educacional e menos exposição a espaços verdes.
Outras pesquisas realizadas em 33 países da América do Sul e Central, Ásia e África estimaram que eventos de inundação podem ser responsáveis por mais de 107 mil perdas de gravidez a cada ano nessas regiões, e relataram risco elevado para mulheres com menor renda e níveis educacionais.
Outros riscos às gestantes impostos pelo aquecimento global podem ser explorados no relatório completo, disponível neste link.
Veja os 10 insights climáticos apontados pelo relatório
- Metano: Desde 2006, os níveis de metano aumentaram drasticamente. Já existem soluções econômicas, mas políticas rigorosas são necessárias para reduzir suas emissões nos setores de combustíveis fósseis, resíduos e agricultura.
- Poluição do ar: A redução da poluição atmosférica melhora a saúde pública, mas afeta o clima de forma complexa, exigindo que as estratégias de mitigação e adaptação levem isso em consideração.
- Calor extremo: Temperaturas e níveis de umidade crescentes estão tornando partes do planeta inabitáveis. Planos de ação contra o calor precisam priorizar os grupos mais vulneráveis.
- Saúde materna e reprodutiva: Extremos climáticos estão prejudicando a saúde materna, ameaçando décadas de progresso. Soluções precisam integrar equidade de gênero e justiça climática.
- Mudanças nos oceanos: O aquecimento dos oceanos agrava eventos de El Niño e ameaça a estabilidade de sistemas marinhos, podendo causar perdas econômicas globais massivas.
- Resiliência da Amazônia: A diversidade biocultural ajuda a Amazônia a resistir às mudanças climáticas, mas essas ações locais precisam ser complementadas por reduções globais de emissões.
- Infraestruturas críticas: Infraestruturas estão cada vez mais vulneráveis a desastres climáticos. Ferramentas de IA podem ajudar a torná-las mais resilientes.
- Desenvolvimento urbano: Poucas cidades integram mitigação e adaptação em seus planos climáticos. Uma abordagem que combine fatores sociais, ecológicos e tecnológicos pode ajudar no desenvolvimento resiliente.
- Minerais de transição energética: A demanda por minerais de transição está aumentando, assim como os riscos na cadeia de suprimentos. Melhor governança é essencial para uma transição justa.
- Justiça climática: A aceitação pública das políticas climáticas depende de sua percepção de justiça. A exclusão dos cidadãos no processo de formulação pode gerar resistência.
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