Parte do lixo encontrado nas praias do Ceará vem de um lugar a 5.600 quilômetros de distância: a República Democrática do Congo. É o que revela uma pesquisa publicada recentemente na revista científica Science of The Total Environment, que aponta que 78,5% da poluição plástica encontrada nas praias cearenses provém da África, sendo 90% desse total originado do Congo.
Coordenada pelo Projeto Detetive do Plástico, a pesquisa revela que, da quantidade de plásticos encontrados no Ceará, apenas 15,7% dos resíduos eram de origem brasileira, enquanto 5,8% vieram de outros países, incluindo Índia, Emirados Árabes Unidos, China, Itália e Alemanha.
Te podría interesar
De acordo com o monitoramento realizado por simulações computacionais, o lixo é trazido pelas correntes marítimas, que transportam os plásticos em um percurso de cerca de cinco a seis meses, desde a foz do Rio Congo até o litoral brasileiro. Esse fenômeno ocorre regularmente, principalmente no segundo semestre do ano.
“Sempre se afirma que o maior problema das nossas praias são os rios que trazem plásticos do continente para o mar, além do descarte feito pelos próprios usuários das praias. Em parte, é verdade. Mas, no litoral do Ceará, que é semiárido, com rios intermitentes e vazão reduzida durante muitos meses do ano, o que estamos comprovando é que o aporte de plástico nas praias está fortemente associado às correntes marinhas. Estamos recebendo plásticos da África, mas também estamos exportando plástico para outros países. Tudo está conectado”, observa o oceanógrafo Tommaso Giarrizzo e integrante do do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC),
A pesquisa foi feita pelo projeto Detetive do Plástico, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), financiada pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e CNPq.
Mapeamento através de marcas
Além de identificar a origem geográfica do lixo, a pesquisa também analisou as marcas dos resíduos. Utilizando técnicas de auditoria de marcas, com apoio do Google Lens para identificar logotipos e informações dos produtos, foram coletados 1.062 resíduos plásticos. Desses, 591 itens haviam marcas, com 464 (75%) pertencendo a 31 marcas e 31 empresas-mãe da África.
Entre as marcas encontradas, 15 pertenciam à indústria de bebidas e outras 15 à indústria de cosméticos. As tampas de garrafas de refrigerante, suco e água representavam 79,8% de todos os resíduos de marcas africanas. Três marcas congolesas foram responsáveis por 57,9% de todo o lixo encontrado: Festa Cola, um refrigerante (36,7%), Zest, um suco de manga (13,8%), e Swissta, marca de água mineral (7,4%).
Impacto ambiental e na saúde
A chegada desses resíduos estrangeiros não só contribui para a poluição ambiental, mas também representa riscos à saúde pública, já que plásticos de diferentes origens podem transportar patógenos desconhecidos. No cenário global, a situação é alarmante: aproximadamente 385 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente, e uma quantidade significativa acaba nos oceanos.
Estima-se que entre 8 e 12,7 milhões de toneladas de plástico sejam lançadas nos mares todos os anos, e projeções indicam que esses números podem triplicar até 2040. De 2010 a 2020, o Brasil foi responsável pelo descarte de 940 mil toneladas de resíduos plásticos, segundo um estudo do Center for Ocean-Atmospheric Prediction Studies (COAPS).
Em resposta a essa crise, a ONU está mediando um tratado global entre 175 países para abordar a poluição plástica, com foco na proibição de plásticos descartáveis e na promoção da reciclagem.