CRISE CLIMÁTICA

Brasil está secando, alerta MapBiomas

Em 2023, superfície hídrica do país encolheu uma área de cinco vezes a cidade de São Paulo; Pantanal enfrenta situação mais crítica

Seca no Amazonas, 2023.Créditos: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Escrito en MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE el

Em 2023, a totalidade das superfícies hídricas do Brasil registrou perda de área em todos os meses em relação ao ano anterior, até mesmo durante o período chuvoso. A água cobriu 18,3 milhões de hectares do país, o que representa uma queda de 1,5% em relação à média histórica.

Os dados são do MapBiomas Água, que analisa a perda da superfície d'água do país entre 1985 e 2023. Segundo a organização, os biomas estão sofrendo com a perda da superfície de água desde 2000, com a década de 2010 sendo a mais crítica.

Segundo a análise, a superfície da água encolheu 3% em 2023 em relação a 2022. Apesar de parecer pouco, o número representa, em área, cinco vezes a cidade de São Paulo, ou seja, 5.700 km². 

Em relação aos corpos hídricos antrópicos, a perda foi de 26% (cerca de 856 mil hectares) em 2023 em relação a 1985. Já os corpos hídricos naturais perderam 30,8% da sua área, ou 6,3 milhões de hectares. Além disso, metade (6) das bacias hidrográficas do país estiveram abaixo da média histórica em 2023.

Estados mais afetados

A perda de superfície d'água em 2023 atingiu pouco mais de um terço (37%) dos estados brasileiros. Os mais afetados pela seca foram Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com perda de 274 mil hectares (-33%) e 263 mil hectares (-30%), respectivamente.

Já no caso das cidades, ficaram abaixo da média histórica mais da metade (53%) O município de Corumbá (MS) foi o que mais perdeu superfície de água em 2023 em relação a média da série histórica: 261 mil hectares (-53%).

Perda d'água por bioma

A seca na Amazônia

A Amazônia concentra mais da metade da superfície de água do país (62%) e perdeu, em 2023, mais de 3 milhões de hectares em relação a 2022. No mesmo ano, o bioma sofreu com uma seca severa: as superfícies ficaram abaixo da média histórica entre julho e dezembro, sendo de outubro a dezembro o período onde foram registradas as menores superfícies de água da série.

“Houve isolamento de populações e mortandade de peixes, de botos e tucuxis”, aponta Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.

Pantanal: o bioma que mais secou

O Pantanal vem sendo alvo de um incêndio recorde nos últimos dias. Ao todo, foram registrados 3.262 focos entre 1° de janeiro e 23 de junho, o que representa um número 22 vezes maior do que o registrado em 2023 e um recorde desde 1988, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a registrar os focos de incêndio.

De acordo com dados do MapBiomas, o Pantanal foi o bioma que mais secou ao longo da série histórica (1985-2023). . A superfície de água anual (pelo menos 6 meses com água) em 2023 ficou  – 61% abaixo da média histórica. A organização registrou redução da área alagada e do tempo de permanência da água.

"O ano de 2023 foi 50% mais seco que 2018, que foi a última grande cheia no bioma. Em 2018, a água no Pantanal já estava abaixo da média da série histórica, que compara com os dados desde 1985. “Em 2024, nós não tivemos o pico de cheia. O ano registra um pico de seca, que deve se estender até setembro. O Pantanal em extrema seca já enfrenta incêndios de difícil controle”, ressalta Eduardo Rosa, do MapBiomas.

Cerrado: efeito reservo

O cerrado registrou um efeito reverso em relação à seca. Segundo o MapBiomas, em 2023, o bioma o teve a maior superfície de água desde 1985: 1,6 milhão de hectares ou 9% do total nacional. Esse total é 11% acima da média histórica no bioma.  

O cerrado é um bioma naturalmente mais seco, então a explicação para esse cenário é justamente a ação humana. Esse ganho de superfícies de água se deu em áreas antrópicas, que ampliaram-se em 363 mil hectares (56,4%). Os corpos de água naturais, por sua vez, perderam 696  mil hectares – queda de 53,4%.

Em 2023, os corpos de água naturais ocupavam 37,5% do bioma, enquanto as hidrelétricas (828 mil hectares; 51,1%) e reservatórios (181 mil hectares; 11,2%) ocupavam 62,5% da área total. 

“A partir de 2003, a área de superfície de água destinada à geração de energia e ao abastecimento dos centros urbanos superou a área de água natural no Cerrado. No entanto, esses reservatórios são abastecidos pelos corpos de água naturais que têm sido reduzidos nas últimas décadas”, explica Joaquim Pereira, do MapBiomas.

Caatinga também registra aumenta d'água 

A caatinga é outro bioma naturalmente seco, conhecido pela sua falta d'água. Porém, novamente a ação humana muda as características da natureza: desde 2018 é possível observar uma tendência de acréscimo na superfície de água na caatinga e a consolidação de um ciclo mais chuvoso no bioma, segundo o MapBiomas.

Essa mudança ocorre após  um longo período de seca, que se estendeu por sete anos, resultando em uma das maiores secas do Nordeste. 

Em 2023, o bioma registrou uma superfície de água de quase 975 mil hectares – 6% acima da média histórica e 5% do total nacional. 

O MapBiomas ressalta que, no ano passado, um estudo do INPE/CEMADEN identificou, pela primeira vez, uma área considerada árida (deserto) no Brasil, localizada na caatinga, na bacia do São Francisco, no norte da Bahia. Ao analisar os dados da organização para o mesmo período (1990 a 2020) foi possível identificar também uma redução na superfície de água em 7 dos 8 municípios localizados na região do estudo supracitado. 

“Com base nos dados de 2023, em geral, no bioma Caatinga, estamos em um período de consolidação de um ciclo mais chuvoso, o que garante maior disponibilidade hídrica nas regiões mais secas do território brasileiro. Todavia, é preciso atentar para a existência de problemas de secas localizadas e que, apesar do ciclo chuvoso, os dados evidenciam uma tendência geral de redução da superfície d’água, mesmo com o crescimento constante de reservatórios artificiais por todo o bioma”, comenta Diêgo Costa, do MapBiomas.

Pampa: 40% abaixo da série histórica

Cerca de 10% da superfície de água do país fica localizada no Pampa: mais de 1,7 milhão de hectares. Porém, em 2023, o bioma registrou área 40% inferior do que a média da série histórica.

“Em 2023, o Pampa teve o primeiro quadrimestre mais seco da série histórica. Os quatro primeiros meses de 2023 estiveram entre os cinco meses mais secos da série”, comenta Juliano Schirmbeck, coordenador técnico do MapBiomas Água. As cheias no Rio Grande do Sul, entre setembro e novembro, recuperaram a superfície de água no Pampa, mas ainda assim ela se manteve 2% abaixo da média histórica.

Mata Atlântica registra extremos chuvosos

Bioma mais degradado do país, a Mata Atlântica registrou aumento de 3% acima da média histórica das superfícies de água em 2023. A água responde por 2% da superfície do bioma.

 “Em 2023 a Mata Atlântica registrou elevados níveis de precipitação em alguns municípios, levando a inundações em áreas agrícolas e deslizamentos”, afirma Fernando Paternost, do MapBiomas. 

A Mata Atlântica é o bioma com maior superfície de água antrópica, onde a área de superfície de água em hidrelétricas e em reservatórios é maior do que a área de superfície de água natural.

Mudanças agravadas pela crise climática

Para Schirmbeck, o aumento de superfície da água devido à criação de hidrelétricas e reservatórios no cerrado e na caatinga enquanto a Amazônia e o Pantanal enfrentam uma grave redução hídrica levam a "significativos impactos ecológicos, sociais e econômicos".

"Essas tendências agravadas pelas mudanças climáticas ressaltam a necessidade urgente de estratégias adaptativas de gestão hídrica”, acrescenta o coordenador.