A Terra está simultaneamente enfrentando mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição. No entanto, um aspecto significativo dessa tripla crise planetária é negligenciado - o crime. Crimes que afetam o meio ambiente contribuem para cada elemento da tripla crise planetária em algum grau. Mas até agora, nunca houve uma visão global da natureza e extensão dos crimes que afetam o meio ambiente.
Os esforços globais para prevenir crimes contra a natureza e levar os infratores à justiça estão sendo prejudicados por diferenças gritantes nas leis de proteção ambiental entre países e regiões. É o que mostra um levantamento lançado nesta sexta-feira (17) pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, da sigla em inglês).
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A agência da Organização das Nações Unidas (ONU) lançou em Viena, na Áustria, o documento 'O Panorama da Criminalização', a primeira parte do primeiro Relatório de Análise Global de Crimes que Afetam o Meio Ambiente. Neste trabalho, o UNODC examina como todos os 193 Estados-Membros da ONU definem crimes contra a natureza e as punições que estabelecem para violações das leis ambientais.
"Legislações mais fortes podem ajudar a deter potenciais infratores e reincidentes, além de expandir a gama de ferramentas investigativas e recursos para as autoridades policiais impedirem crimes que afetam o meio ambiente," disse Angela Me, Chefe de Pesquisa e Análise do UNODC, ao apresentar o relatório.
Esta primeira Análise Global sobre Crimes que Afetam o Meio Ambiente é uma exploração robusta do que são esses crimes, como são cometidos, o papel dos grupos de crime organizado e da corrupção, o que motiva pessoas e empresas a cometerem crimes que afetam o meio ambiente, quais são as estruturas da cadeia de suprimentos de commodities ambientais ilegais, o que tudo isso significa para políticas e estratégias de prevenção aprimoradas, e quais são os impactos dos crimes que afetam o meio ambiente.
Lacunas na criminalização de crimes Ambientais
O estudo revelou que pelo menos 85% dos Estados-Membros da ONU criminalizam delitos contra a vida selvagem, abrangendo áreas como desmatamento, exploração madeireira, poluição sonora, pesca, gestão de resíduos, proteção da vida selvagem, e poluição do ar, solo e água.
“Nossa revisão mostra progresso global no avanço das leis de proteção ambiental”, disse Angela Me. No entanto, ela observou que a legislação e a aplicação da lei continuam desiguais, criando "oportunidades para grupos criminosos explorarem lacunas nas respostas."
Entre os nove delitos analisados, crimes contra a vida selvagem e resíduos são os mais frequentemente criminalizados, com 164 e 160 países, respectivamente, incluindo esses delitos em suas legislações. Em contraste, poluição do solo e poluição sonora são as menos protegidas, com apenas 99 e 97 países considerando essas violações graves.
A criminalização e as penalidades variam significativamente por região. Na Oceania, 43% dos países consideram a pesca ilegal um crime grave, comparado a apenas 2% na Europa. Na África Oriental, 12 dos 18 países classificam delitos contra a vida selvagem como graves.
O relatório destaca discrepâncias na aplicação das leis a indivíduos versus empresas, sugerindo que a legislação poderia ser aprimorada para permitir a confiscação dos meios utilizados para cometer crimes ambientais ou dos lucros provenientes desses delitos.
Especialistas do UNODC também recomendam o aumento das penalidades e a expansão do uso de ferramentas de cooperação internacional, como extradição e assistência jurídica mútua. Além disso, enfatizam a necessidade de mais coleta de dados e pesquisa sobre a eficácia das penalidades aplicadas.
Estas informações podem ajudar a entender quais níveis de criminalização são mais eficazes na prevenção de crimes ambientais, contribuindo para políticas e estratégias de prevenção mais robustas.
Realidade brasileira
A legislação ambiental brasileira é uma das mais completas e rigorosas do mundo, mas enfrenta desafios significativos em termos de aplicação e eficácia.
O Brasil conta com diversas leis ambientais que abrangem desde a proteção da Amazônia até o controle da poluição urbana. Entre os mais importantes estão:
- Código Florestal: Estabelece regras para a preservação de florestas e áreas de vegetação nativa.
- Lei da Política Nacional do Meio Ambiente: Cria mecanismos de controle e fiscalização ambiental.
- Lei de Crimes Ambientais: Define sanções penais e administrativas para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Apesar desta estrutura legal robusta, uma das legislações ambientais mais abrangentes do mundo, a eficácia dessas leis é frequentemente comprometida por desafios na aplicação, falta de recursos e questões políticas. Melhorias na fiscalização, aumento da cooperação internacional e investimentos em capacitação podem ajudar a fortalecer a proteção ambiental no país.
Desmonte do 'Pacote da Destruição'
Além dos desafios de aplicar essas leis, o país vivencia também o perigo do desmonte dessas políticas de proteção ambiental. Atualmente tramitam no Congresso mais de 20 projetos e Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que afetam licenciamento ambiental, grilagem de terras, direitos indígenas, financiamento da política ambiental, flexibilização do Código Florestal, legislações sobre recursos hídricos, mineração, oceano e zonas costeiras, entre outros,.
Algumas dessas matérias têm alta probabilidade de avanço imediato, de acordo com levantamento do Observatório do Clima, publicado em abril deste ano.
- PL 364/2019, de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS). Elimina a proteção de todos os campos nativos e outras formações não florestais.
- PL 3334/2023, de autoria do senador Jaime Bagattoli (PL-RO). Viabiliza a redução da reserva legal na Amazônia.
- PL 2374/2020, de autoria do senador Irajá (PSD-TO). Anistia para desmatadores.
- PL 1282/2019, de autoria do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e PL 2168/2021, do deputado federal José Mário Schreiner (DEM-GO). Liberam obras de irrigação em áreas de preservação permanente (APPs).
- PL 686/2022, de autoria de José Medeiros (PL-MT). Suprime o controle sobre a vegetação secundária em área de uso alternativo do solo.
- PL 2159/2021, de autoria de Luciano Zica (PT-SP). Torna o licenciamento ambiental uma exceção ao invés de regra.
- PL 4994/2023, autoria dos deputados Maurício Carvalho (UNIÃO-RO), Thiago Flores (MDB-RO), Silvia Cristina (PL-RO) e outros. Aborda a pavimentação da BR 319 sem analisar corretamente os riscos socioambientais que podem surgir, nem as medidas que devem ser tomadas para evitar e mitigar esses impactos.
- PL 10273/2018, de autoria do ex-deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Esvazia a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental e o poder do Ibama.
- PL 6049/2023, de autoria da CPI das ONGs. Altera as regras do Fundo Amazônia.
- PL 2633/2020, de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) e PL 510/2021, do senador Irajá (PSD-TO). Flexibilizam as normas sobre regularização fundiária com previsão de anistia a quem invadiu e desmatou ilegalmente terra pública até dezembro de 2014.
- PL 3915/2021, de autoria do deputado Zé Vitor (PL-MG). Altera o marco temporal para regularização fundiária de terras da União.
- PL 2550/2021, de autoria da deputada Jaqueline Cassol (PP-RO). Amplia do uso da Certidão de Reconhecimento de Ocupação (CRO), uma certidão precária, que não confirma definitivamente a propriedade da terra mas indica uma possível futura regularização seja usada para aprovar projetos de manejo.
- PL 5822/2019, de autoria do deputado delegado Éder Mauro (PL-PA), e PL 2623/2022, da deputada Mara Rocha (MDB-AC). Admitem exploração mineral (garimpo) em Unidades de Conservação (UCs).
- PL 2001/2019, autoria do deputado Pinheirinho (PP-MG), o PL 717/2021, do deputado Nelson Barbudo (PL-MT) e o PL 5028/2023, autoria do deputado José Medeiros (PL-MT). Buscam inviabilizar a criação de Unidades de Conservação (UCs).
- PL 3087/2022, de autoria do senador Lucas Barreto (PSD-AP). Reduz o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque.
- PEC 48/2023, de autoria de dezenas de senadores da ala bolsonarista, entre eles Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Damares Alves (Republicanos-DF) e Sergio Moro (União Brasil-PR). Acrescenta o marco temporal no art. 231 da Constituição, o que define a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.
- PEC 59/2023, de autoria do senador Carlos Viana (Podemos -MG) e outros senadores. Delega ao Congresso competência para demarcação de terras indígenas.
- PL 6050/2023, da CPI das ONGs. Flexibiliza o desenvolvimento de atividades econômicas nas terras indígenas, regulando a exploração mineral e outras atividades em terras indígenas.
- PL 4546/2021, de autoria do governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ). Institui política de infraestrutura hídrica desconectada da Política Nacional de Recursos Hídricos.
- PEC 03/2022, autoria do deputado Arnaldo Jordy (Cidadania-PA). Retira a propriedade exclusiva da União sobre os Terrenos de Marinha.
- PLP 254/2023, de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT). Atribui à Marinha o licenciamento ambiental de empreendimentos náuticos. Inclui áreas nas faixas terrestre e marítima da zona costeira, a serem ocupadas por empreendimentos referentes a turismo, esporte e economia náutica.
- PL 355/2020, de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT). Altera o Código de Mineração, visando a facilitar a atividade garimpeira.
- PL 3587/2023, da Comissão Temporária Externa para acompanhar a situação dos Yanomami e a saída dos garimpeiros. Cria o Banco Nacional Forense de Perfis Auríferos que estabelece procedimento para certificação de ouro.