O mercado de Kantamanto, localizado no oeste da África, em Gana, desperta para a vida já nas primeiras horas da manhã. Situado no coração da capital Accra, é um dos maiores mercados de roupas usadas do mundo.
Cerca de cinco mil barracas abastecem, negociam e processam roupas usadas, empregando aproximadamente 30 mil pessoas. Com montanhas de tecidos empilhados a metros de altura e corredores estreitos entre os estandes, o comércio se estende até as ruas adjacentes, onde as mercadorias são vendidas ao ar livre, sem infraestrutura adequada.
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Esse processo se repete em outros países do continente africano, como Tanzânia e Quênia. Não é incomum que sacos inteiros e até mesmo roupas sem uso sejam despejados nos contêineres de roupas usadas.
Presente envenenado
Uma investigação do Greenpeace revela como essas roupas baratas e de baixa qualidade, feitas de plástico, transformam o comércio de segunda mão em uma catástrofe ambiental na África.
O levantamento da Greenpeace resultou no relatório intitulado 'Poisoned Gifts - from donations to the dumpsite: textiles waste disguised as second-hand clothes exported to East Africa' ('Presentes Envenenados - das doações ao lixão: resíduos têxteis disfarçados como roupas de segunda mão exportadas para a África Oriental', em tradução livre).
O documento revela que essas roupas usadas são de tão baixa qualidade que vão direto para o lixão e mostra como os resíduos têxteis são muitas vezes “disfarçados” como roupas de segunda mão e exportados do norte para o sul global, para evitar a responsabilidade e os custos de lidar com o problema das roupas descartáveis.
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Devolução de lixo têxtil de Gana para a Alemanha
Para chamar a atenção para essa questão urgente, ativistas da ong ambientalista e do Fashion Revolution aproveitaram a Berlim Fashion Week (Semana de Moda de Berlim), realizada entre os dias 5 e 8 de fevereiro, e levaram o lixo têxtil de Gana até o Portão de Brandemburgo, ponto turístico da capital da Alemanha. Lá, realizaram protestos com uma pilha de roupas coletadas do mercado de Kantamanto.
Uma das ativistas que participaram do protesto, Viola Wohlgemuth, do Greenpeace, em entrevista à Euronews falou sobre a contínua falta de regulamentação na indústria da moda.
"Estamos protestando contra o colonialismo do desperdício da indústria da moda. Porque atrás de mim estão 4,6 toneladas de moda e resíduos de plástico que acabam em Gana no mercado de Kantamanto em apenas uma semana. Precisamos mudar todo esse modelo. A alternativa de comprar coisas novas, produzir coisas novas precisa se tornar o novo normal. Isso significa alugar, compartilhar roupas usadas, reparar e fazer upcycling. Isso precisa se tornar o novo normal", explicou.
As roupas descartadas em Gana que foram levadas para a Alemanha no início deste mês foram coletadas durante a Semana de Moda de Berlim em outubro de 2023.
Na ocasião, Wohlgemuth, especialista em conservação de recursos do Greenpeace, observou que muitas dessas roupas não eram mais vendáveis e representavam um problema crescente para os comerciantes locais.
Análises posteriores revelaram que mais de 96% desses tecidos eram compostos por fibras sintéticas, intensificando ainda mais a poluição plástica em países como Gana.
"Roupas de homens brancos mortos"
As toneladas de roupas usadas chegam diariamente em Accra são chamadas de Oburoni Wawu (“As roupas dos homens brancos mortos”, em tradução livre).
A maioria dessas peças de roupas é proveniente do fast fashion (moda rápida) e exportada para países fora da União Europeia (UE). Cerca de 100 contêineres, contendo aproximadamente 15 milhões de itens, chegam semanalmente ao porto de Tema, em Gana, sendo que cerca de 70% dessas roupas são destinadas ao mercado de Kantamanto.
A maior parte das roupas exportadas da UE para países terceiros acaba se tornando lixo, especialmente em Gana.