O ano de 2024 mal começou e a boiada ambiental já está passando com tudo no Espírito Santo. A Assembleia Legislativa do Estado aprovou em 27 de dezembro a Lei Complementar 1073/23, enviada pelo próprio governador Renato Casagrande (PSB). Trata-se de uma versão capixaba do PL 2159/21 que tramita no Senado e prevê o desmonte das normas e políticas de licenciamento ambiental no país. É apelidado de PL da Destruição por ambientalistas e dezenas de organizações que estão de olho no meio ambiente e nos direitos humanos.
O que mais chama atenção é a desregulamentação das políticas que garantem a transparência e a excelência técnica nos processos de licenciamento ambiental, como por exemplo o fim da exigência de audiências públicas e a criação do Conselho de Gestão Ambiental (CGA), que fica subordinado a Secretária de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama).
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O secretário é Felipe Rigoni (União Brasil) e, segundo apuração do site O Eco, é conhecido como o “embaixador capixaba do sal-gema” – minério cuja extração pela Braskem causou uma crise de desabrigados em Maceió, Alagoas. Rigoni teria o poder de decidir a respeito dos licenciamentos. Mas não só, também poderá “propor a criação de procedimentos licenciadores próprios para setores específicos”.
Também irá “propor, analisar e deliberar” sobre Instruções Normativas e Portarias das seguintes autarquias: Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos(Iema), Instituto Estadual de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) e Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Os três órgãos, inclusive, irão compor o CGA com seus diretores-presidentes e diretores técnicos, com duas cadeiras para cada autarquia. Além deles, o CGA também contará com outros 6 membros indicados pelo governador, o que levanta o alerta nos servidores de uma possível atuação “chapa branca”.
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“Há um desmonte em curso no Iema, porém ele tem uma legislação que não foi revogada. Foi criado por lei complementar [LC 248/2002], onde consta a questão do licenciamento. A nova lei entra em conflito com essa legislação em vários pontos”, avaliou Silvia Sardenberg, servidora do Iema, para o site O Eco.
As “10 barbaridades” do PL da Destruição segundo o ISA
O PL 2159/21 praticamente promove o desmonte das normas de licenciamento ambiental e tramita nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente do Senado, podendo ser aprovado e ir a plenário a qualquer momento. De acordo com nota publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA), irá isentar de licença e de estudos de impacto ambiental grande parte dos empreendimentos e as empresas que os gerem. Paralelamente, aponta o ISA, irá “socializar os prejuízos ambientais”.
“O licenciamento é a peça central da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida há mais de 40 anos. Antes dele, crianças nasciam sem cérebro por causa da poluição industrial em Cubatão e hidrelétricas alagavam milhares de quilômetros quadrados da Amazônia para gerar quase nada de energia. Por ter desfigurado o instituto do licenciamento ambiental, o PL 2.159 ficou conhecido como “mãe de todas as boiadas”. O relançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), neste mês, aumenta a pressão pela aprovação da lei, mesmo que ela esteja em franco desalinho com as promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incentivar a transição ecológica e zerar o desmatamento”, explica o ISA.
A organização então elaborou uma lista com as “10 barbaridades” do projeto. Confira a seguir.
- Isenção ampla e irrestrita: O artigo 8º do PL lista 13 tipos de empreendimentos isentos de licenciamento ambiental, incluindo estações de tratamento de esgoto e serviços de melhoria em estruturas existentes;
- Definição de "baixo e médio impacto": O PL permite que estados e municípios determinem o que é considerado "baixo e médio impacto", o que pode levar a normas variadas e dispensas potencialmente perigosas;
- Agricultura e pecuária extensiva isentas de licenciamento: O artigo 9º do PL dispensa atividades agrícolas e pecuárias extensivas de licenciamento, incluindo em terras com pendências no Cadastro Ambiental Rural (CAR);
- Renovação autodeclaratória de licenças: Os parágrafos 4º e 5º do artigo 7º permitem que empreendedores renovem licenças sem consulta aos órgãos ambientais, apenas preenchendo uma declaração online;
- Limitação de condicionantes: O artigo 13 do PL limita de forma inconstitucional as condicionantes do licenciamento, transferindo o ônus para a sociedade em vez do empreendedor;
- Autolicenciamento: O PL permite que alguns empreendimentos se "autolicenciem" preenchendo um formulário online, tornando o licenciamento exceção em vez de regra;
- Licença corretiva: O artigo 22 do PL é generoso ao suspender multas e anistiar crimes ambientais passados para empreendimentos operando sem licença ambiental;
- Ameaças a áreas protegidas: Os artigos 39º a 42º limitam a atuação de órgãos como Funai, Fundação Palmares, Iphan e ICMBio no licenciamento, colocando em risco terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação;
- Prazos irreais: O artigo 43 estipula prazos máximos para o licenciamento, o que pode aumentar a judicialização em casos complexos;
- Impunidade para bancos: O artigo 54º do PL impede que os bancos sejam responsabilizados por crimes ambientais cometidos por empreendimentos que financiam, conflitando com a legislação ambiental existente.