Por Nilto Tatto *
O substitutivo ao projeto de lei nº 3.729/2004, elaborado pelo deputado Neri Geller (Progressistas), com previsão de votação na Câmara dos Deputados na terça-feira (11/05), representa uma investida direta contra o marco legal de proteção do Meio Ambiente. De um só golpe, afronta, ao invés de regulamentar, o Artigo 225 da Constituição da República – ao abrandar o dever do poder público de defender e preservar o meio ambiente – e rompe com o princípio da precaução, ampliando enormemente os riscos de desastres e catástrofes ambientais.
A investida combina três movimentos. Primeiro, isenta de licenciamento ambiental uma enorme quantidade de obras, empreendimentos e atividades. Depois, atribui aos estados a definição do que deve ou não ser licenciado. E por último, flexibiliza ao extremo o licenciamento que ainda terá que ser feito, permitindo a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um termo que funciona praticamente como uma autoavaliação de impacto, mesmo para os casos com potencial de dano ambiental, como serviços e obras direcionados à ampliação de capacidade e pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão. Nesses casos, se enquadraria por exemplo, a pavimentação da BR 319 – que corta o coração da floresta amazônica.
Ao dispensar de licenciamento ambiental inúmeras atividades reconhecidamente causadoras de degradação do meio ambiente, a proposta afasta a exigência de estudos prévios de impactos ambientais destas intervenções. O estudo prévio de impacto ambiental é uma das condições presentes no Art. 225 da C.F para assegurar a efetividade do direito a todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para se ter uma ideia da amplitude do retrocesso, ficam dispensados de licenciamento um conjunto de obras, serviços e empreendimentos que vão de instalações militares, passando por estações de tratamento de água e esgoto, até distribuição de energia elétrica na zona rural. Não para por aí: ficam isentas de licenciamento praticamente todas as atividades da agropecuária, como o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; pecuária extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte, entre outros, desde que atendidas determinadas condições que são, na melhor das hipóteses, anteriores ou complementares ao licenciamento.
Ao desprezo e à ignorância dos fundamentos e importância da ciência dá-se o nome de negacionismo. Assim podemos classificar a postura adotada pelo relator ao adotar e generalizar a aplicação da LAC, tão ao gosto de bolsonaristas de toda laia, ao estilo dos ruralistas que promovem o desmonte ambiental.
Mas não é só. Depois de estabelecer na lei federal a dispensa de licenciamento para uma ampla gama de situações, o projeto confere aos estados a atribuição de definir as tipologias de atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental sem nenhum parâmetro, critério ou padrão de base válido para todo o país.
A intenção é clara e o resultado previsível: desobrigar estados e municípios de cumprirem e aplicarem a norma geral – pelo fato de que não existe norma geral; ocorrência de uma “guerra ambiental” entre os entes federados pela atração de obras e investimentos, uma espécie de anarquia federativa, na qual o rebaixamento das exigências para o licenciamento será a arma utilizada e a vantagem comparativa oferecida aos investidores. Uma guerra que inicia com derrotados: o meio ambiente e a coletividade, desarmados que foram dos instrumentos de precaução e segurança.
Se aprovado, o PL do deputado Neri Geller não irá provocar estragos apenas ao meio ambiente. De imediato, será judicializado, haja visto tamanha afronta e retrocesso do marco legal vigente. Além disso, colocará o Brasil em posição ainda mais isolada no cenário internacional, comprovando a falácia do presidente Bolsonaro na recente Cúpula de Líderes pelo Clima, na qual insinuou alguma sensibilidade ambiental. Insegurança jurídica e retrocessos ambientais não ajudam, pelo contrário, comprometem os interesses de todos setores produtivos, especialmente aqueles que mais dependem da pauta de exportações. É aparente e ilusória a ideia que enfraquecendo a proteção ambiental se fortalece a produção.
O Brasil deve retomar a trajetória de desenvolvimento com manutenção dos ativos ambientais e promoção da justiça social. Essa é a estratégia que nos colocará de volta no cenário global como potência, não com base no poder militar nem com as pretensões de dominação dos países imperialistas. Mas como país potência ambiental, detentor das maiores riquezas naturais do planeta, como a biodiversidade, recursos hídricos, solos férteis e florestas essências para a superação da crise climática.
O licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos de orientação para trilhar esse caminho de prosperidade, aberto a bem-estar do nosso povo, solidário com a comunidade global e de proteção à natureza. Destrui-lo, como pretende a base aliada do governo Bolsonaro, apenas nos afasta desse objetivo, transformando o licenciamento ambiental em exceção, e não em regra, como é em todo o mundo.
É hora de nos mobilizar para a boiada não passar!
*Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP). Foi presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, da Frente Parlamentar Ambientalista e atualmente é o secretário nacional de Meio Ambiente do Partido dos Trabalhadores.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.