Ainda lutando por sua demarcação, a Terra Indígena Kapôt Nhinore, ocupada pelos povos Yudja (Juruna) e Mebengokrê (Kayapó), entre Santa Cruz do Xingu (MT), Vila Rica (MT) e São Félix do Xingu (PA) – local onde o famoso cacique Raoni Metukire passou sua juventude – é uma das que mais sofre com o assédio de fazendeiros oriundos do agronegócio. Dos seus 362 mil hectares, 258 mil são reivindicados pelos fazendeiros. Nesse contexto, a Associação Pastana Yudja Juruna do Xingu (Apyjx) denunciou a invasão do território, no último sábado (16), por três parlamentares bolsonaristas que alegavam estar ali para fazer uma visita técnica.
Daniel Yudja Juruna, presidente da entidade, enviou um ofício à Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), ao Ministério dos Povos Indígenas, ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, pedindo que os parlamentares sejam investigados. Todos são do PL e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), são eles Coronel Fernanda (MT), José Medeiros (MT) e Silvia Waiãpi (AP). Segundo os indígenas, não havia autorização ou aviso prévio da visita, nem à Funai e nem aos próprios povos que habitam o local.
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Os parlamentares foram ao local no contexto da Comissão Externa Sobre a Delimitação da Terra Indígena Kapôt Nhinore, criada por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados. A Coronel Fernanda assumiu a coordenação dos trabalhos da comissão, cujo objetivo é apurar os impactos da demarcação da terra nos três municípios que a rodeiam.
De acordo com o plano de trabalho da comissão, haveria no local “agricultores que desenvolvem atividades agropecuárias há 40 anos”. O objetivo dos parlamentares ali era claramente representá-los. Nas redes sociais, a Coronel Fernanda deixou tudo às claras, em postagem com os outros dois parlamentares e os ‘agricultores’ que os acompanharam na invasão.
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“As audiências que trataram sobre os impactos da demarcação da TI [Kapôt Nhinore] na região e os desdobramentos nos municípios de Mato Grosso e Pará contaram com a presença de produtores rurais, população, prefeitos, líderes indígenas, autoridades locais e deputados”, diz a publicação.
A criação da comissão veio exatamente no momento em que o processo pela demarcação do local começou a andar na Justiça. Foi só no último mês de julho, durante o “Chamado de Raoni”, reunião que envolveu os povos da região, que a Funai anunciou a aprovação dos estudos, iniciados em 2004, que determinam a delimitação da terra.
O cacique Raoni Metukire é uma das lideranças indígenas mais longevas e conhecidas internacionalmente. Ele passou a juventude na TI Kapôt Nhinore, onde alguns dos seus familiares foram enterrados. Atualmente vive na TI Capoto Jarina, vizinha a Kapôt Nhinore.
Visita não autorizada
De acordo com o ofício da Apyjx, a visita dos parlamentares bolsonaristas não estava autorizada e foi tratada como uma invasão do território. Os políticos chegaram ao local na tarde de sábado, em momento que os caciques estavam reunidos fora da aldeia e organizavam a viagem para Brasília a fim de acompanhar o julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal.
“Dentro da nossa comunidade, eles [os deputados e demais visitantes] falavam muito e tiravam fotos e faziam vídeos, fazendo sempre anotações, e com o tom de palavras no sentido de intimidar as poucas pessoas presentes naquela hora. Quando aparecem junto à Polícia Militar e fazendeiros que são contrários à demarcação da terra indígena, colocam em risco os indígenas que aqui estão e constrangem as pessoas”, diz o documento.
A Coronel Fernanda chegou a ser questionada pelos indígenas sobre a intrusão e deu uma inacreditável resposta, carregada de autoritarismo. “Sou autoridade e posso entrar em qualquer lugar, somos deputados federais e vamos entrar onde queremos”, disse a deputada conforme relatos dos indígenas à Agência Pública.
Ao mesmo site, a parlamentar declarou: “É livre [o acesso], já que não se trata de um local delimitado como Terra Indígena, dispensando assim os procedimentos exigidos pela Funai”.