O Movimento dos Atingidos por Barragens levou ao Congresso brasileiro, com o apoio de mais de 90 entidades da sociedade civil, a campanha batizada de Revida Mariana, que está cobrando na Justiça, de duas das maiores mineradoras do mundo -- a Vale e a anglo-australiana BHP -- reparação pelo crime ambiental de Mariana.
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da Samarco no município mineiro matou 19 pessoas e devastou o leito do rio Doce, causando impactos em todo o vale, inclusive no Espírito Santo.
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Quase oito anos se passaram e as empresas controladoras da Samarco ainda não pagaram uma reparação justa a um milhão de pessoas prejudicadas, argumenta o MAB.
O movimento criou o site Revida Mariana para esclarecer a população sobre a ação judicial que está movendo no Reino Unido. O slogan é "justiça para limpar essa lama".
Ontem, na Comissão Externa para Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação da Câmara dos Deputados, houve uma audiência pública para tratar do assunto.
A Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada em 6 de maio de 1997 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, por uma quantia ínfima em relação ao valor de suas reservas minerais.
Preparando a privatização, FHC passou pelo Congresso a lei Kandir, que entrou em vigor em 1 de novembro de 1996.
Não foi coincidência: a lei, que leva o nome de um ex-ministro de FHC, Antonio Kandir, isenta de pagamento de ICMs a exportação de produtos primários, o que inclui o minério de ferro que a Vale explora no Pará e em Minas Gerais.
Em outras palavras, a lei turbinou a exportação de produtos primários sem deixar grandes benefícios para a população local, com preços favoráveis aos compradores -- especialmente a China --, deslocando os lucros para acionistas privados.
A Vale informou em 31 de agosto que 73,89% de suas ações estão pulverizadas pelo mundo. A Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil) tem 8,72%, a japonesa Mitsui 6,31% e o maior fundo gestor do planeta, Blackrock, 6,01%.
A Vale teve um lucro líquido de R$ 95,9 bilhões em 2022.
A gigante anglo-australiana BHP tem como principal foco a exportação de minério de ferro e carvão metalúrgico, pois estima que a demanda por aço vai dobrar nos próximos 30 anos, em relação aos 30 anos anteriores.
Baseada em Melbourne, ela explora carvão na Austrália, níquel no Canadá, cobre no Chile e no Brasil se juntou à Vale para compor a Samarco, que exporta minério de ferro.
A BHP encerrou o ano fiscal de 2022 com lucro de U$ 34,1 bilhões, equivalentes a R$ 168 bi em reais pelo câmbio de hoje.
Em seu balanço, a empresa diz que pagou U$ 17,1 bilhões em impostos e royalties a governos (equivalentes hoje a mais de 84 bi de reais), sendo 70% na Austrália.
Enquanto isso, os acionistas da BHP receberam U$ 8,9 bilhões em dividendos.
O objetivo da campanha Revida Mariana é obter apoio da opinião pública para que as reparações pagas pela Vale e BHP não fiquem restritas ao acordo em negociação com o Ministério Público Federal.
As punições relativamente leves às duas empresas, passados oito anos do crime ambiental, são atribuídas ao poderoso lobby que elas exercem no Executivo e no Judiciário de Minas Gerais.
Em entrevista, o consultor da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), Waldir Salvador admitiu:
Por ser um segmento riquíssimo, muito bem remunerado pela atividade que faz, a mineração tem condição de fazer um lobby pesadíssimo. [...] Identificamos tal lobby nas declarações dos deputados que sempre receberam verbas significativas da atividade mineradora.
O texto da campanha que foi apresentada ontem ao Congresso diz:
Imagine se isso tivesse acontecido em alguma das cidades mais ricas do mundo. Ninguém jamais aceitaria. Mas aqui no Brasil, o desastre ambiental em Mariana (MG), que a Vale e a BHP, duas das maiores mineradoras do mundo, sendo uma delas de origem anglo-australiana, ainda deixa um rastro de destruição na nossa casa.
A lama da Samarco, Vale S/A e BHP Billiton, percorreu 600 km de rios e córregos, assim que a Barragem de Fundão se rompeu, em 5 de novembro/2015 e, ainda hoje, em setembro/23, continua fazendo estragos e impactando vidas com novas perdas sociais, ambientais e financeiras.
Foram 19 vítimas fatais, 56 milhões de metros cúbicos de rejeito despejados na calha do Rio Doce, 1.469 hectares de vegetação destruídos, 46 municípios atingidos, com danos e devastação imensos em Bento Gonçalves, Paracatu e Gesteira.
Além de causar a morte de milhares de seres vivos no interior dos rios, a lama destruiu quilômetros de vegetações, tirou o sustento da população ribeirinha, trouxe danos aos modos de vida de quilombolas e indígenas, destruiu boa parte da mata ciliar, petrificou o solo com os resíduos da mineração impedindo, com isso, que a vida voltasse a brotar em vários locais atingidos.
As negociações por um possível acordo entre o governo brasileiro e as empresas responsáveis por essa tragédia se estendem há anos. Em 2018, esse caso chegou à justiça britânica por meio do escritório de advocacia Pogust GoodHead.
Até o momento nenhum dos 26 acusados foi punido criminalmente e 15 já foram absolvidos e o julgamento no Reino Unido está marcado para outubro de 2024.
Trata-se da maior ação coletiva ambiental do mundo, com indenização estimada em R$ 230 bilhões.