EXCLUSIVO

Guilherme Cortez: "Há um grupo que usa aplicativos para atacar, roubar e matar LGBTs em SP"

Em entrevista à Fórum, o deputado estadual fala sobre a CPI da Homofobia que pretende instalar na Assembleia Legislativa de SP e como os aplicativos de encontros podem ser responsabilizados por não fornecer segurança aos usuários

Escrito en LGBTQIAP+ el

O jovem Leonardo Rodrigues Nunes, de 24 anos, foi morto a tiros na madrugada do dia 12 de junho na região sul da cidade de São Paulo, especificamente no bairro Sacomã. Nunes tinha marcado um encontro via o aplicativo Hornet, que é muito utilizado pela comunidade LGBT+.

A trágica história de Leonardo Rodrigues Nunes, infelizmente, não é a única. Após a morte do jovem, uma série de relatos com histórias semelhantes à de Leonardo surgiram nas redes sociais. Diante de tal quadro, o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP) anunciou que iria colher assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os crimes LGBTfóbicos em São Paulo, mas também para apurar outros crimes semelhantes ao de Leonardo, ou seja, de homens gays que foram vítimas de emboscadas após marcar encontro por aplicativos.

Em entrevista à Fórum, o deputado Guilherme Cortez explica quais são os objetivos da CPI da Homofobia. "O intuito da nossa CPI é que a Assembleia Legislativa não fique inerte e não fique em silêncio diante desses casos e dessa denúncia [...] Nós temos visto um aumento nas ocorrências de violência LGBTfóbica com especial atenção para esses casos das emboscadas e nós achamos que a Assembleia Legislativa tem a prerrogativa de investigar e, sobretudo, buscar as políticas públicas para combater essas ocorrências", afirma Cortez.

Levantamento feito pelo instituto Pólis mostra que a violência contra as pessoas LGBTQIA+ cresceu 970% entre os anos de 2015 e 2023. E, especificamente em São Paulo, houve um aumento de 1.424% entre os anos de 2015 e 2022, com um total de 3.868 vítimas. Para o deputado Guilherme Cortez, a Alesp "não pode ficar inerte" diante de tais números.

"Apresentamos um pedido para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para que se possa investigar tanto esses casos específicos dos aplicativos que nós tivemos até agora e pensar de qual maneira nós podemos tornar esses aplicativos mais seguros e garantir a proteção das pessoas LGBTs, mas também fazer um diagnóstico dessa realidade no estado de São Paulo em geral [...] o intuito da nossa CPI é que a Assembleia Legislativa não fique inerte e não fique em silêncio diante desses casos", explica Guilherme Cortez.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com o deputado Guilherme Cortez:

Fórum - Deputado, eu queria que você começasse explicando pra gente o objetivo da CPI da Homofobia e qual é o escopo dela.

Guilherme Cortez - Nós tivemos algumas semanas atrás mais um caso de assassinato de um jovem gay na cidade de São Paulo após marcar um encontro através de um desses aplicativos de relacionamento, o caso do Leonardo. Infelizmente, esse caso, que já é indignante por si só, não é um caso isolado.

Na verdade, desde o começo do ano o nosso mandato tem recebido denúncias constantes de desaparecimentos, emboscadas e crimes semelhantes, principalmente na cidade de São Paulo, principalmente naquela região próxima ao Sacomã (zona sul da cidade de São Paulo), mas não só, crimes com características muito similares, sobretudo contra homens gays, que são emboscados após marcarem esse tipo de encontro.

 

Nós sabemos que o Brasil é um país especialmente violento contra a população LGBT, que esse não é o único tipo de ocorrência de violência contra a nossa comunidade, mas tudo indica que está se desenvolvendo um grupo, uma prática constante para se atacar, roubar e assassinar pessoas homossexuais e LGBTs em geral.

 


Então, o intuito da nossa CPI é que a Assembleia Legislativa não fique inerte e não fique em silêncio diante desses casos e dessa denúncia. Aliás, segundo o levantamento que foi feito esse ano, os casos de violência homofóbica e LGBTfóbica na cidade de São Paulo em específico, explodiram ao longo do último ano.

Nós temos visto um aumento nas ocorrências de violência LGBTfóbica com especial atenção para esses casos das emboscadas e nós achamos que a Assembleia Legislativa tem a prerrogativa de investigar e, sobretudo, buscar as políticas públicas para combater essas ocorrências.

Portanto, apresentamos um pedido para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para que se possa investigar tanto esses casos específicos dos aplicativos que nós tivemos até agora e pensar de qual maneira nós podemos tornar esses aplicativos mais seguros e garantir a proteção das pessoas LGBTs, mas também fazer um diagnóstico dessa realidade no estado de São Paulo em geral.
 

Fórum - Deputado, nós temos uma outra questão também que envolve os aplicativos, que é uma total falta de transparência. De que maneira vocês pensam em abordar essas empresas?

Guilherme Cortez - Nós oficiamos de imediato após a ocorrência, no caso do Leonardo, os aplicativos, pedindo tanto a marcação de reuniões quanto cobrando quais são as medidas de segurança e recomendando algumas medidas para que esses aplicativos adotassem.

Eu concordo plenamente com você. Esses aplicativos, antes de tudo, são empresas, empresas lucrativas, com interesse e cada vez mais abertos e estão submetidos, portanto, também a toda a nossa legislação para empresas, inclusive para o Direito do Consumidor.

 

As pessoas que utilizam essas plataformas precisam estar respaldadas, precisam ter segurança e as empresas precisam se responsabilizar pela proteção dos seus usuários, pelos eventuais danos que são causados pela sua atividade aos seus usuários. O que a gente vê é que pela própria natureza dessas empresas, desses aplicativos, eles são muito descuidados, têm muitas lacunas no que diz respeito à segurança dos seus usuários: não buscam a identificação, não têm mecanismos de rastreio, não têm mecanismos de proteção da privacidade dos seus usuários, que podem trazer grandes problemas. Então a gente não pode admitir que essas empresas continuem com as suas atividades sem qualquer tipo de regulamentação e sem que essa regulamentação assegure condições mínimas de segurança dos seus usuários.

 

Então eu acredito que seja importante que as empresas avancem, tanto em relação à identificação, quanto a ferramentas de rastreio, ferramentas de acionamento das autoridades policiais, identificação dos envolvidos, coisa que hoje está muito em falta.

E um dos objetivos nossos com essa CPI é que a gente possa analisar esses casos, que a gente possa convocar também os representantes das empresas, que algumas sequer têm sede no Brasil, por exemplo, para que eles possam prestar informações se questionadas e a CPI, dentro das suas prerrogativas, faça as proposições e as recomendações para mudar esse cenário.
 

Fórum - Deputado, você tocou no ponto que elas são empresas: o senhor acha que elas podem ser enquadradas na lei 10.948/01 (Lei anti-homofobia que foi aprovada em 2001 e que prevê sanções administrativas a entes públicos e privados) do Estado de São Paulo?

Guilherme Cortez - Bom, a lei 10.948 prevê as sanções no âmbito do que o Estado de São Paulo pode legislar, então não em matéria penal, mas com responsabilidade administrativa, advertência, perda de alvará para estabelecimentos e pessoas envolvidas com prática de LGBTfobia.

Então, sem sombra de dúvidas, se essas empresas estiverem envolvidas com essas práticas, elas podem ser enquadradas. Me parece que a principal responsabilidade das empresas é principalmente por não garantir a segurança e por se tornarem plataformas livres nas quais esses criminosos, esses grupos, atuam para tentar aliciar e emboscar pessoas LGBTs.

Então, me parece que é uma prática dessas empresas, até porque elas próprias lidam diretamente com o público-alvo da comunidade LGBT, então me parece que é uma prática delas. Acho que o principal problema das empresas é não estarem tomando as medidas de segurança para inibir, para combater, para impedir que elas sejam utilizadas como plataformas. Então eu ficaria mais pelo Código de Defesa do Consumidor, que disciplina toda a responsabilidade que as empresas têm pelo serviço que elas oferecem, inclusive por garantir a segurança, a salubridade, a privacidade, o respeito aos direitos dos seus usuários, do que pela 10.948.

A gente pode aplicar ela por analogia também. Elas não estão isentas de, no âmbito do Estado de São Paulo, se estiverem implicadas em atos de violência ou discriminação, serem enquadradas nessa lei também.
 

Fórum - Tem uma outra questão também. Quando o Léo foi assassinado, pipocaram uma série de relatos, principalmente no X (antigo Twitter), de homens gays que foram vítimas dessas emboscadas. A homofobia foi tipificada como um crime, então ela deve estar presente no Boletim de Ocorrência, no entanto, 90 % das vítimas dizem que quando chegam na delegacia, elas são desencorajadas. A CPI pretende atuar sobre isso também?

Guilherme Cortez - Primeiro, uma questão que eu não posso deixar de dizer. Sempre que a gente recebe essas denúncias, principalmente quando elas surgem nas redes sociais, de maneira difusa, que você tem uma dificuldade de controlar a informação, a gente toma todo um cuidado possível e imaginável para averiguar a veracidade dos fatos. Porque, mais de uma vez, por exemplo, a gente já recebeu denúncias semelhantes de pessoas que poderiam ter desaparecido ou não, e que daí não dizem a respeito a isso. A pessoa foi encontrada. E a gente sabe que a proliferação dessas informações, quando falsas, elas têm um efeito negativo, que é deixar a população apreensiva, com medo, e causar mais dor e sofrimento.

Agora, além do caso do Leonardo, houve mais de um caso com, provadamente, pessoas que foram assaltadas, foram esfaqueadas, emboscadas, mortas, com essas características que são verídicas, que estão no boletim de ocorrência, que fizeram suas denúncias, que nós tivemos acesso a tudo isso.

Por isso, inclusive, também oficiamos a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Polícia Militar (PM), pedindo acesso a informações sobre esses casos, para saber como que eles foram enquadrados e como que eles estão sendo investigados.

Agora, o que você diz é fundamental. Um dos problemas que nós temos hoje no Brasil, já completando cinco anos da criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é que boa parte das ocorrências de ódio contra a população LGBT não são assim tipificadas. Então, um pouco são... as pessoas são responsabilizadas nesses termos. Então, a gente já tem muita coisa para avançar. A própria lei 10.948 que você citou, que a gente já tem mais de 20 anos nessa lei, que foi pioneira lá atrás, em ser uma legislação estadual de combate à discriminação motivada pela intolerância sexual, à identidade de gênero, é uma lei que hoje o balanço que o movimento LGBT faz é que ela foi pouco colocada em prática, pouco efetivada, porque poucos casos de fato terminaram com uma resolução, uma responsabilização das pessoas envolvidas.

Então, nós precisamos de uma reforma, de uma conscientização, de uma política pública voltada, sobretudo para a autoridade policial, para as forças da segurança pública, para que esses casos possam ser adequadamente tipificados. Primeiro, para que a gente, no mínimo, tenha as informações do que eles são, para que a gente possa fazer estatísticas, possa fazer levantamentos, possa ver quais são as características em comum entre esses casos.

E, segundo lugar, para que a gente possa trabalhar pela responsabilização das pessoas envolvidas da forma correta. Então, um crime de assassinato ou motivado pela orientação sexual ou identidade de gênero alheia, ou, nesse caso, um crime de latrocínio, como foi o caso do Leonardo, que foi com motivações LGBTfóbicas, com métodos LGBTfóbicos, com características LGBTfóbicas, precisa ser tipificado e responsabilizado. E as pessoas precisam ser apenadas nesses termos. Não apenas como crimes comuns, que não são menos validáveis, mas considerando seus agravantes, considerando as suas motivações e os seus métodos. Então, um dos objetivos da CPI também é fazer esse diagnóstico sobre os casos que já aconteceram, buscar identificar se, de fato, existe uma quadrilha, um grupo, está se tornando uma prática no Brasil, e por quais motivações. identificar quais são as características dessas ocorrências e, acima de tudo, quais foram o que deixou de ser feito por parte das autoridades, como que eles foram enquadrados e como que eles estão sendo tratados.
 

Fórum - Entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, nós tivemos uma série de assassinatos de homens que foram emboscados após marcar encontro com outros homens. À época foi realizada uma imensa campanha com toques de segurança para a comunidade LGBT. O senhor acredita que cabe a realização de uma nova campanha neste momento?

Guilherme Cortez - Completamente, completamente. Eu acho que a população LGBT, por vários motivos, está mais vulnerável na sua segurança, inclusive nas suas relações. Isso é histórico. Isso também diz respeito aos espaços em que a população LGBT teve que buscar as suas relações, teve que buscar afirmar a sua identidade, que são sempre nos guetos, são sempre às escondidas, são sempre condições de maior vulnerabilidade, inclusive vulnerabilidade em relação à sua proteção básica, tanto em relação à sua saúde, quanto em relação à sua segurança.

 

Eu acho que tem uma analogia muito importante essa que você faz, porque não é a primeira vez histórica e nem historicamente que a gente tem, no Brasil e no estado de São Paulo, emboscadas direcionadas contra pessoas LGBT. Geralmente a gente pensa que os crimes de LGBTfobia, homofobia, transfobia, são só um crime estrito senso de ódio. A pessoa vai lá, não vai com a sua cara e te assassina na rua, por exemplo. Agora, essas ocorrências são direcionadas especificamente contra uma comunidade, contra as mulheres, contra as pessoas negras, contra as pessoas LGBTs, nos espaços que essas pessoas frequentam, nos canais de relacionamento das pessoas, também são crimes que têm motivações LGBTfóbicas, têm táticas e estratégias LGBTfóbicas para atingir as suas vítimas e que não aconteceriam se não se tratassem de populações vulnerabilizadas.

 

É fundamental que esses aplicativos se responsabilizem pelas medidas de segurança, que eles também sejam obrigados a criar campanhas de conscientização e recomendações de segurança para os seus usuários, para além das suas próprias políticas, botão de emergência, identificação dos usuários, rastreio das atividades, por exemplo. Mas que também é papel do poder público estabelecer medidas e políticas sobre conscientização, campanhas para proteger a população diante dessas situações de vulnerabilidade e casos de violência.
 

Fórum - Como está a articulação da CPI da Homofobia na Alesp?

Guilherme Cortez - São 32 assinaturas, a gente está próximo desse número, a gente está com 25, pela última vez que eu vi, há algum tempo atrás. Agora ocorreu o final do semestre legislativo, o começo do recesso, o que atrapalha um pouco, mas estamos com boas expectativas.