TRANSFOBIA

Uma pessoa trans é assassinada a cada 3 dias no Brasil, aponta relatório

Associação Nacional de Travestis e Transexuais aponta para aumento de casos em 2023 e alerta para as “milícias antigênero"

Brasil lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo.Créditos: Base Image/Canva Imagens
Escrito en LGBTQIAP+ el

O Brasil tem um assassinato de pessoa trans a cada três dias, segundo o relatório da Associação Nacional de Travestis e Transssexuais (Antra), lançado nesta segunda-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans

Em todo o ano de 2023 foram 145 pessoas travestis e transexuais assassinadas. O número representa um aumento de 10% em relação ao ano anterior e uma média de três vítimas a cada 72h. Do total de mortes, 5 eram de defensoras dos Direitos Humanos. A maioria das vítimas eram travestis e mulheres trans/transexuais, somando 136. As outras 9 pessoas eram homens trans e pessoas transmasculinas

O Brasil permanece, pelo 15º ano consecutivo, como o país que mais mata pessoas trans no mundo, segundo  a Transgender Europe (TGEU). O relatório observou o período entre 2008 e 2023 e constatou uma média de 126 assassinatos por ano. Em 2023, com 145 casos mapeados, o ano ficou 15% acima da média de assassinatos em números absolutos. O estudo afirma que desde o início da pesquisa em 2017, o número de assassinatos anuais seguiu acima da média de todos os casos.

O estudo ressalta que essa é a a primeira edição produzida durante um governo que não é de direita/extrema-direita, e que “se coloca publicamente em defesa da diversidade, embora ainda em um contexto polarizado, onde o campo antigênero passa a intensificar seus ataques e as pessoas trans tem sido alvo prioritário das milícias antigênero”. A Antra ainda afirma que essas milícias “seguirão instrumentalizadas até que tenhamos um enfrentamento comprometido e efetivo das narrativas antitrans e o rompimento com as práticas disseminadas pela ultra-direita e outros grupos antitrans”. 

Dois casos foram destacados no relatório como uma situação “curiosa” da realidade brasileira. “É muitíssimo curioso observar que dois dos principais casos de transfobia com impactos diretos na vida na população trans e travesti do Brasil, e que chamaram atenção na esfera pública, ocorridos no país em 2023, venham respectivamente da extrema direita e do atual governo”, afirma o relatório.

Os casos a que se refere são os ataques transfóbicos de “um deputado federal [Nikolas Ferreira (PL-MG)], com diversas denúncias e condenações por transfobia, que atacou diretamente mulheres trans e travestis em sessão no plenário da câmara federal no dia internacional das mulheres, utilizando do expediente público para zombar da população trans”. O outro é o “destaque transfóbico”, como diz o relatório, foi a publicação do Decreto nº 11.797 de 27 de novembro de 2023 sobre o Novo RG40 , em que o governo decidiu voltar atrás e manter os campos “sexo” – que nunca constou no documento de identidade –, e “nome de registro” e “nome social” no mesmo documento.

O relatório ainda apontou casos nas esferas da educação, com estudantes trans sendo vítimas de violência em escolas e universidades, e no campo das redes sociais. A Antra entrou com uma ação no Ministério Público Federal (MPF) para denunciar a alteração da Política de Discurso Violento do X (antigo Twitter) que retirou o "enquadramento intencional com o gênero errado ou o uso do nome de nascimento de indivíduos transgênero” (deadnaming e misgendering) como discurso de ódio na plataforma.

Perfil das vítimas

Dentre as pessoas trans assassinadas em 2023, 81% (90 vítimas) tinham entre 13 e 39 anos. A idade média das vítimas foi de 30,4 anos.

Entre as vítimas, nos casos em que foi possível identificar a atividade, 57% travestis e mulheres trans que atuam como profissionais do sexo. A Antra ressalta que essa é a parcela da população trans "mais exposta à violência direta e que vivencia o estigma que os processos de marginalização impõem a essas profissionais".

Em relação à raça, 72% das vítimas eram pessoas trans negras (pretas e pardas, de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial).

O relatório ainda destacou que em 2023, três pessoas trans menores de 18 anos foram assassinadas, duas com 13 anos e uma com 16 anos. Em 2021, foi registrado o primeiro caso de transfeminicídio contra uma criança de 13 anos.

Estados com mais assassinatos

São Paulo liderou o ranking de assassinatos em 2023, com 19 casos, um aumento de 73% em relação a 2022. Já o Rio de Janeiro dobrou o número, alcançando 16 assassinatos, saindo da quinta posição e ocupando a segunda. O Ceará e o Paraná, que dobrou o número de assassinatos em relação a 2022, registraram 12 casos.

O relatório afirma que o que chama atenção é que 65% (90 casos) aconteceram fora das capitais dos estados, em cidades do interior.

Considerando o período entre 2017 e 2023, o ranking por estado segundo dados absolutos fica:

  1. São Paulo com 135 casos;
  2. Ceará com 96 casos;
  3. Bahia com 89 casos;
  4. Rio de Janeiro com 83 casos;
  5. Minas Gerais com 80 casos;
  6. Pernambuco com 68 casos;
  7. Paraná com 54 casos;
  8. Pará com 41 casos;
  9. Amazonas e Paraíba com 38 casos;
  10. Goiás com 36 casos