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O casamento civil LGBT vai acabar?

Em entrevista à Fórum, a advogada Luanda Pires, especialista em Direito Antidiscriminatório, tira todas as dúvidas

O casamento civil LGBT vai acabar?.Créditos: Pierre Triboli/ Câmara dos Deputados
Escrito en LGBTQIAP+ el

Nesta quarta-feira (27), a Comissão de Previdência e Família submeterá à votação o Projeto de Lei 5167/2009, de autoria dos deputados Capitão Assumção (PSB-ES) e Paes de Lira (PTC-SP), que tem como objetivo proibir o casamento civil LGBT.

Além dos argumentos religiosos, o texto fundamenta-se no artigo 226 da Constituição, que estabelece que "a unidade familiar é constituída por um homem e uma mulher".

Na última sessão, após mais de 4 horas de discussão, chegou-se a um acordo: antes da votação, uma audiência pública foi convocada, a qual será realizada nesta terça-feira (26), a partir das 14 horas.

O casamento civil LGBT vai acabar no Brasil?

A partir do debate estabelecido na Comissão de Previdência, diversas dúvidas se disseminaram nas redes sociais, especialmente entre as pessoas LGBT+. A principal delas é: o casamento civil LGBT deixará de existir no Brasil?

Também foram apresentados cenários hipotéticos, como, por exemplo, supondo que o PL passe por todas as comissões, seja aprovado no plenário da Câmara e sancionado, como ficarão os direitos adquiridos a partir das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, que legalizaram o casamento civil LGBT no Brasil?

Para responder a essas perguntas e dissipar dúvidas, conversamos com a advogada Luanda Pires, especializada em Direito Antidiscriminatório.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Fórum - o Projeto de Lei 5167/2009, de autoria dos deputados Capitão Assumção (PSB-ES) e Paes de Lira (PTC-SP), que tem como objetivo proibir o casamento civil LGBT, é constitucional? 

Luanda Pires - Esse PL, ele é inconstitucional porque ele fere diversos direitos e garantias que estão protegidos pela Constituição Federal, estão elencados lá no artigo 5º da Constituição, que são princípios fundamentais da República, como o direito à igualdade, que garante que todas as pessoas são iguais perante a lei e tem direito à proteção contra qualquer discriminação, o próprio direito à não discriminação, seja por raça, religião, orientação sexual, identidade de gênero ou de qualquer outra natureza, o direito da proteção da dignidade da pessoa humana, que visa garantir uma existência digna a toda e qualquer cidadã, protegendo o direito de toda pessoa ser quem é dentro do Estado brasileiro, do direito à intimidade, que garante que ninguém pode sofrer interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar, que são ambientes constitucionalmente invioláveis, e o próprio direito de proteção à família, que é a base do Estado, e que garante que toda e qualquer pessoa, civilmente capaz, possa contrair o matrimônio e formar sua família de acordo com a sua vontade.

Então ele é inconstitucional porque ele está eivado de inconstitucionalidade. E são vários direitos. Aqui eu estou falando sobre alguns.  

 

Fórum - Os autores do PL usam como argumento o artigo 226 da Constituição, onde se lê que a unidade familiar "é formada por um homem e uma mulher". 

Luanda Pires -  Essa justificativa de que a Constituição estabelece como unidade familiar, união entre homem e mulher, essa interpretação, lá em 2011, inclusive, quando o STF equiparou as uniões homoafetivas às heterossexuais, que foi partindo daí, que a gente teve como garantia o casamento das pessoas homossexuais, e a defesa e proteção a essas famílias.

Lá, naquela época, o próprio Gilmar Mendes falou que o fato da Constituição proteger a união entre homem e mulher de forma específica não quer dizer que ela não protege ou não protegerá a união entre casais do mesmo sexo ou gênero.

Essa interpretação é homofóbica e fere a própria Constituição que prevê o direito a não discriminação. 

 

Fórum - Vamos trabalhar com um cenário hipotético de que esse PL passe por todas as Comissões, seja aprovado no plenário da Câmara dos Deputados e, posteriormente, sancionado. Os casamentos civis LGBT serão anulados? Como ficaria essa questão jurídica? 

Luanda Pires - Esse PL vai ser facilmente revertido no STF. Ele é inconstitucional. A gente vai entrar, acontecendo isso, a gente entra para pedir a declaração de inconstitucionalidade dele no STF, e essa matéria, o entendimento já é firmado. E é muito ruim, é muito difícil que a gente tenha um Estado que está em mora legislativa há muitos anos em relação à população LGBTQIA+.

Por isso que a gente precisa do judiciário interpretando a Constituição para que a gente consiga a ratificação dos direitos da população e que quando ele vem legislar [Congresso Nacional] ele venha para destruir, para cercear direitos que já foram absorvidos pela sociedade, isso é incontestável. 

A decisão de 2011 [STF], em 2013 o CNJ expediu o regramento para que os cartórios realizassem de forma direta o casamento, a união entre essas pessoas. Então não tem o que falar, e quem já casou não precisa se preocupar, isso vai ser derrubado.

É mais uma artimanha política desses deputados para que eles consigam fomentar o ódio, fomentar os eleitores deles que são fundamentalistas, que são altamente discriminatórios, infelizmente.