A Comissão de Previdência e Família tem sido, nas últimas semanas, o palco para os parlamentares fundamentalistas e de extrema direita deixarem bem claro que não consideram as pessoas LGBT+ dignas de humanidade e muito menos de acesso aos direitos civis, incluindo o casamento.
Isso ocorre porque está sendo discutido na Comissão o Projeto de Lei 5167/2009, de autoria dos deputados Capitão Assumção (PSB-ES) e Paes de Lira (PTC-SP), que visa proibir o casamento civil LGBT+. Para isso, eles utilizam argumentos bíblicos, como o de que "Deus não fez Adão e outro Adão". Portanto, trata-se de um texto inconstitucional, visto que o Estado é laico e suas leis não podem se basear em valores religiosos.
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No entanto, mesmo que os deputados da extrema direita sejam maioria na Comissão, a vida não tem sido fácil, uma vez que a bancada dos parlamentares LGBT+ e progressistas tem tido um papel excepcional para desnudar o discurso de ódio da parcela fundamentalista da Câmara dos Deputados.
Um dos nomes que tem se destacado e invariavelmente viralizado nas redes com vídeos que trazem recortes de suas falas contundentes é o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ).
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Desmontando o fundamentalismo
Natural de Niterói, Henrique Vieira é ator, poeta, professor e pastor fundador da Igreja Batista do Caminho. Sua atuação político-religiosa tem uma forte influência da Teologia da Libertação, que mescla o cristianismo com a ideia de justiça social.
Em entrevista à Fórum, Henrique Vieira fala sobre a batalha contra os fundamentalistas, que sempre faz questão de frisar que não representam todo o cristianismo, e revela que sofre ataques diariamente devido à sua postura na Câmara dos Deputados.
"Nas redes e no próprio parlamento, eu enfrento discurso de ódio. Indignação, tentando me diminuir, me destabilizar, me descaracterizar. Isso acontece dia sim, dia sim", diz Henrique Vieira.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Fórum - Como o senhor avalia a última sessão da Comissão de Previdência e Família, que debateu novamente o PL que visa proibir o casamento civil LGBT?
Pastor Henrique Vieira - É mais uma sessão difícil porque esse projeto é muito preconceituoso e discriminatório, então não há sessão fácil diante de um tema tão agressivo e antipático à dignidade humana. No entanto, mesmo em um ambiente difícil, nós conseguimos fazer um acordo para não votar. Ganhamos uma semana para ampliar o debate com a sociedade e influenciar os deputados.
Fórum - Qual é a importância de realizar uma audiência pública sobre o casamento civil LGBT?
Henrique Vieira - Eu acredito que ampliar o debate na sociedade é fundamental para demonstrar o quanto esse projeto é estarrecedor, com justificativas bastante desumanas e anti-amorosas. A audiência pública tem uma função pedagógica para que mais pessoas saibam sobre esse ataque contra a democracia, o Estado laico, a diversidade, a Constituição e a cidadania LGBTQ+.
Acho que a audiência pública deve amplificar essa denúncia e ganhar cada vez mais setores da sociedade.
Fórum - Provavelmente, o PL será aprovado na Comissão, pois a extrema direita tem maioria. O senhor crê que esse projeto prosperará nas outras comissões?
Pastor Henrique Vieira - Eu espero que não. Vou trabalhar para evitar isso. O projeto passa pela Comissão de Direitos Humanos e pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Nós não podemos subestimar a capacidade de mobilização deles (extrema direita e fundamentalistas) na conjuntura. A extrema direita governou por quase quatro anos e tem um tamanho expressivo no Congresso. No entanto, acredito que é possível derrotá-los na própria Casa Legislativa.
Em nome da razoabilidade, contando inclusive com o apoio de pessoas conservadoras e moderadas, que respeitam a liberdade do outro, a democracia, a Constituição e o Estado Laico, acredito que podemos formar uma maioria e impedir que esse projeto seja aprovado na Câmara dos Deputados.
Fórum - Eu acompanhei a sessão inteira e fiquei com a impressão de que ali é uma espécie de micro exemplo do que hoje é o Congresso Nacional. Acredita que o Congresso está contaminado pela extrema direita fundamentalista e como reverter esse quadro?
Pastor Henrique Vieira - A resposta à sua primeira pergunta é sim. Parte do Congresso Nacional está contaminada pela extrema direita, que adota uma forma de fazer política baseada no ódio, na agressividade, na ameaça, na intimidação e na negação de direitos, com fortes traços machistas, misóginos, LGBTfóbicos e racistas também.
Os caminhos para reverter esse quadro passam pelo trabalho de base, pela disputa de valores e pela ampliação da camada da sociedade brasileira que defende o pacto em torno da democracia e dos princípios básicos de convivência humana.
A partir desse trabalho de base, da afirmação de valores civilizatórios democráticos e de políticas públicas que reflitam essa perspectiva de uma agenda de direitos, minha expectativa é que possamos reduzir o tamanho da extrema direita no próximo período, tornando-a menos expressiva e com menos influência sobre a vida e a sociedade, como está acontecendo hoje.
Não será algo que acontecerá da noite para o dia, mas acredito que a tarefa de nossa geração e de nosso tempo histórico seja enfrentar e derrotar o ressurgimento de narrativas autoritárias e totalitárias. Agora, por fim, deputado, o senhor tem falas muito enfáticas, o senhor é um pastor, e carrega esse nome como deputado.
Fórum - O senhor sofre ameaças por causa de sua postura de enfrentamento à extrema direita fundamentalista?
Pastor Henrique Vieira - Não sofro ameaças, mas sou alvo de discursos de ódio o tempo todo, inclusive aqui na Câmara.
Muitas vezes, enquanto falo fora do microfone, ouço palavras de ataque à minha fé, à minha espiritualidade, zombando do fato de eu ser cristão, dizendo que não sou verdadeiro, que não sou cristão, que não sou pastor. Já ouvi coisas como "Igreja do Demônio".
Nas redes e até mesmo no próprio parlamento, enfrento discursos de ódio e indignação, com o intuito de me diminuir, me desestabilizar e me descaracterizar. Isso acontece todos os dias.
No entanto, não estou sozinho. Tenho um partido, faço parte do movimento negro, da luta pelos direitos humanos, da cultura e sou pastor de uma igreja. Sou um produto da teologia negra, da teologia da libertação e do cristianismo progressista popular.
Portanto, faço parte de uma rede de afeto que me permite manter minha consciência tranquila e meu coração em paz, seguindo em frente.