A mãe do humorista Paulo Gustavo, morto em 2021 por complicações decorrentes da Covid, Déa Lúcia, deu uma emocionante entrevista ao podcast "Quem Pode, Pod", apresentado por Gio Ewbank e Fernanda Paes Leme.
Durante a conversa especial sobre o Dia das Mães, Déa Lúcia falou sobre a dor de perde um filho. "Quando as pessoas me falam que eu tenho força, respondo que não tenho força. Eu tenho fé. A fé é que me ajuda a ficar em pé e no meu trabalho. O meu trabalho não é só no Luciano [Huck, no Domingão com Huck]. Mas o trabalho em casa, o fato de eu ir no mercado. Sou a gestora da minha família, vejo meus netos. Eu sofro, estou aqui falando e rindo, mas sofro", disse.
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Em outro momento, Déa Lúcia, envia uma mensagem às mães e pais de filhos de LGBT:
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"Eu amei e protegi os meus filhos de tudo, mesmo assim a vida é isso: a gente vem, a gente vai. Aquelas mães que ainda estão com os seus filhos por perto: ame, protege seus filhos. Não escorracem eles. Vocês não sabem a dor que é a perda de um filho. É muito triste gente. O único recado que eu dou para as mães é esse: abrace os seus filhos, aceite eles como eles são. Ninguém muda ninguém. Não consegue. Isso não existe. Aceita os seus filhos. É gay? É lésbica? É trans? Aceitem os seus filhos. Amem os seus filhos", declarou Déa Lúcia.
Confira abaixo a emocionante declaração de Déa Lúcia, mãe de Paulo Gustavo.
“Bicha Bichérrima”: o humor crítico e fora do armário de Paulo Gustavo
No último dia 4 de maio completaram dois anos da morte de Paulo Gustavo, vítima da Covid. Com uma carreira meteórica, o artista revolucionou o humor no século XXI.
Além de ser um grande ator, Paulo Gustavo era um roteirista genial e conseguiu, com a perspicácia de poucos, colocar em suas personagens como Dona Hermínia, Senhora dos Absurdos e A fumante desnudar a hipocrisia e preconceitos de classe da sociedade brasileira e se tornar, rapidamente, um fenômeno do humor brasileiro no século XXI.
Há uma cena em Vai Que Cola, sitcom do canal Multishow, em que Paulo Gustavo, onde interpretava o golpista Valdomiro, contracena com Marcus Majella, o concierge Ferdinando, que explica de maneira rápida o sucesso estrondoso do ator nos palcos, no cinema e na televisão brasileira. Primeiro há uma rápida sátira sobre as bichas que disfarçam a viadagem para agradar aos homens heterossexuais, pois, devem se “dar ao respeito”, na sequência, a personagem é questionada, mas você não é bicha?”, no que ela responde, “não, eu sou bicha bichérrima, uma bichona, muito bicha, não tenho a menor condição de deixar de ser bicha, eu vou ser bicha pra sempre”.
Para muita gente pode parecer apenas uma cena muito engraçada e que nem os atores em cena aguentaram, mas, por detrás dessa frase de alguns poucos segundos está toda uma crítica feita pelas LGBT contra a reprodução dos estereótipos masculinistas e de como as bichas femininas são vítimas de machismo entre as… gays. Paulo Gustavo resumiu em segundos anos de colóquios acadêmicos.
Mas, também havia crítica ao modo de ser dos homens heterossexuais. No mesmo programa há uma outra esquete que, à época viralizou quando Ferdinando, a concierge bicha resolve se tornar heterossexual. Parodiando o linguajar geralmente falado por homens héterossexuais, a cena tira uma onda com os tipos que desqualificam as mulheres e as tratam como objetos. É impagável e, mais uma vez, em alguns minutos, uma síntese genial de séculos de crítica feminista à misoginia.
Outra personagem que se tornou um clássico tanto para falar do ódio às LGBT quanto ao ódio de classe presentes na sociedade brasileira é a Senhora dos Absurdos que, só em seu jargão resume um tanto do Brasil: “Sou branca, rica e heterossexual, nada acontece comigo”. No especial de fim de ano da Rede Globo, para resolver o problema da Covid, a Senhora dos Absurdos, que é uma paródia de uma socialite fascista, propõe criar um muro para isolar o Leblon do resto do Rio de Janeiro e cimentar as saídas do metrô, "onde sai pobre o dia inteiro". Na mesma esquete, o texto de Paulo Gustavo faz, a partir de seu humor ácido, uma profunda crítica sobre o tratamento para Covid disponível para as classes mais pobres.
Além de carregar as críticas sobre padrões de sexualidade e do ódio de classe presentes no Brasil, os textos de Paulo Gustavo também versavam sobre outras hipocrisias tais como a questão da autointoxicação, eternizada na personagem A Fumante, mais do que tratar dos danos do cigarro, o ator queria ali cutucar toda a vigilância atual sobre os atos individuais, que se conectam diretamente com as outras esquetes sobre corpos libertos. Além disso, a personagem é uma crítica ao negacionismo científico, visto que em vários momentos A Fumante diz que "a ciência está errada" e o cigarro não prejudica a saúde.
Dona Hermínia, da peça e filme Minha Mãe é Uma Peça, serviu para muitas mães e famílias tratarem os seus filhos e parentes LGBT de outra maneira, não faltaram relatos sobre nas redes. Além disso, Dona Hermínia é também uma colcha de retalho das mães brasileiras.
De maneira genial, Paulo Gustavo conseguia transpor para os seus textos e atuações os dilemas presentes nas conversas de botecos e nas rodas acadêmicas do Brasil e foi por conta disso que o seu trabalho, em tão pouco tempo conquistou o Brasil e levou um país ao luto. Era genial demais.
Por fim, cabe lembrar outra esquete que vai influenciar outras gerações, nela assistimos um grupo de bichas intelectuais fazendo uma discussão antropológica das bichas femininas e masculinas, e sobre a reprodução dos papeis de gênero entre as pessoas LGBT.