Desde a sua estreia, ocorrida em março, a novela "Pantanal", que é uma refilmagem da versão original exibida nos anos 1990, na extinta TV Manchete, é sucesso de público. Provavelmente, desde o fenômeno "Avenida Brasil" (2012), que uma trama das 21 horas não gerava tantos memes, discussões na internet e uma linguagem própria.
Mas, para além da fotografia e direção impecáveis, "Pantanal", que possui uma trama tradicional e de conhecimento de boa parte do público e, mesmo entre aqueles que não conheciam, poderiam checar o destino da história com uma simples pesquisa na internet, a novela chamou atenção pela sua opção na maneira como trataria a homossexualidade e na escolha do casal de atores protagonistas.
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Uma das primeiras grandes discussões em torno de “Pantanal” foi a escolha do ator Jesuíta Barbosa para interpretar o protagonista da trama, o personagem Jove, filho do fazendeiro José Leôncio (Marcos Palmeira). Em tom de piada e deboche, internautas comentavam sobre o “jeito estranho e desengonçado” do ator.
Mais recentemente, foram divulgadas fotos onde o ator Jesuíta Barbosa está aos beijos com outro homem em uma praia do Rio de Janeiro.
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Até então desconhecido do grande público, Barbosa ganhou destaque ao atuar no filme “Tatuagem” (2013), de Sergio Lira. Posteriormente atuou na série “Onde Nascem os Fortes” (2018) e na novela das 19h “Verão 90” (2019), mas, sabemos bem a diferença de impacto entre uma novela vespertina e com a faixa das 21 horas. E, o que talvez boa parte do público ignorava, é que Barbosa desde sempre se declarou uma pessoa bissexual.
Corta para a atriz Alanis Guillen, que interpreta a protagonista que faz par com Jove, a Juma Marruá. Em recente entrevista à revista Elástica, Alanis se declarou uma pessoa sexualmente fluída e que pode se relacionar com homens e mulheres.
Para a atriz que dá vida a mítica Juma Marruá, poder assumir a sua sexualidade fluída "é uma libertação" e que atores e atrizes que assumem sexualidades fora do padrão normativo também ajudam na tarefa de mostrar aos telespectadores que outras orientações sexuais são possíveis e "que isso não é errado". Bingo.
Telenovela e heteronormatividade
Faz meia hora que atrizes e atores tiveram as suas carreiras arruinadas quando resolveram sair do armário; faz quinze minutos que muitos artistas tiveram de passar boa parte de suas respectivas vidas vivendo biografias duplas ou que foram desincentivados por seus agentes a não assumirem publicamente que não são heterossexuais.
Também sabemos que as novelas exibidas na faixa das 21 horas são produtos que geram discussões e também atuam com o objetivo de promover sonhos naqueles que acompanham: da vida dos personagens à sexualidade dos atores e atrizes.
Dessa maneira, a escolha das atrizes e atores para compor os casais protagonistas atende a um padrão histórico de estética, sexualidade e raça, no caso, heterossexuais e brancos. Héteros porque, mais do que viver os personagens, os atores passam a representar a cara da emissora, seja em campanha internas do próprio canal, seja em ações publicitarias. Brancos para responder ao racismo estrutural do país. Neste quesito, as produções ainda engatinham.
Imaginário popular
Quando os atores que dão vida ao casal protagonista – que na trama é heterossexual – resolvem viver livremente as suas respectivas sexualidades eles, assim como bem pontuou a atriz Alanis Guillen, mostram ao público que nada altera na relação mística com os personagens se, fora das telas, são pessoas LGBT, não binárias ou de gênero fluído.
Na verdade, a ideia de que atores e atrizes classificados como “galãs” ou “musas” devem ser necessariamente heterossexuais está relacionado diretamente com o pressuposto da heterossexualidade, ou seja, a de que todos são “naturalmente heterossexuais”, o que não passa de uma ficção política repetida à exaustão nos últimos, pelo menos, 200 anos.
Ou seja, quando a atriz Alanis Guillen e o ator Jesuíta Barbosa vivenciam as suas sexualidades não heteras no espaço público, eles incidem diretamente e de maneira pedagógica na mentalidade dos telespectadores: desmontam a ficção da heterossexualidade compulsória e mostram aos produtores do canal e da novela que isso não tira audiência e nem patrocínio.
Cabe ainda mais um destaque sobre a escolha do ator Jesuíta Barbosa: o sucesso do personagem mostra também que os galãs podem performar outras masculinidades, que nem só de machos bombados vivem as novelas e que sim, as estéticas magras, lânguidas que também estão presentes em corpos masculinos também alimentam o imaginário popular.
Portanto, quando o padrão sexual do casal protagonista de uma novela das 21 horas é rompido a sociedade como um todo ganha e a opinião pública amplia os seus horizontes quanto as outras sexualidades possíveis que, importante destacar, não são “sexualidades alternativas”, mas vivências sexuais que coexistem, ou pelo menos assim deveria ser.