Antissemitismo e antissionismo: a diferença entre os conceitos que são frequentemente confundidos
Qual a diferença entre antissionismo e antissemitismo? Confira a história destes conceitos.
Os recentes ataques de Israel na Faixa de Gaza e a escalada da violência no Oriente Médio trouxeram novamente à tona dois termos frequentemente confundidos: antissemitismo e antissionismo.
Enquanto o primeiro representa um preconceito histórico contra judeus, o segundo é uma crítica política ao movimento sionista ou ao Estado de Israel. Essa distinção, é essencial para compreender os debates contemporâneos e evitar confusões que têm implicações profundas na esfera política, acadêmica e diplomática. Afinal, é possível criticar Israel sem ser antissemita? E quando uma crítica deixa de ser legítima e se torna discurso de ódio?
O Antissemitismo: a perseguição histórica

(Foto: domínio público)
A hostilidade contra judeus não é um fenômeno moderno. Desde a Antiguidade, há registros de discriminação religiosa e cultural contra esse povo. No Egito Ptolemaico, por volta do século IV a.C., já se disseminavam estereótipos negativos sobre os judeus, retratando-os como socialmente isolados e hostis a outras culturas. Durante o domínio romano, especialmente após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém no ano 70 d.C., os judeus foram dispersos, dando início à diáspora. Essa dispersão geográfica e cultural os tornaria alvos fáceis de perseguições ao longo dos séculos.
Na Idade Média europeia, o antissemitismo ganhou força sob a ótica cristã, que responsabilizava os judeus pela morte de Jesus. Acusações infundadas, como envenenar poços ou sequestrar crianças cristãs para rituais, serviram de pretexto para massacres e expulsões. As Cruzadas, por exemplo, deram início a pogroms sangrentos em comunidades judaicas da região do Reno. A intolerância culminou em expulsões sistemáticas, como na Inglaterra em 1290, na França em 1306 e na Espanha em 1492 com o Decreto de Alhambra, que marcou o fim da convivência inter-religiosa ibérica.
Com a modernidade, o antissemitismo passou a se manifestar não apenas como intolerância religiosa, mas como racismo disfarçado de ciência. No século XIX, surgiram teorias pseudocientíficas que classificavam os judeus como uma “raça inferior” ou como uma ameaça à ordem social. Essa virada ideológica foi decisiva para a legitimação dos horrores do século XX. O ponto culminante desse ódio foi o Holocausto: entre 1941 e 1945, seis milhões de judeus foram exterminados pelo regime nazista, em um genocídio que representou o auge da perseguição antissemita na história moderna.

(Foto: domínio público)
Sionismo - o que é
Diante do antissemitismo europeu e da ausência de um território próprio, emergiu no final do século XIX o movimento sionista. Idealizado por Theodor Herzl, o sionismo propunha a criação de um Estado judeu na Palestina, então sob domínio otomano. Herzl via o antissemitismo como um mal irreversível na Europa e acreditava que a emancipação política dos judeus só seria possível por meio da soberania nacional. Em 1897, o Primeiro Congresso Sionista, realizado na Basileia, marcou a institucionalização do projeto.

(Foto: domínio público)
O apoio internacional ao sionismo se consolidou com a Declaração Balfour, em 1917, quando o Império Britânico prometeu apoio à criação de um “lar nacional” para os judeus na Palestina. A partir daí, a imigração judaica aumentou, agravando os conflitos com a população árabe local. Em 1948, com a fundação do Estado de Israel, eclodiu uma guerra regional que resultou na expulsão ou fuga de cerca de 750 mil palestinos, em um episódio conhecido como Nakba — a “catástrofe”, na memória palestina. Para muitos, esse foi o início de uma longa ocupação e da marginalização política e territorial do povo palestino.
O antissionismo nasce, assim, como uma crítica ao projeto sionista e às políticas do Estado de Israel. Existem correntes antissionistas entre judeus — inclusive entre religiosos ortodoxos e grupos seculares da esquerda. A crítica principal vem dos setores que veem o sionismo como um movimento colonialista ou racista.
Com a ocupação da Cisjordânia, o cerco a Gaza e a expansão dos assentamentos, muitas organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, passaram a classificar as práticas israelenses como um regime de apartheid.
Diferença entre antissemitismo e antissionismo
A distinção entre antissionismo e antissemitismo tornou-se um campo de disputa política. Parte do debate gira em torno de até que ponto é legítimo criticar Israel sem incorrer em preconceito contra os judeus. A crítica a políticas de ocupação, de bloqueio econômico ou de discriminação institucional não constitui antissemitismo.
No entanto, quando essas críticas adotam linguagem conspiratória, estigmatizante ou essencialista — por exemplo, afirmar que “os judeus controlam o mundo” —, ultrapassam a linha da crítica política e se tornam expressões de ódio.
Essa tensão ganhou nova dimensão com a definição proposta pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) em 2016. Embora tenha sido criada para facilitar a identificação de discursos antissemitas, a definição inclui exemplos controversos, como “negar o direito de Israel existir”.
Para muitos críticos, essa formulação é ambígua e pode ser usada para silenciar dissidências legítimas, especialmente aquelas que vêm de vozes palestinas, ativistas de direitos humanos ou acadêmicos.
O debate se intensificou ainda mais em universidades e redes sociais, onde manifestações pró-palestinas muitas vezes são rotuladas como antissemitas.
Essa generalização não apenas distorce o conceito de antissemitismo como também mina os esforços de combate ao preconceito real, tornando o termo politicamente instrumentalizado.