CHINA EM FOCO

Como a experiência da China em transição energética pode influenciar a COP30 no Brasil

Com avanços em energia limpa, políticas industriais verdes e liderança climática global, a China se torna peça-chave para o sucesso da COP30, marcada para este ano em Belém do Pará

HG14: projeto pioneiro em energia solar offshore da China
HG14: projeto pioneiro em energia solar offshore da ChinaCréditos: Xinhua
Escrito en GLOBAL el

A terceira edição da Turnê Energética da Juventude Mundial foi realizada entre os dias 4 e 8 deste mês nas províncias chinesas de Shandong e Sichuan, reunindo 14 jovens profissionais e estudantes de oito países.

WYET - Participantes da turnê posam para foto sobre a barragem da Hidrelétrica de Pubugou.

Resultado de uma parceria entre a Academia de Estudos sobre a China e o Mundo Contemporâneos (ACCWS, da sigla em inglês) e a empresa CHN Energia, o programa trouxe uma importante novidade este ano: além de jovens talentos que vivem na China, a turnê contou com a presença de jovens residentes no exterior.

Com o objetivo de apresentar e debater soluções para a transição energética, pauta da COP30 que o Brasil sediará em novembro deste ano, o programa mostra o que a China vem desenvolvendo nesta área e estimula o debate e a cooperação com outros países para promover fontes de energia renováveis e com menor impacto ambiental.

Megaprojeto de energia solar na foz do rio Amarelo

Após nascer na província de Qinghai, no oeste, e cruzar o país, o rio Amarelo deságua no mar de Bohai em Dongyin, cidade costeira da província de Shandong, no leste da China. Os detritos que as águas arrastam rio abaixo dão às águas um tom amarelado, de onde vem o nome deste rio cujas margens testemunharam o nascimento da civilização chinesa.

O encontro do rio Amarelo com o mar é um espetáculo semelhante ao do encontro dos rios Negro e Solimões na Amazônia brasileira, com as águas demorando a se misturar, criando um espetáculo de cores com o amarelo do rio e o azul do mar.

Ao longo da história, o acúmulo de detritos causou mudanças no curso do rio, mas atualmente trabalhos de monitoramento ambiental aliados à intervenção humana têm ajudado a estabilizar o curso do rio e proteger suas várzeas, importantíssimas para o deslocamento de diversas espécies de aves migratórias.

E é ali, bem próximo à foz do Rio Amarelo, que a CHN Energia está desenvolvendo um projeto pioneiro em energia solar offshore, intitulado HG14, que irá gerar 1GW de eletricidade quando estiver concluído.

Instalar painéis solares sobre o mar pode parecer simples à primeira vista, mas na verdade é um enorme desafio de engenharia: além das marés e dos efeitos da umidade e da água salgada sobre os equipamentos, devem ser levados em conta diversos problemas relacionados à interação com a vida marinha e à navegação.

O grande diferencial do HG14 é que ele é o primeiro projeto de energia solar offshore no mundo a ser conectado com sucesso à rede elétrica em terra, feito realizado em novembro de 2024. Além disso, o HG14 é o maior projeto já iniciado de energia fotovoltaica em mar aberto, a uma distância de 8 km da costa, que cobrirá uma área de 1.223 hectares com 2934 painéis solares quando estiver concluído.

Este projeto também é pioneiro na utilização de grandes treliças de aço fixadas a alicerces no fundo do mar como base para a instalação das placas fotovoltaicas e demais equipamentos. A estrutura foi desenhada de modo a reduzir o impacto na vida marinha e também nas aves que vivem na região ou passam por lá em suas rotas migratórias.

Os painéis fotovoltaicos geram energia tanto a partir da luz solar direta quanto a partir da luz refletida pela superfície do mar, aumentando a produção de energia em 3%, e se movem lentamente ao longo do dia acompanhando o movimento do sol para otimizar a eficiência da captação da luz solar.

Rafael Henrique Zerbetto - Montagem de painéis solares do projeto HG14 em Dongyin

A produção de energia solar no mar é consideravelmente mais complexa que em terra firme, com os painéis e suas bases sendo montados em terra e depois transportados até o local por uma embarcação. Os participantes da turnê tiveram a valiosa oportunidade de ver tudo isso de perto, visitando o local de montagem dos painéis e a praia onde os cabos submarinos se ligam à rede elétrica.

Mas a parte mais especial da viagem foi a visita, em barcos, à parte já construída e em funcionamento desta usina solar offshore, que permitiu aos jovens talentos internacionais ver de perto os detalhes do projeto, como os transformadores e sua ligação aos cabos submersos que transportam eletricidade ao continente, e os aparelhos de monitoramento via internet 5G desenvolvidos especificamente para este projeto, em parceria com a Huawei, para uso no mar.

Hidrelétricas no rio Dadu abastecem Sichuan

Um dos episódios mais desafiadores da Longa Marcha foi a travessia do rio Dadu, na província de Sichuan. Esse afluente do rio Yangtsé que serpenteia por entre montanhas íngremes pode não ser muito largo, mas sua correnteza é muito forte.

Nos tempos da Longa Marcha, havia apenas uma ponte cruzando este rio, que foi parcialmente desmontada por ordem de Chiang Kai-Shek para que os comunistas não pudessem realizar a travessia. Soldados com metralhadora foram colocados diante da ponte para abrir fogo em quem ousasse atravessá-la pendurando-se aos poucos cabos que restaram após o desmonte. Atravessar o Dadu foi difícil, mas o Exército Vermelho venceu e continuou sua jornada para mudar a história do país.

Após a fundação da República Popular da China, o país investiu pesado em educação e no desenvolvimento científico-tecnológico, melhorando a qualidade do emprego e as condições de vida das pessoas, o que gerou aumento na demanda por energia elétrica. Nessa nova fase do país, o Dadu mostrou-se adequado para a construção de hidrelétricas.

A usina hidrelétrica de Pubugou é não apenas a maior do Dadu, mas também a maior operada pela CHN Energia. Com capacidade instalada de 4,49GW, ela é um projeto-chave nacional desenvolvido dentro do 10º plano quinquenal do país e uma obra exemplar dentro da Estratégia de Desenvolvimento do Oeste da China.

A geografia do local facilita e barateia a construção de hidrelétricas e reduzuz o impacto ambiental da obra. Além da geração de energia, as barragens também possuem duas importantes funções secundárias: gerenciamento de recursos hídricos e retenção de sedimentos trazidos pelo rio.

Por outro lado, a província de Sichuan é conhecida pela ocorrência de terremotos. Por esse motivo, as hidrelétricas do Dadu contam com estrutura reforçada e foram projetadas de acordo com rígidos padrões, sendo capazes de suportar tremores de até 8 graus na escala Richter sem sofrer danos.

Consistindo de duas unidades de geração de energia, Pubugou e Shenxigou, a hidrelétrica gera 4,26GW de energia, que se somam a outros 230MW produzidos por painéis solares instalados nas imediações. Em um ano, a usina produz cerca de 15 bilhões de kilowatts-hora, o suficiente para suprir 25% da demanda da cidade de Chengdu.

Os jovens talentos estrangeiros também visitaram o Centro de Comando de Produção das Hidrelétricas da Bacia do Dadu, em Chengdu, onde ouviram explicações sobre o gerenciamento, a segurança e a operação das usinas instaladas ao longo do curso do rio.

Conversas com especialistas

Os participantes da turnê tiveram a oportunidade de visitar instalações operacionais da CHN Energia e conversar com especialistas. Em Dongyin, os jovens foram recebidos pelos principais especialistas envolvidos no projeto HG14 para uma sessão de diálogo que lhes permitiu conhecer detalhes técnicos do trabalho desenvolvido.

Em Sichuan, o diálogo com especialistas da hidrelétrica de Pubugou incluiu não apenas questões técnicas a respeito da geração de energia, mas também um debate englobando sustentabilidade, inovação, mudanças climáticas e preservação ambiental, com grande engajamento tanto dos profissionais chineses como dos visitantes internacionais.

O evento terminou em Pequim, na sede da CHN Energia, onde os jovens visitaram o Departamento de Mídia da CHN Energia e depois tiveram uma sessão de diálogo com lideranças e profissionais administrativos da empresa. Na ocasião, os talentos internacionais apresentaram suas impressões sobre a viagem e aprenderam sobre questões estratégicas da empresa.

“Sou muito grato à China por nos dar apoio como se fosse nosso irmão mais velho. E estou impressionado e feliz em ver a China trabalhando tão seriamente, liderando o mundo em iniciativas de desenvolvimento verde”, declarou o paquistanês Farooq Sansi, CEO do Grupo Hunan Sansi.

Kevin Tu, gerente da Agora Energy China, destacou a contribuição dos jovens à transição energética: “A experiência chinesa prova que a juventude protagoniza a inovação, das redes de distribuição de energia controladas por Inteligência Artificial aos megaprojetos de energia eólica em alto mar”.

“Como trabalho no setor de energia, gostei muito de visitar a Hidrelétrica de Pubugou e o projeto de energia solar offshore”, disse a jovem Azarine Raina, da Indonésia.

“Essas infraestruturas são incrivelmente bem planejadas e avançadas. Tenho muita sorte de ter tido a oportunidade de conversar com a equipe da CHN Energia e assim compreendi que o tempo de retorno desses investimentos é relativamente curto comparado à escala deles”, completou.

Durante o diálogo em Pequim, os participantes também foram informados sobre o andamento das duas metas de carbono da China, de atingir o pico de emissões até 2030 e a neutralidade de carbono até 2060. A primeira meta foi concluída em meados de 2024, seis anos antes do prazo limite. Isso significa que a China já atingiu o pico de emissão de carbono e está reduzindo suas emissões para cumprir a segunda meta.

Combinando visitas técnicas com turismo

Além das visitas a instalações de energia, os jovens também tiveram uma experiência imersiva na cultura chinesa e puderam conhecer também alguns avanços da China em áreas como arqueologia, agricultura e preservação dos pandas.

Rafael Henrique Zerbetto - Melhoria na gestão dos recursos hídricos na bacia Dadu favoreceu o desenvolvimento da fruticultura.

Antes da visita à hidrelétrica, os jovens visitaram o condado de Hanyuan, nas proximidades da usina, onde a renda per capita dos moradores cresceu 15 vezes em dez anos graças à melhoria das condições ambientais na região. As famílias de agricultores do condado agora se dedicam à plantação de nêspera e cereja, despachando produtos para toda a China.

“Antes da instalação da hidrelétrica de Pubugou, a gente plantava milho, batata-doce e ervilhas nesta área. Depois que a barragem foi construída, a infraestrutura de transportes no condado de Hanyuan ficou mais eficiente, passamos a ter segurança em recursos hídricos, o meio ambiente melhorou e passamos a plantar nêspera. A qualidade de vida da população local melhorou muito”, afirmou o agricultor Li Wanwen.

Rafael Henrique Zerbetto - A rápida troca de máscaras diante do público é uma característica marcante da Ópera de Sichuan.
Rafael Henrique Zerbetto - Jovens talentos estrangeiros visitaram a Base dos Pandas em Chengdu.

No dia seguinte, a programação incluiu visitas à Base de Pesquisa em Pandas Gigantes, ao Sítio Arqueológico de Jinsha e à Alameda Kuanzhai, três importantes destinos turísticos de Chengdu. Além disso, os jovens também experimentaram o famoso hotpot de Sichuan, degustaram chá e assistiram a uma apresentação da tradicional Ópera de Sichuan.

“Foi uma grande experiência para mim e sou muito grata aos organizadores por nos levarem à base dos pandas e à alameda turística. Mesmo com uma agenda apertada, tive a oportunidade de visitar lugares turísticos de Chengdu”, declarou Azarine, entusiasmada com as descobertas culturais durante sua primeira visita à China.

Lições para a COP30

WYET - O brasileiro José Renato Peneluppi Jr. discute os avanços da China em energia verde.

Outro participante da turnê, o brasileiro José Renato Peneluppi Jr., mestre em políticas públicas com especialização em transição energética, considera importantíssimo aproveitar a COP30 no Brasil para mostrar ao mundo as conquistas da China nessa área.

“A Turnê Energética da Juventude Mundial tem um grande potencial de impactar positivamente a COP30 no Brasil, ao compartilhar experiências vividas na China em tecnologias sustentáveis como energia offshore, solar e hidrelétrica. A iniciativa aproxima jovens líderes globais das soluções chinesas rumo à neutralidade de carbono”, explicou Renato.

Radicado no país asiático há mais de uma década, o brasileiro aproveitou o diálogo com especialistas da usina hidrelétrica de Pubugou para chamar a atenção para a cooperação Brasil-China em energia. No passado, técnicos chineses iam a Itaipu conhecer o trabalho do Brasil na área, hoje a China tem sua própria tecnologia e profissionais qualificados para construir e operar hidrelétricas.

Mais recentemente, quando o Brasil inaugurou a usina de Belo Monte, afastada dos grandes centros consumidores, faltava tecnologia para transportar eletricidade por grandes distâncias de maneira eficiente. Foi aí que a China entrou em cena, levando para o Brasil a tecnologia de transmissão em ultra alta tensão, que reduziu significativamente as perdas na distribuição.

Esse exemplo mostra que a cooperação bilateral em energia tem trazido benefícios para os dois países. Uma vez que problemas como o aquecimento global e a perda da biodiversidade afetam o mundo todo, é imperativo que os países trabalhem em conjunto para superá-los.

“Na COP30, em Belém, o programa pode fortalecer o diálogo entre Brasil e China, apontando caminhos de cooperação em energias renováveis, inovação e preservação ambiental, reforçando alianças estratégicas e impulsionando o protagonismo climático dos dois países”, concluiu o brasileiro.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar