CHINA EM FOCO

Xinjiang é uma região-chave para a Rota da Seda na antiguidade e hoje - Por Rafael Henrique Zerbetto

Como a abertura e a inclusão pavimentam o caminho do desenvolvimento da região autônoma localizada no noroeste da China

Como a abertura e a inclusão pavimentam o caminho do desenvolvimento da região autônoma localizada no noroeste da China. Na foto, apresentação de dança folclórica em Xinjiang
Xinjiang é uma região-chave para a Rota da Seda na antiguidade e hoje.Como a abertura e a inclusão pavimentam o caminho do desenvolvimento da região autônoma localizada no noroeste da China. Na foto, apresentação de dança folclórica em XinjiangCréditos: Xinhua
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Durante minha infância e adolescência no Brasil, aprendi na escola sobre a queda de Constantinopla e sua contribuição essencial para o declínio da Rota da Seda. As escolas brasileiras, por motivos óbvios, enfatizam não as consequências econômicas disso para o interior da China – Xinjiang não era sequer mencionada nas aulas –, mas a busca dos europeus por rotas alternativas, pelo mar, que acabaram resultando na “descoberta” da América.

Foi somente após minha mudança para a China que tive a oportunidade de estudar a história da Rota da Seda a partir da perspectiva chinesa e entender que, embora o comércio com a China tenha sido reestabelecido, permitindo a continuidade das exportações de chá, seda e porcelana pelos séculos seguintes, o declínio das rotas por terra teve sérias implicações no interior do país.

Em minha primeira visita à Região Autônoma Uigur de Xinjiang, em 2020, fiquei impressionado pelo contraste entre a riqueza e prosperidade que a região experimentou nos tempos áureos da Rota da Seda e a falta de perspectiva econômica trazida pela interrupção dessas rotas comerciais que impactaram profundamente a história do mundo.

Uma nova Rota da Seda trazendo uma nova onda de desenvolvimento

O transporte marítimo se desenvolveu em ritmo acelerado após o declínio da Rota da Seda, com navios cada vez maiores e mais seguros transportando carga a um custo que ainda hoje é extremamente competitivo.

Quando a China anunciou a Reforma e Abertura, o país teve que priorizar o desenvolvimento industrial nas províncias próximas ao litoral para facilitar o escoamento da produção pelos portos, trazendo como efeito colateral um aumento da desigualdade entre o leste e o oeste do país.

Foi somente após a China atingir um grau mais alto de desenvolvimento que Xinjiang ingressou, por meio de dois movimentos, em uma nova era de desenvolvimento. O primeiro movimento foi o rápido aumento da renda dos trabalhadores chineses, que estimulou o desenvolvimento do mercado doméstico, criando demanda tanto para o consumo quanto para o investimento em infraestruturas que agora interligam o país.

Já o segundo movimento foi a combinação do desenvolvimento tecnológico com a capacidade de investimento da China, que criou novas rotas de comércio internacional cruzando Xinjiang, tornando as áreas ao longo da antiga Rota da Seda novamente competitivas para o fluxo de mercadorias da Eurásia.

Durante visita a uma fábrica de maquinário para a indústria têxtil em Urumqi, a grande cidade mais distante do mar em todo o mundo, fui informado de que a exportação dessas máquinas por navio seria inviável, por conta do custo e do tempo do transporte multimodal.

Rafael Henrique Zerbetto - Moderna fábrica de máquinas para a indústria têxtil em Urumqi exporta seus produtos para diversos países

Desde que rotas de carga por caminhão e trem foram estabelecidas com os países vizinhos, e destaco a rota de trens de carga ligando a China à Europa através da Ásia Central, o envio de produtos locais de Xinjiang para o exterior se tornou mais barato e rápido, impulsionando o rápido desenvolvimento industrial da região.

Em visitas recentes a Xinjiang, vi trens de carga saindo da China rumo à Europa e também caminhões cruzando a fronteira com o Cazaquistão, levando para o exterior produtos vindos de diferentes lugares do país.

Rafael Henrique Zerbetto - Trem de carga China-Europa saindo de Khorgos rumo ao Cazaquistão.

O investimento chinês em modernização de infraestruturas e rotas multimodais de transporte, bem como na otimização logística, tornou as rotas que cruzam Xinjiang competitivas novamente.

Assim como acontecia na antiga Rota da Seda, o fluxo de produtos é bidirecional: os mesmos trens que levam produtos chineses para a Europa retornam com uma variedade de itens importados, tornando Xinjiang uma porta essencial para a maior abertura econômica da China.

Uma indústria moderna

A competitividade logística também trouxe desenvolvimento industrial à região. Diferentes tipos de produtos industriais são agora feitos em Xinjiang e exportados para o mundo todo. 

Da indústria alimentícia à de máquinas agrícolas, de painéis solares a turbinas eólicas, de artesanato tradicional a produtos high-tech, o desenvolvimento industrial de Xinjiang tem sido rápido e profundamente marcado pela integração entre as cadeias de distribuição domésticas e internacionais.

Em Hami, no leste de Xinjiang, eu visitei fábricas que produzem diferentes partes das turbinas eólicas, incluindo uma onde produzem as pás do rotor. Em outra ocasião, em Khorgos, no oeste da região autônoma, vi carretas enormes transportando pás semelhantes, talvez oriundas daquela mesma fábrica que visitei em Hami, atravessando a fronteira com o Cazaquistão. E aqui chamo a atenção para outro fenômeno: a importância de Xinjiang para a transição energética global.

Além dos geradores eólicos, a maioria dos painéis solares são produzidos em Xinjiang. Em minhas visitas à região, descobri que Xinjiang não apenas monta os painéis, mas desenvolveu a cadeia produtiva completa das células fotovoltaicas, da extração de silício à montagem do produto final.

O desenvolvimento industrial de Xinjiang surpreende aqueles com ideias estereotipadas a respeito da região: ao entrar numa fábrica, muito provavelmente você encontrará um local limpo com pouquíssimos trabalhadores em meio a linhas de produção automatizadas com tecnologias modernas como aplicação industrial da internet 5G e Internet das Coisas (IoT).

O custo de produção relativamente mais baixo das regiões ocidentais da China, junto com os incentivos governamentais para acelerar o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas do país e os grandes avanços em infraestrutura, somados à proximidade com outros países, tornam Xinjiang atrativa para empresas chinesas e estrangeiras.

O espírito da Rota da Seda continua vivo

Xinjiang também é atrativa por seu espírito de inclusão e abertura forjado pela antiga Rota da Seda, através da qual circulavam mercadores do mundo através das estepes e desertos. A população local acostumou-se a receber bem os viajantes e assisti-los em suas jornadas, e mesmo após o declínio da Rota da Seda Xinjiang manteve intensas trocas com os países vizinhos, sempre com base na ideia de cooperação ganha-ganha.

Em minhas visitas a Xinjiang, ouvi muitas histórias interessantes de como a região acolheu gente que veio de longe. Uma dessas histórias ouvi de um criador de cavalos nascido nas estepes do norte, que me contou sobre seus antepassados: sua avó veio do Cazaquistão e seu pai era um engenheiro nascido na província de Zhejiang, no leste da China, que foi para lá por motivo de trabalho e decidiu ficar para sempre.

Rafael Henrique Zerbetto - O imã Ma Jirong em sua mesquita em Ili.

Outra história interessante me foi contada pelo imã Ma Jirong, da Mesquita Shaanxi, na prefeitura autônoma cazaque de Ili. Pertencente à etnia Hui, Ma contou que os hui que hoje vivem em Ili descendem de soldados enviados para lá durante o reinado do imperador Qianlong para suprimir uma rebelião.

Estava previsto o retorno desses soldados a Shaanxi, mas eles gostaram tanto de Ili que pediram permissão para ficar. Como a região carecia de soldados, o imperador lhes permitiu ficar e ordenou a construção dessa mesquita para que eles pudessem praticar sua religião. É por isso que a mesquita Shaanxi tem esse nome e foi construída em estilo arquitetônico semelhante ao de Shaanxi.

Em Xinjiang eu conheci famílias de diferentes grupos étnicos, inclusive famílias multiétnicas. Este ambiente aberto e inclusivo torna Xinjiang um lugar muito especial e único, com uma rotina que quem vem de fora consegue se adaptar, o que é outra vantagem de Xinjiang como um destino de negócios.

Espírito de abertura para uma maior abertura econômica

Rafael Henrique Zerbetto - Dançarinas se apresentam no Grande Bazar Internacional de Urumqi.

O primeiro estágio da Reforma e Abertura da China promoveu o desenvolvimento das províncias ao longo da costa. Agora, o aumento da abertura econômica está promovendo o desenvolvimento do interior do país, especialmente Xinjiang, por seu papel central na Zona Econômica da Rota da Seda, a espinha dorsal da Iniciativa Cinturão e Rota.

A Exposição de Comércio e Commodities da Eurásia (China) 2025, que acontece neste mês em Urumqi, é uma plataforma que promove intercâmbios internacionais com base no espírito da Rota da Seda, caracterizado por abertura e inclusão.

Nas modernas rotas comerciais que cortam Xinjiang, camelos e cavalos foram substituídos por caminhões e trens, mas o conceito essencial de realizar trocas com outros países visando o benefício mútuo continua o mesmo.

* Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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