CHINA EM FOCO

Apesar de 'carta doping' nadador chinês leva ouro e bate recorde mundial

Pan Zhanle é o homem mais veloz nas piscinas do mundo; vitória histórica quebra hegemonia ocidental nas raias olímpicas

Créditos: Xinhua - Nadador chinês Pan Zhanle quebrou o recorde mundial e garantiu medalha de ouro nos 100 metros livre
Escrito en GLOBAL el

O nadador chinês Pan Zhanle quebrou o recorde mundial e garantiu medalha de ouro nos 100 metros livre na Olimpíadas de Paris 2024. O jovem de 19 anos realizou uma prova de 46,40 segundos e diminuiu 0,40 segundos do próprio recorde mundial, estabelecido no Campeonato Mundial em Doha em fevereiro. Foi o primeiro ouro do Time China na natação.

LEIA TAMBÉM: Por que China, Hong Kong e Taiwan têm equipes separadas nas Olimpíadas?

Apesar do impressionante desempenho atlético de Pan, os holofotes de sua vitória foram deslocados para várias acusações já descartadas de doping, especialmente entre nadadores chineses. A vitória dele produziu uma poderosa resposta às dúvidas que têm ofuscado a equipe de natação da China em Paris.

Entenda a confusão

O imbróglio teve início antes das Olimpíadas de Tóquio em 2021, quando 23 nadadores chineses testaram positivo para trimetazidina, uma substância proibida. A Agência Mundial Antidoping (WADA) acatou as explicações da Agência Antidoping da China (CHINADA) de que a exposição teria sido acidental.

A WADA aceitou as conclusões da investigação chinesa de que os resultados dos testes foram devido à contaminação de uma cozinha de hotel, e uma revisão independente apoiou o tratamento do caso pela WADA. Uma auditoria da World Aquatics concluiu que não houve má gestão ou acobertamento por parte do órgão governamental da China.

Ainda assim, a mídia ocidental, como o The New York Times em matéria publicada nesta terça-feira (30), colocou em dúvida a decisão da WADA. Sem citar fonte, informa que investigadores e um especialista da agência apresentaram dúvidas sobre a alegação de contaminação apresentada pela CHINADA.

A autoridade antidoping chinesa rebateu as distorções do jornal dos EUA. Na quarta-feira (31), acusou o veículo de distorcer fatos e politizar disputas de doping e esclareceu que as evidências mostraram que os resultados foram causados pela ingestão involuntária de produtos de carne enquanto jantavam fora. A WADA também revisou o caso dos atletas chineses e não encontrou evidências para contestar o cenário de contaminação.

"A insistência do The New York Times em politizar a questão do doping visa perturbar a ordem da competição de natação dos Jogos Olímpicos de Paris e minar o estado psicológico e a capacidade competitiva dos atletas chineses", disse a CHINADA. 

Exagero de testagens de chineses

Embora o nome do agora campeão olímpico e recordista mundial de natação Pan não estivesse entre os nadadores chineses listados pelo The New York Times, ele disse que foi frequentemente visitado por testadores antidoping.

"No ano passado, recebi 29 testes e nunca tive um positivo. De maio a julho, fiz 21 testes, nenhum positivo. Hoje já recebemos um segundo teste.Não acho que tenha havido algum impacto (em mim) porque todos os testes foram realizados no procedimento normal... Então, não é uma grande questão", disse o atleta a repórteres através de um tradutor depois de subir no degrau mais alto do pódio de Paris.

Pan minimizou a importância pessoal de sua quebra de recorde mundial, que deixou o medalhista de prata australiano Kyle Chalmers mais de um segundo atrás dele. No entanto, ele disse que sua performance e o ouro eram importantes para a China.

"Para mim, não acho que signifique muito porque a vida continua. Para a China, acho que a medalha de ouro significa muito porque esta é a primeira vez que a China quebra um recorde mundial nestes Jogos, então é algo que precisamos comemorar. Foi uma performance perfeita e revigorante para todos na equipe chinesa, para que possamos nos apresentar", afirmou.

O ouro de Pan foi o primeiro de cinco medalhas para a equipe de natação chinesa, que também teve pratas com o nadador de costas Xu Jiayu e Tang Qianting, segunda colocada nos 100m peito feminino. Zhang Yufei, que foi nomeada nos relatórios como uma das 23, levou o bronze nos 100 metros borboleta feminino, três anos depois de conquistar a prata em Tóquio, além do ouro nos 200.

Ocidente não respeita desempenho da China

Pan fez história ao conquistar o ouro nos 100m livre em Paris e quebrar o próprio recorde mundial ao fazer o tempo de 46s40 e ficar 1s08 à frente do segundo colocado, Kyle Chalmers, da Austrália.

Durante entrevista após a histórica vitória, Pan criticou Chalmers a quem acusou de "ignorá-lo" nos primeiros dias das Olimpíadas, e disse que o australiano e outros rivais desrespeitaram ele e a equipe técnica.

O atleta chinês relatou que, durante um treinamento, um nadador estadunidense jogou água nos treinadores chineses, um gesto interpretado como desprezo. Além disso, Chalmers teria ignorado as saudações de Pan após a competição.

Nesta quinta-feira (1), o nadador australiano respondeu às alegações do rival chinês em um comunicado divulgado pela Natação Austrália através da equipe olímpica australiana.

"Acho um pouco estranho, eu dei um toque de punho para ele antes dos revezamentos. E depois meu foco foi para meus companheiros de equipe e minha própria corrida. Nós demos risada juntos ontem à noite no aquecimento - mas não tenho problemas com isso", disse.

Já o técnico de Chalmers, Brett Hawke, incorporou o inverso do espírito olímpico e, ao invés de parabenizar Pan, reagiu indignado em vídeo publicado no Instagram.

"Estou bravo agora porque você não ganha 100 metros livres por um corpo de distância naquele campo. Você só não faz isso. Não é humanamente possível derrotar aquele campo por um corpo de distância, ok?", esbravejou Brett Hawke nas redes sociais.

Essas tensões entre o atleta chinês e competidores ocidentais durante os Jogos Olímpicos ilustram o abismo crescente entre a China e o Ocidente. No Weibo, plataforma de mídia social chinesa, duas hashtags referentes ao incidente viralizaram, acumulando milhões de visualizações.

O episódio reacendeu antigas frustrações. Em 2008, durante os Jogos Olímpicos de Pequim, a China enfrentou críticas e boicotes ocidentais relacionados a questões de direitos humanos. Esse histórico de desentendimentos e a recente discriminação reforçam a percepção de muitos chineses de que o Ocidente mantém uma postura hostil e superior em relação à China.

A situação nos Jogos Olímpicos de Paris é um reflexo de tensões mais amplas e evidencia evidencia a complexidade das relações internacionais e o impacto do esporte como arena para disputas geopolíticas e culturais.

Ranking de doping

No cerne dessa polêmica estão acusações de doping. O curioso é que os EUA, o líder do ocidente, parece ter mais problemas com essa situação do que a China. De acordo com dados do relatório da WADA sobre aplicação de testes antidoping realizados em 2022, o ranking dos 10 países que, em percentual, apresentaram os maiores números de violações foram:

  1.  Índia, 3.865 testes, 3,2% de violações
  2. África do Sul, 2.033 testes, 2,9% de violações
  3. Kazaquistão, 2.174 testes, 1,9% de violações
  4. México, 2.252 testes, 1,4% de violações
  5. Estados Unidos, 6.782 testes, 1,2% de violações
  6. Canadá, 3.846 testes,1,1% de violações
  7. Rússia, 10.186 testes, 0,8% de violações
  8. Alemanha, 13.653 testes, 0,3% de violações
  9. Japão, 5.706 testes, 0,2% de violações
  10. China, 19.228 testes, 0,2% de violações

O poder do esporte como soft power

O esporte é considerado uma forma de soft power, um conceito que se refere ao uso de influência cultural, diplomática e ideológica para moldar as preferências e atitudes de outras nações, sem o uso de coerção ou força militar. Confira algumas maneiras pelas quais o esporte funciona como soft power:

Diplomacia e Cooperação Internacional: Grandes eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, reúnem nações de todo o mundo, criando oportunidades para a diplomacia informal e o diálogo entre países. Isso pode ajudar a aliviar tensões e promover cooperação.

Diplomacia Pública: Programas de intercâmbio esportivo e iniciativas para promover o esporte em diferentes países podem ajudar a construir boas relações e compreensão mútua entre nações.

Promoção Cultural: O esporte permite que os países compartilhem aspectos de sua cultura com o mundo. Por exemplo, a abertura dos Jogos Olímpicos é uma vitrine para a cultura, tradições e inovação do país anfitrião, o que pode melhorar sua imagem global.

Identidade Nacional e Orgulho: O sucesso em competições esportivas internacionais pode fortalecer o sentimento de identidade e orgulho nacional. Isso também pode influenciar positivamente a percepção internacional de um país.

Influência sobre a Juventude: Atletas de alto nível muitas vezes se tornam modelos para jovens, promovendo valores como disciplina, trabalho em equipe e fair play. Isso pode ser uma forma eficaz de influenciar atitudes e comportamentos em diferentes partes do mundo.

Economia e Turismo: O esporte pode impulsionar o turismo e a economia de um país, especialmente através do acolhimento de grandes eventos esportivos, o que também pode melhorar a percepção global desse país como um destino atraente e estável.

Esporte como soft power na China

A China investe no esporte como uma forma de soft power de várias maneiras estratégicas, utilizando o esporte para projetar sua imagem no cenário global, promover sua cultura e construir relações diplomáticas.

O país asiático tem sido anfitrião de grandes eventos esportivos internacionais, como os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. Esses eventos foram oportunidades para a China mostrar suas capacidades organizacionais, infraestrutura moderna e cultura ao mundo, além de fortalecer seu perfil internacional.

O governo chinês investe fortemente em programas de treinamento e desenvolvimento de atletas de alto nível, com o objetivo de alcançar o sucesso em competições internacionais. O desempenho impressionante dos atletas chineses em eventos como os Jogos Olímpicos ajuda a projetar uma imagem de excelência e competência.

A China usa o esporte como uma ferramenta de diplomacia, promovendo intercâmbios esportivos, treinamentos conjuntos e competições amistosas com outros países. Essas atividades ajudam a fortalecer as relações bilaterais e a melhorar a compreensão e a cooperação mútua.

A potência tem investido em infraestrutura esportiva em outros países, muitas vezes como parte de projetos de ajuda ou de desenvolvimento econômico, como a Iniciativa do Cinturão e Rota, a Nova Rota da Seda. Isso não apenas fortalece os laços diplomáticos, mas também melhora a imagem da China como um parceiro global benevolente.

O governo chinês promove ativamente as artes marciais tradicionais, como o kung fu, como uma parte integral da cultura chinesa. Competições internacionais e demonstrações de artes marciais são usadas para promover a cultura chinesa e aumentar a influência cultural da China.

Empresas chinesas patrocinam eventos esportivos internacionais, equipes e atletas, o que ajuda a aumentar a visibilidade global dessas empresas e, por extensão, da China. Além disso, a aquisição de clubes esportivos internacionais também é uma estratégia para expandir a influência chinesa no esporte global.

Treinamento olímpico da China

O treinamento olímpico na China é conhecido por ser extremamente rigoroso e estruturado, refletindo o compromisso do país com a excelência esportiva e o sucesso internacional.

O país adota um sistema abrangente para identificar talentos esportivos desde tenra idade. Crianças que mostram potencial em esportes são selecionadas para treinamentos especializados, muitas vezes em escolas esportivas que combinam educação acadêmica com treinamento intensivo.

Existem escolas e academias especializadas em todo o país, onde jovens atletas recebem treinamento intensivo. Essas instituições são muitas vezes patrocinadas pelo governo e se concentram em disciplinas específicas, como ginástica, natação, levantamento de peso, entre outros.

A China emprega treinadores altamente qualificados, muitos dos quais têm experiência internacional. O país também tem contratado treinadores estrangeiros para trazer novas técnicas e métodos de treinamento, especialmente em esportes onde a China tradicionalmente não é forte.

O regime de treinamento é conhecido por sua intensidade e estrutura. Os atletas muitas vezes treinam várias horas por dia, com uma abordagem meticulosa e disciplinada. O treinamento é ajustado para desenvolver habilidades técnicas, físicas e psicológicas.

Os atletas têm acesso a uma ampla gama de serviços de apoio, incluindo medicina esportiva, nutrição, psicologia do esporte e análise de desempenho. Isso é parte de uma abordagem holística para maximizar o desempenho dos atletas.

Os atletas participam regularmente de competições, tanto internas quanto internacionais, para ganhar experiência e medir seu progresso. O desempenho nessas competições é crucial para a seleção em equipes nacionais e participação em eventos internacionais.

O governo chinês concentra recursos em esportes onde o país tem maiores chances de ganhar medalhas, como ginástica, tênis de mesa, levantamento de peso e badminton. Essa estratégia permite maximizar a eficiência dos investimentos no esporte.