O Congresso dos EUA avança para reinstaurar a "Iniciativa China", considerada pelos chineses e até estadunidenses um Macartismo reencarnado e piorado e mostra do racismo profundamente enraizado no país.
A proposta pretende combater "ameaças de estado-nação do Partido Comunista Chinês (PCCh) aos EUA, coibir a espionagem do PCCh sobre propriedade intelectual e instituições acadêmicas nos EUA".
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O Comitê Judiciário da Câmara dos EUA aprovou na quarta-feira (22) o projeto de lei, conhecido como 'Ato para Proteger a Inovação e a Segurança Econômica dos EUA contra o PCCh'.
O projeto detalha os objetivos que inclui a identificação de casos prioritários de roubo de segredos comerciais, o desenvolvimento de uma estratégia de aplicação para coletores não tradicionais e a consideração de medidas legislativas necessárias para proteger os ativos dos EUA contra a agressão econômica estrangeira.
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O projeto vai vigorar por seis anos caso venha a ser promulgado. Foi proposto pelos congressistas republicanos pelo Texas, Lance Gooden e Randy Weber, e pela Flórida, Bill Posey e outros. Teve 15 votos a favor e oito contra.
Críticas nos EUA
A administração Trump implementou a Iniciativa China em 2018 com o objetivo declarado de investigar a chamada espionagem econômica e roubo de segredos comerciais pela China.
Em 2022, o Departamento de Justiça dos EUA anunciou o encerramento da Iniciativa China, pois estava cada vez mais sendo criticada por grupos de direitos civis que afirmavam que ela criava um clima de medo entre os asiático-americanos.
Agora, o novo ato que mira o PCCh encontrou críticas ferozes após seu lançamento. O representante democrata Jerry Nadler, de Nova York, disse que o projeto de lei aprovado pelo Comitê Judiciário da Câmara "simplesmente restabeleceria a Iniciativa China com outro nome".
"A Iniciativa China não apenas desperdiçou recursos valiosos. Em vez de manter os americanos seguros, a Iniciativa China dividiu locais de trabalho, arruinou carreiras e contribuiu para o ódio contra asiáticos", disse Nadler.
Da mesma forma, o Fórum de Acadêmicos Asiático-Americanos também condenou o "Ato do PCCh". A organização afirmou que a medida é apenas para restabelecer a Iniciativa China — um programa que levantou sérias preocupações sobre perfis raciais e direcionamento de asiático-americanos e imigrantes, particularmente aqueles de ascendência chinesa.
"A reinstauração da Iniciativa China teria consequências devastadoras especialmente para acadêmicos asiático-americanos, muitos dos quais tiveram suas vidas viradas de cabeça para baixo como resultado dessa iniciativa prejudicial," disse a organização.
Análise dos chineses
O pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais, Lü Xiang, comentou o impacto da medida nas relações sino-estadunidenses ao jornal chinês Global Times desta sexta-feira (24) caso
"Todo país julga seu relacionamento com outro país com base em suas ações externas, mas esses políticos dos EUA estão deliberadamente criando problemas ao colocar um país contra um partido político. Não há base legal para que um país se oponha a um partido político. Se um projeto de lei tão caótico for eventualmente aprovado e implementado, seria disruptivo para as relações exteriores dos EUA", disse Lü.
O professor da Universidade de Relações Exteriores da China, Li Haidong, disse ao Global Times que os congressistas e elites políticas dos EUA não aprenderam com o impacto negativo da Iniciativa China durante a era Trump, mas, em vez disso, intensificaram seus esforços. Isso pode ser visto como outro exemplo da abordagem cada vez mais imprudente dos EUA em relação à sua política para a China.
"Tanto a 'Iniciativa China' quanto o 'Ato do PCCh' expuseram um tumor profundamente enraizado de racismo dentro da sociedade estadunidense. Essas ações refletem a resistência e o preconceito dos EUA contra descendentes de chineses na América e nas trocas científicas e tecnológicas entre China e América, o que é uma manifestação de racismo", afirmou Li.
Embora existam certas vozes racionais nos círculos políticos dos EUA, conter a China está se tornando uma corrente dominante em Washington e o país está testemunhando um macartismo piorado, avaliam especialistas chineses, alertando que essa tendência impedirá cientistas chineses de contribuir nos EUA e eventualmente terá um efeito reverso.
Nova embalagem para a 'Iniciativa China'
A Iniciativa China foi um programa lançado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos em novembro de 2018, durante a administração do presidente republicano Donald Trump. O objetivo declarado era combater a espionagem econômica e o roubo de propriedade intelectual por parte da China.
O foco era investigar e processar casos de espionagem industrial, roubo de segredos comerciais e outras atividades relacionadas à segurança nacional que envolvessem o governo chinês ou indivíduos associados a ele. A iniciativa visava identificar e processar casos de espionagem econômica e roubo de segredos comerciais que beneficiavam empresas ou o governo chin??s.
Envolveu a colaboração entre várias agências do governo dos EUA, incluindo o FBI, o Departamento de Justiça, o Departamento de Comércio e outras entidades, para coordenar esforços de investigação e aplicação da lei. Um foco significativo foi colocado em universidades e instituições de pesquisa, com a preocupação de que acadêmicos e pesquisadores estivessem envolvidos na transferência de tecnologia sensível para a China.
A Iniciativa China foi criticada por grupos de direitos civis e organizações acadêmicas, que argumentaram que ela promovia perfis raciais e criava um clima de medo entre os asiático-americanos e imigrantes de origem chinesa. Houve alegações de que o programa resultou em uma vigilância excessiva e discriminação contra indivíduos de ascendência chinesa, independentemente de qualquer envolvimento real em atividades ilegais.
Em fevereiro de 2022, o Departamento de Justiça dos EUA anunciou o fim da Iniciativa China, em parte devido às críticas de que o programa fomentava o racismo e a xenofobia. As autoridades reconheceram que, embora a proteção da propriedade intelectual e da segurança nacional permaneça uma prioridade, a abordagem do programa precisava ser reavaliada para evitar discriminação racial e promover justiça.
A Iniciativa China teve um impacto significativo tanto em termos de aplicação da lei quanto em termos sociais. Embora tenha levado a várias prisões e acusações relacionadas a espionagem e roubo de segredos comerciais, também suscitou um debate intenso sobre direitos civis, discriminação racial e a melhor forma de proteger os interesses econômicos e de segurança dos EUA sem violar os direitos das minorias e imigrantes.
Sinofobia enraizada nos EUA
Preconceito contra chineses é uma prática recorrente nos EUA. No início do século 20, os chineses enfrentaram perseguição e discriminação significativa nos Estados Unidos. Este período foi marcado por várias políticas e eventos que refletiram e reforçaram o sentimento anti-chinês na sociedade estadunidense.
A Lei de Exclusão Chinesa (1882) foi uma das primeiras leis de imigração dos EUA que proibiu a imigração de trabalhadores chineses por 10 anos e impediu os chineses nos Estados Unidos de se tornarem cidadãos do país. A lei foi renovada e ampliada várias vezes, permanecendo em vigor até 1943.
A Lei Geary (1892) renovou a Lei de Exclusão Chinesa por mais 10 anos e exigiu que todos os chineses nos EUA portassem um certificado de residência, ou enfrentassem deportação. A Lei Geary também limitou severamente os direitos legais dos imigrantes chineses, incluindo o direito a um julgamento justo.
Os chineses eram frequentemente segregados em bairros específicos e forçados a trabalhar em condições laborais precárias, muitas vezes em indústrias como ferrovias, mineração e lavanderias. A discriminação salarial e as condições de trabalho eram notoriamente ruins.
Os chineses enfrentaram violência racial, incluindo linchamentos, espancamentos e assassinatos. Um dos eventos mais notórios foi o massacre de Rock Springs em 1885, quando 28 mineiros chineses foram mortos e muitos outros foram feridos ou expulsos de suas casas por mineiros brancos em Rock Springs, Wyoming.
Organizações como a Liga de Exclusão Asiática promoveram a retórica anti-chinesa, influenciando políticas e atitudes públicas. Propagandas e caricaturas racistas que retratavam os chineses como uma ameaça à sociedade americana eram comuns.
Os chineses eram frequentemente retratados de maneira estereotipada e negativa na mídia e na cultura popular, o que perpetuava a discriminação e o preconceito. Eles eram vistos como "perigosos" e "inassimiláveis", alimentando o medo e o ódio contra a comunidade chinesa.
Essas políticas e atitudes resultaram em severas limitações à vida e às oportunidades dos chineses nos Estados Unidos. Eles enfrentaram barreiras significativas para a integração e a prosperidade, muitas vezes vivendo em condições de pobreza e isolamento. A discriminação institucional e social teve um impacto duradouro na comunidade chinesa, cujas contribuições para a economia e a cultura americanas frequentemente não foram reconhecidas ou valorizadas.
A perseguição e a discriminação contra os chineses começaram a diminuir durante a Segunda Guerra Mundial, quando a China se tornou aliada dos EUA contra o Japão. Em 1943, a Lei de Exclusão Chinesa foi revogada com a Lei Magnuson, que permitiu a imigração de um pequeno número de chineses e permitiu que alguns chineses nos EUA se tornassem cidadãos.
No entanto, a discriminação e os preconceitos contra os asiáticos continuaram a ser um problema significativo nos Estados Unidos por muitas décadas, refletindo uma luta contínua por direitos civis e igualdade.
Volta do Macartismo
O Macartismo (ou Macarthismo), conhecido em inglês como McCarthyism, foi um período de intensa perseguição política nos Estados Unidos durante o início da Guerra Fria, principalmente na década de 1950.
Esse fenômeno recebeu o nome do senador republicano de Wiscosin Joseph McCarthy, que liderou uma série de investigações e audiências que buscavam identificar e punir supostos comunistas, espiões e simpatizantes do comunismo infiltrados no governo, nas indústrias de entretenimento, na academia e em outras áreas da sociedade americana.
Durante o período do Macartismo, milhares de estadunidenses foram acusados de serem comunistas ou simpatizantes do comunismo. Essas acusações muitas vezes resultaram em investigações, audiências e sanções severas, incluindo a perda de empregos e a destruição de carreiras.
O Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara dos Representantes (House Un-American Activities Committee - HUAC) foi um dos principais instrumentos de investigação. O colegiado realizou audiências públicas em que indivíduos eram interrogados sobre suas supostas atividades comunistas e suas associações.
O período foi marcado por uma cultura de medo e desconfiança, na qual vizinhos, colegas de trabalho e até familiares denunciavam uns aos outros. A simples acusação de ser comunista podia levar a graves consequências, independentemente da veracidade das alegações.
A indústria do entretenimento foi particularmente afetada, com muitos roteiristas, diretores e atores sendo colocados em listas negras, o que significava que não podiam encontrar trabalho em Hollywood devido a suas supostas afiliações comunistas. O grupo conhecido como "Os Dez de Hollywood" recusou-se a responder às perguntas do HUAC e foi condenado por desacato ao Congresso.
O Macartismo começou a perder força em meados da década de 1950, especialmente após a transmissão televisiva das audiências do Exército-McCarthy, onde as táticas agressivas e muitas vezes injustas de Joseph McCarthy foram expostas ao público. Em 1954, o Senado censurou McCarthy, efetivamente encerrando sua influência política.
O Macartismo deixou um legado duradouro de medo e desconfiança, e é frequentemente citado como um exemplo de como o medo e a paranoia podem levar à violação dos direitos civis e à injustiça. O termo "McCarthyism" passou a ser usado para descrever campanhas de perseguição política injustas e acusações infundadas.